O globo, n. 30082, 17/12/2015. Economia, p. 27

Novo rumo para economia

 

MARTHA BECK, GERALDA DOCA E GABRIELA VALENTE

Levy decide sair, e governo adota incentivos ao crescimento. País é rebaixado pela Fitch.

A agência de classificação de risco Fitch rebaixou o Brasil, retirando a chancela de bom pagador do país. Foi a segunda agência em três meses a adotar a medida. A decisão era esperada pelo mercado e pelo governo e ocorre em meio a mudanças na política econômica. Após o Planalto optar por reduzir a meta fiscal de 2016 para preservar o Bolsa Família, o ministro Levy decidiu deixar a Fazenda. Sua saída, porém, não será imediata, e Dilma ainda não escolheu um nome para substituí-lo. Mesmo assim, o governo já começa a alterar a política econômica e a adotar medidas para incentivar o crescimento. O BC mudou regras de compulsórios para estimular investimentos em infraestrutura. -BRASÍLIA- O Brasil perdeu ontem, pela segunda vez em três meses, o selo de bom pagador concedido pelas agências de classificação de risco, o chamado grau de investimento. O corte da nota, anunciado desta vez pela Fitch, chegou em um momento de preparação de mudanças graduais na gestão da economia. Enfrentando a discussão do impeachment em meio à mais severa recessão em 25 anos, a presidente Dilma Rousseff decidiu pôr em prática ações de incentivo à retomada da atividade econômica e de preservação da base de apoio. Por exemplo, já reduziu o compromisso fiscal de 2016 (evitando corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família) e liberou recursos para empréstimos a empresas, estados e municípios. Essa política, porém, não será tocada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Contrariado com o afrouxamento do ajuste fiscal que planejou e defendeu, Levy já decidiu deixar o cargo.

A preocupação com o quadro econômico e com a preservação de programas sociais foram fatores centrais na decisão de Dilma de propor ao Congresso a redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do próximo ano, de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,5%. Levy foi frontalmente contra a medida e alertou que isso pioraria as expectativas do mercado e ainda poderia levar a um novo rebaixamento do país pelas agências de classificação de risco, o que de fato ocorreu ontem. PRIORIDADE ‘É TIRAR ECONOMIA DO BURACO’ Porém, com a retração de 3,6% em 2015 e de 2,7% em 2016, segundo estimativas do mercado financeiro, a avaliação no governo é que agora é preciso “tirar a economia do buraco”. Isso não significa uma mudança para voltar ao receituário do primeiro mandato, que envolveu desonerações bilionárias e uma política frouxa que deteriorou as contas públicas, garantem interlocutores da presidente. E sim que não é possível pautar o plano de recuperação apenas por metas fiscais.

— O ajuste fiscal tem que continuar em 2016. É preciso reequilibrar as contas públicas e trabalhar para combater a inflação. Ao mesmo tempo, o nível de atividade precisa se estabilizar — explicou um interlocutor do Planalto.

O discurso de Levy, afirmam fontes do Palácio

De saída. Descontente com a guinada na política econômica do governo, Levy decidiu deixar o cargo de ministro do Planalto, não agrada porque ele continua focado em ajuste e reformas e parece descolado da realidade que se impõe. Dilma precisa vencer a batalha do impeachment, e, para isso, tem que agradar a base no Congresso e sinalizar uma perspectiva de melhora na economia — o que contribuiria ainda para a recuperação futura do grau de investimento, defendem esses interlocutores.

— A população está preocupada é com o bolso, o desemprego, a crise — disse a fonte do Planalto.

Por isso, nos últimos meses, paulatinamente, o governo passou a adotar medidas voltadas a estancar a retração do PIB, como reabrir o prazo de adesão ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e liberar empréstimos para estados e municípios. Ontem, até o o Banco Central (BC) engrossou o esforço, ao mudar os compulsórios para estimular o financiamento de obras de infraestrutura.

Levy, porém, não concorda com o ajuste de rota. Para o ministro, o fundamental é resgatar a credibilidade fiscal e inverter a trajetória de alta do endividamento público. Por isso decidiu sair. A gota d’água teria sido o debate sobre a meta fiscal de 2016. Há duas semanas, durante uma reunião para discutir o assunto, o ministro se retirou da sala quando viu que Dilma havia dado o sinal verde para a redução do superávit primário.

Segundo um empresário que esteve esta semana com o ministro, Levy fez questão de deixar claro o seu descontentamento com o governo:

— Sem papas na língua, ele xingou todo mundo, principalmente a equipe do Planejamento, e disse que esse governo é uma bagunça que ele tem que consertar. SAÍDA NÃO SERÁ IMEDIATA Levy sabe que sua saída imediata —e a dos secretários que deverão acompanhá-lo, como o do Tesouro, Marcelo Saintive — fragilizaria ainda mais a presidente. Por isso, quer agir de forma discreta. Até que saia de fato, o ministro vai continuar trabalhando normalmente, defendendo o ajuste fiscal e negociando com o Congresso a aprovação de medidas importantes para o reequilíbrio das contas públicas, além do Orçamento de 2016.

