O globo, n. 30082, 17/12/2015. País, p. 15

Juiz rejeita ação de Lula contra O GLOBO

 

Sentença registra que jornalistas exerceram liberdade de expressão em reportagem sobre obra no Guarujá.

“O Judiciário aponta que a imprensa deve noticiar fatos existentes, que foi o que O GLOBO fez: noticiou a existência de um inquérito. O cidadão tem o direito de ser informado a respeito de investigações sobre seus homens públicos” Sérgio Bermudes Advogado dos jornalistas do GLOBO

A 48ª Vara Cível do Rio de Janeiro negou pedido de indenização por danos morais feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em processo movido contra jornalistas do GLOBO. Em ação na Justiça, o ex-presidente sustentou que repórteres do jornal tiveram a intenção de atacar a sua honra ao publicar reportagem sobre a obra de um prédio no Guarujá onde Lula tem um apartamento. A sentença, do último dia 14, registra que os jornalistas “não praticaram qualquer ato ilícito” e apenas exerceram o direito de liberdade de expressão. Por essa razão, o juiz julgou a ação improcedente.

A reportagem, publicada em agosto, mostra que um grupo empresarial que recebeu R$ 3,7 milhões da GFD — empresa usada para lavar dinheiro do doleiro Alberto Youssef — repassou quase a mesma quantia para a construtora OAS durante a finalização das obras do prédio no Guarujá.

Na sentença, o juiz Mauro Nicolau Junior registrou que os fatos narrados pela reportagem são de interesse público.

“É de notório conhecimento que o país vive momento histórico ímpar, iniciado pela ‘Operação Lava-Jato’, promovida por iniciativa da Polícia Federal e Ministério Público Federal, que busca deflagrar esquemas de corrupção em empresas públicas, e entre empreiteiras e agentes públicos. Qualquer fato que possa estar ligado a essa operação é de grande interesse público e merece ser noticiado pela imprensa”.

A defesa de Lula sustentou, em audiência no último dia 4, que o apartamento não pertencia ao ex-presidente. Na ocasião, Lula disse que a sua mulher, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, possuía uma cota de participação da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) referente ao apartamento. PROPRIEDADE DO IMÓVEL O juiz destaca, no entanto, que em 2010 a própria assessoria do Instituto Lula informou que o imóvel era de propriedade do ex-presidente.

“A conduta da assessoria de imprensa do autor se revela contraditória, ora afirmando ser o imóvel de propriedade do autor e de sua família, ora negando”, diz o juiz.

O magistrado Mauro Nicolau Junior ressalta ainda que, se há investigações sobre o empreendimento, o fato deve ser público.

“O fato de o autor (Lula) ser ou não proprietário de apartamento na cidade do Guarujá pode ou não ser de interesse do povo. Na hipótese de haver investigações criminais em curso sobre as obras do edifício em que o autor seria proprietário de unidade, ou que sua esposa teria quotas conversíveis em unidade do edifício, tal fato não deve passar despercebido pela imprensa. Tem sim esta o direito, mais que isso, o dever, de noticiar tais fatos, desde que devidamente embasadas as suas afirmações e apresentadas as versões dos envolvidos, o que é observado na matéria jornalística tratada neste processo”.

Advogado dos jornalistas do GLOBO, Sérgio Bermudes destaca a importância da decisão para a defesa da liberdade de imprensa:

— O Judiciário aponta que a imprensa deve noticiar fatos existentes, que foi o que O GLOBO fez: noticiou a existência de um inquérito. Tanto que a petição inicial do ex-presidente Lula não negava que havia esse inquérito. O cidadão tem o direito de ser informado a respeito de investigações sobre seus homens públicos.

Procurado, o Instituto Lula informou, por meio do advogado Cristiano Zanin Martins, que “a defesa de Lula vai recorrer da decisão, porque a tese de que a imprensa não precisa apurar a veracidade dos fatos antes de publicá-los é incompatível com a jurisprudência pacífica sobre o tema”.