Correio braziliense, n. 19137, 18/10/2015. Economia, p. 10

Demissões derrubam comércio

Catalão (GO) - A escalada do desemprego nas indústrias está atingindo em cheio a economia de uma das cidades mais pujantes do Centro-Oeste. Com menos postos de trabalho, o Sindicato dos Empregados no Comércio (Sindcom) estima que, em decorrência das últimas 520 demissões promovidas pela Mitsubishi, deixarão de circular entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão no município. O Sindicato dos Metalúrgicos (Simecat) calcula que o contracheque médio dos filiados é de R$ 1,6 mil, chegando a R$ 5 mil em alguns casos.


"A Mitsubishi é o carro-chefe de arrecadação do município e de geração de emprego, seja direta ou indiretamente. Quando a indústria vai mal, o comércio acompanha o movimento. O desconforto dos comerciantes será inevitável", afirma o vice-presidente do Sindcom, Everton Alves, mais conhecido como Pingo. Segundo estimativas, metade das receitas do município são provenientes da montadora japonesa.


O efeito dos desligamentos vai reforçar a tendência de freio nas contratações de trabalhadores temporários para o fim de ano nos setores de comércio e serviços, estima Alves. "Essas demissões vão começar a ter um reflexo maior a partir de novembro. Os empresários e trabalhadores estão assustados, porque sabem que o pior ainda está por vir. Não há boas perspectivas para os próximos meses", lamenta.


Em alguns segmentos, como vestuário, eletroeletronônicos e móveis, a queda no volume de vendas entre janeiro a agosto em relação ao mesmo período do ano passado chega a 30%. É o recuo registado nos nove primeiros meses do ano na loja de roupas gerenciada por Rosilaine Vieira, 30 anos.


A desaceleração acentuada da atividade econômica fez com que demitisse três trabalhadores no último mês, e ela teme que o processo de reestruturação do quadro de pessoal se mantenha.


"Essa é a primeira vez que enfrento um cenário tão adverso. Não é uma situação que dependa do lojista. Se as coisas não melhorarem, acredito que as indústrias continuarão demitindo, e nós também", diz Rosilaine. Assim como muitas pessoas que se mudaram para o município goiano, Vinícius Machado, 33, gerente de uma loja de artigos esportivos, sonhava com a prosperidade.

Para o sindicalista Borges, falta compromisso do governo federal e dos parlamentares com ajuste fiscal (Antonio Cunha/CB/D.A Press)

Para o sindicalista Borges, falta compromisso do governo federal e dos parlamentares com ajuste fiscal


Seguro-desemprego 
Há quatro meses em Catalão, ele abandonou a cidade natal, Patos de Minas (MG), e admite que a realidade atropelou suas expectativas. "Os custos com matéria-prima e mão de obra tendem a continuar subindo, enquanto nossa margem vai permanecer apertada. Eu esperava que as famílias estivessem gastando um pouco mais", lamenta Machado. Para ele, as vendas sofrerão mais impactos a partir de abril, quando deve acabar o seguro-desemprego de boa parte dos trabalhadores desligados pela Mitsubishi.

O ambiente de contração da indústria também vai provocar mais impactos no agronegócio. O produtor rural Wadson José Mesquita, 42 anos, contabiliza queda de cerca de 20% nas vendas de carne em 2015. Ele, que cria 150 cabeças de gado, está sofrendo com o aumento do dólar - que encarece as rações usadas para a alimentação dos bovinos - e o recuo do consumo das famílias.

"Sinto que meus clientes estão com medo de investir", destaca. Para ele, o aumento do desemprego vai reduzir ainda mais o poder de compra das famílias, provocando queda nos gastos com carne.

Apesar da crise econômica, há empresários dispostos a investir, garante o secretário de Indústria e Comércio de Catalão, Geraldo Vieira Rocha. No primeiro semestre, ele conta que foram abertas 411 empresas, e há outras 64 na fila aguardando disponibilidade de área para instalar as operações. Para Rocha, a política econômica do governo federal é desastrosa e está aprofundando a recessão. No entanto, ele acredita que o maior desafio para o município é ampliar a capacitação profissional. "Estamos fazendo uma força tarefa com os sindicatos e a Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) para mudar esse cenário e oferecer cursos gratuitos aos trabalhadores demitidos", afirma.

O vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (Simecat), José Pereira Borges, não tem dúvidas de que os esforços feitos na luta pela permanência dos trabalhadores da Mitsubishi serão paliativos enquanto a crise política persistir.
"Nós nos vemos de mãos atadas. Falta planejamento e compromisso do poder público federal para evitar o atual cenário. E os legisladores não parecem dispostos a alinhar o diálogo com as propostas do ajuste fiscal. Enquanto isso não for resolvido, as demissões continuarão", diz.