Essa decisão tranquiliza temporariamente o Planalto, que classificou como “perfeita” a reação da Fazenda para comentar o novo rebaixamento do Brasil pela Fitch. Minutos depois de a agência anunciar que tinha retirado do país o grau de investimento, a pasta divulgou uma nota à imprensa, destacando que o governo tem feitos esforços para melhorar a trajetória da dívida pública. Na nota, Levy diz que é preciso sair em defesa do país.

— A perda do grau de investimento é séria e precisamos agir, tomar as medidas de defesa dentro da receita que precisamos. O rebaixamento indica preocupação de que nem tudo que a gente precisa fazer tem conseguido fazer no passo necessário, até porque, vamos dizer assim, a atenção de alguns tem sido desviada por questões diversas que não têm necessariamente ligação com as medidas econômicas que temos que votar — disse Levy.

Interlocutores do Planalto afirmam que a presidente ainda não tem nomes para suceder Levy. O problema é que dificilmente o governo encontraria um nome com peso no mercado para substituir Levy:

— Dilma precisaria arrumar uma solução caseira — afirmou um executivo do setor privado.

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‘É uma tentativa desesperada de mudar os rumos da economia na marra’

CÁSSIA ALMEIDA

Pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional diz que, se o governo insistir no caminho de gastar mais, o país sofrerá uma crise severa.

O governo está mudando a política econômica?

É um outro tipo de política. É um governo que está sob pressão enorme com risco de cair. Nessa situação, os seus compromissos com o médio prazo vão embora. Na verdade, o governo nunca teve convicção do ajuste fiscal. Além de tudo, está contra a parede e pode estar com os dias de contados. É quase que óbvio o que faz no momento desses. Já perdeu o grau de investimento, já sofreu com perda de grau.

Quais as consequências

dessa liberação de recursos?

Se não houver impeachment, vai haver uma completa mudança de política. Há falta de entendimento do que aconteceu este ano. Culpam o ajuste fiscal de Levy pela recessão, quando o ajuste sequer aconteceu. E o governo está inclinado a acreditar nisso por princípio. Tende a gastar mais para reerguer a economia na marra.

Como fica a situação fiscal?

A situação fiscal já é suficientemente dramática. Há um medo que não é só do mercado, é dos empresários, do consumidor, a respeito da forma como esse governo vem conduzindo a política econômica. Nenhuma medida muda esse quadro. Além disso,

não há espaço fiscal.

As medidas não vão fazer efeito?

Isso é só uma tentativa desesperada de mudar os rumos da economia na marra. Virá crise severa se insistir nesse caminho.

Tem que insistir no ajuste fiscal?

Se não for feito, a crise se alastra. Em 2018, o cenário será de terra arrasada e terá que se fazer o trabalho que devia ter sido feito nos últimos três anos, postergando muito a melhora da economia. Nesse cenário, pode esquecer o investimento em educação e saúde. Essa é a parte trágica dessa história.

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‘São medidas que dão uma folga, um fôlego, um alívio para o setor privado’

Cássia Almeida

Professor da Unicamp afirma que há número expressivo de empresas prestes a pedir recuperação judicial, o que pode afetar o sistema bancário.

As medidas recentes tomadas pelo governo de liberação de recursos mostram mudança na condução da política econômica?

São medidas laterais que dão um pouco de folga, de fôlego, de alívio ao setor privado que está encalacrado.

Por que o senhor acha que o governo tomou esse caminho?

Parece que caiu a ficha de que seria necessária alguma medida para contrabalançar, diante da continuidade de elevação dos juros e da redução, nessa proporção, do investimento público. Achavam que poderiam fazer um ajuste fiscal em uma economia desacelerando e recuperar a confiança. Não foi esse o resultado. Desde 2012, o país apresenta sinais de instabilidade e desaceleração. A política econômica partiu desesperadamente para colocar a inflação na meta depois do choque de tarifas de 10%. É óbvio que houve uma combinação de expectativas de inflação mais alta, o Banco Central subindo mais os juros, o investimento público indo para o calcanhar, e o setor privado se encolhendo. Disseram que iam recuperar a confiança, mas destruíram a confiança.

E o efeito nas empresas?

Já é possível ver no balanço das empresas o efeito que causou essa política. Elas deixaram de pagar o principal da dívida, pagando só os juros. Há um número expressivo de empresas prestes a pedir recuperação judicial. Estou vendo a gente caminhando para uma crise de liquidez para ser administrada pelo BC, que quer subir os juros, agravando a situação e colocando os bancos no córner. Há muitas empresas do setor de óleo e gás que não conseguem pagar o serviço da dívida, mas ninguém fala.

Mas o ajuste fiscal não é necessário?

Tentar fazer reequilíbrio fiscal quando a economia despenca desse jeito, dando um choque desse tamanho, cai a receita fiscal. O país está indo para depressão.