John Deere
A John Deere, montadora de máquinas e implementos agrícolas e equipamentos de construção, também enfrenta problemas, embora menos graves que os da Mitsubishi. Em setembro, a empresa firmou com o Simecat a proposta de plano de lay-off a 250 colaboradores, entre o fim de outubro ao início de janeiro do próximo ano.

A empresa informou que, durante o período de suspensão dos contratos, promoverá treinamentos de qualificação aos trabalhadores e manterá todos os benefícios. A companhia ressalta que seguirá com a política de investimentos no Brasil para "oferecer as mais modernas tecnologias agrícolas aos produtores e contribuir cada vez mais com o potencial da agricultura nacional."

 Queda na mineração

Dos operários do chão de fábrica aos cargos mais altos, nenhum posto está a salvo do corte de vagas realizado pela Mitsubishi. De acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (Simecat), até supervisores e um diretor foram dispensados. Mas o impacto da perda do emprego foi certamente mais sentido pelos trabalhadores de menor grau de instrução, caso de Anselmo da Cunha Marques, 44 anos, que trabalhava como auxiliar de logística na área de montagem de peças para automóveis.

O salário de R$ 1,3 mil era regrado para garantir o custeio de alimentação, água e energia. O pouco que sobrava era poupado. "Queria trocar meus móveis e reformar a casa", afirma. O armário improvisado, sustentado por duas cadeiras de madeira, guarda as poucas roupas que Marques tem para vestir. A geladeira, com apenas algumas garrafas d'água, frutas e ovos, representam o que há para se alimentar. "Sem emprego, será um luxo comer carne ou frango", declara ele, que incrementa os alimentos servidos à mesa com a produção de mandioca que mantém no pequeno quintal. "O trabalho era tudo para mim. Hoje, estou desacreditado, sinto que não tenho nada."


O sentimento da família Ramos de que o mercado de trabalho está lastreado em números, não são exclusivos da indústria automotiva. "Os desligamentos também são expressivos na área da mineração. Não há nenhum quadro de demissões tão forte em todo o estado quanto o que está acontecendo em Catalão", afirma a Diretora de Educação e Tecnologia do Serviço Social da Indústria (Sesi), Ivone Maria Elias Moreyra.

No município, das oito atividades que compõem o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, apenas a construção civil e a administração pública apresentam geração de empregos superior ao observado no ano passado. Nos últimos 12 meses encerrados em agosto, foram fechados 501 postos de trabalho, registrando uma queda de 2,1%. A média do estado, por exemplo, foi de um recuo de 1,1%.

Temor de quem ficou

O desemprego em massa promovido pela Mitsubishi está na boca do povo. O município, de 98,7 mil habitantes, ficou abalado. Muitas pessoas conhecem alguém ou têm algum parente que foi dispensado pela montadora. E o temor de mais demissões é cada vez maior, afirma o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (Simecat), José Pereira Borges. "O temor é generalizado. Muitos que não foram desligados, além das respectivas famílias, estão com medo de terem o mesmo destino", diz.

As demissões mais recentes, de 520 trabalhadores no início do mês, surpreenderam o sindicato. "Teve gente que desamaiou, chorou. Foi um clima de terror", relata Borges. A entidade havia conseguido um acordo na Justiça de que a multinacional japonesa não demitiria até 31 de outubro, quando acaba o período de férias coletivas - decretado desde setembro. "Mas a própria empresa fez um acerto com os trabalhadores para se antecipar. A maioria preferiu receber um abono de R$ 3 mil, cesta alimentícia por dois meses, além do valor integral da Participação de Lucros e Resultados (PLR), do que voltar a trabalhar após o período, sabendo que a demissão seria inevitável", conta.

Planos mantidos
Em nota, a Mitsubishi destacou que a queda de 22,7% nas vendas de automóveis entre janeiro e setembro impôs à companhia a ajustar o quadro de colaboradores em Catalão (GO), onde são produzidos 85% dos modelos da empresa vendidos no país. A montadora garante ter feito esforços possíveis para preservar empregos. "A MMC automotores do Brasil, cujo capital é 100% nacional, investiu R$ 1,3 bilhão em sua planta industrial entre 2010 e 2015 e mantém os planos de lançamentos de novos produtos no mercado nacional", frisa.

 

Produção menor
A produção de veículos nacionais da Mitsubishi variava em uma média de 170 a 190 veículos por dia segundo Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão (Simecat). Em 2015, esses números caíram para 98 a 110. Já a venda de automóveis importados caiu de uma média de 150 até o ano passado para 90 a 120 automotores por dia. A montadora não confirma os números.