O globo, n. 30079, 14/12/2015. País, p. 6

Em SP, 30 mil vão à Avenida Paulista

 

SÉRGIO ROXO

Protesto, com a presença de políticos da oposição, exaltou juiz Moro e criticou ministro do STF.

-SÃO PAULO- Em São Paulo, cidade que foi palco das maiores manifestações contra o governo federal este ano, o protesto de ontem também teve redução de público. A Secretaria estadual de Segurança Pública estima que 30 mil pessoas estiveram na Avenida Paulista, 320 mil a menos que na manifestação de agosto. Mas líderes dos movimentos e políticos de oposição minimizaram a diminuição na participação e disseram acreditar que isso não significa um esvaziamento da luta pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff. Já os petistas comemoraram.

Líder do movimento que reuniu o maior público, Rogério Chequer, do Vem Pra Rua, acredita que cem mil pessoas foram à Paulista ontem. No ato anterior pela impeachment, realizado no dia 16 de agosto, a Polícia Militar estimou 350 mil pessoas. Em 12 de abril, foram 275 mil pessoas. A primeira manifestação do ano, no dia 15 de março, reuniu um milhão.

Os movimentos anunciaram também que, devido à dificuldade de mobilização no período de festas, carnaval e férias, o próximo protesto acontecerá no dia 13 de março. GRITOS DE “FORA PT” O protesto de ontem teve novamente como principal bandeira e grito o “fora PT”. Dilma e o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva continuaram como foco. O Revoltados Online levou os dois bonecos gigantes dos petistas (Lula vestido de presidiário e Dilma com a inscrição impeachment na faixa presidencial) já usados em outros protestos pelo país. Máscaras de Lula como zumbi também circularam pela Paulista.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apesar de ter tido as denúncias contra ele destacadas em algumas faixas e discursos, ficou em segundo plano. Políticos de oposição, como os senadores José Serra (PSDB-SP) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que em outros atos em São Paulo se limitaram a participar no meio do público, desta vez discursaram pelo impeachment.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que paralisou a tramitação do impeachment na Câmara, também passou a ser alvo. Uma faixa o chamava de “advogado do PT”. Já um outro integrante do Judiciário, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, foi celebrado. O movimento Revoltados Online vendeu cerca de 300 bonecos infláveis do “Super Moro”.

— Moro está combatendo a corrupção. É um símbolo do nosso país — disse o médico Everaldo Ramos de França, de 70 anos, que pagou R$ 10 por um boneco do magistrado. “NÃO VAI TER GOLPE” Os políticos destacaram, em seus discursos, que o processo de impeachment segue a lei.

— Estou aqui para dizer que não vai ter golpe, vai ter impeachment. Queremos pôr fim a um governo que não deveria ter começado — discursou o senador Aloysio, que estava com o rosto pintado de verde, amarelo e azul.

Chequer, do Vem Pra Rua, acredita que o tempo de mobilização (nove dias) menor do que o de outros protestos causou a queda do público:

— Isso não significa que haja qualquer tipo de esvaziamento da vontade popular.

Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre (MBL), revelou que o grupo pretende adotar outros tipos de manifestação, como reuniões em aeroportos, para pressionar deputados com posição indefinida sobre o impeachment, nos seus deslocamentos para Brasília:

— A ideia de hoje era ser só uma sinalização de que o povo está voltando às ruas.

Para o presidente do PT de São Paulo, Emídio de Souza, a redução da participação indica desilusão:

— Aos poucos as pessoas vão percebendo o caráter antidemocrático desse movimento.

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É cedo para avaliar mobilização

CLEIDE CARVALHO

Especialistas dizem que população ainda não assimilou processo de impeachment.

Para os cientistas políticos ouvidos ontem pelo GLOBO, embora a adesão aos protestos tenha sido menor ontem, ainda é cedo para avaliar o impacto que as manifestações de rua terão daqui para a frente, durante o processo de impeachment da presidente Dilma.

Entre as razões apontadas por eles para a redução do número de manifestantes está o fato de o processo de impeachment ter sido aberto pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB), que continua na presidência da Câmara mesmo sob acusação de envolvimento na corrupção investigada pela Operação Lava-Jato; a proximidade do Natal; e o fato de a população ainda não ter assimilado o assunto.

Para Carlos Melo, do Insper, “no caso do impeachment de Fernando Collor houve uma CPI antes, que por meses investigou a atuação do tesoureiro dele, PC Farias”, o que facilitou a compreensão popular.

— Quando o processo de impeachment chegou, a população já sabia do que se tratava. No caso de Dilma, não. Quem sabe exatamente o que são as “pedaladas fiscais”? O processo do impeachment não está vinculado à Lava-Jato, que levou muita gente às ruas antes. Por isso, qualquer análise é prematura — diz Melo.

Segundo Fernando Antonio Azevedo, da Universidade Federal de São Carlos, a figura de Cunha à frente do processo cria dúvidas em relação à sua legitimidade. Para ele, o fato de os movimentos planejarem outro ato em março indica que há um esforço para articular os protestos ao cronograma do Congresso, “o que pode criar uma maré favorável ao impeachment”.

Para Roberto Romano, da Unicamp, “o cidadão fica cético num período tão confuso”:

— Há um sentimento da população contra Dilma e o PT, mas não há fato novo que leve as pessoas à rua. A atração de massas depende de circunstâncias, acontecimentos. O movimento, agora, está restrito a vanguardas contra e a favor do impeachment.

Os três lembram que os atos anteriores eram mais generalizados, contra a corrupção, ou, no caso das manifestações de 2013, contra os “péssimos serviços públicos prestados à população”.

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Ajuda de Deus e dos assessores para tomar a decisão certa

 
CAROLINA BRÍGIDO 

Ministro do STF que definirá o rito de tramitação do processo de impeachment gosta de ouvir opiniões, mas costuma escrever sozinho os votos mais importantes.

-BRASÍLIA- Nem o peso de ser o relator do processo que definirá o rito de tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff tirou o bom humor do gaúcho Luiz Edson Fachin, de 57 anos, ministro do Supremo Tribunal Federal. A julgar pelo semblante calmo e pelo sorriso constante no rosto, Fachin não mudou o comportamento depois que entrou no centro do furacão da crise política. Na quinta-feira à noite, embarcou para Curitiba, onde mora. No dia seguinte, participaria de evento no Ministério Público. Depois, ficaria livre para dedicar-se ao voto aguardado por todo o país.

Os planos para o fim de semana eram ficar no apartamento com a mulher, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná Rosana Fachin, para redigir, sozinho, o voto. A partir de hoje, em Brasília, o ministro pedirá a opinião dos dois juízes federais que trabalham em seu gabinete para dar os arremates finais ao texto. O julgamento do caso está marcado para quarta-feira.

Fachin e a mulher são católicos e frequentam a igreja todo domingo. Quando tem nas mãos um processo muito importante, o ministro costuma pedir a proteção divina para decidir com correção. Também costuma se engajar em obras assistenciais católicas.

O processo decisório de Fachin é democrático. Costuma ouvir a opinião dos assessores. Mas, na hora de redigir a decisão, o processo passa a ser solitário. Quando o caso é muito importante, é ele quem escreve tudo, sem delegar a tarefa, como fazem muitos ministros do STF. É tido por pessoas próximas como workaholic. Durante a semana, almoça no bandejão do STF, frequentado pelos servidores, por ser mais prático e para não perder muito tempo de trabalho.

Na última terça-feira, quando concedeu a liminar que paralisou o processo de impeachment, Fachin ficou no gabinete até quase meianoite. Como era feriado no Judiciário, estava entre as poucas pessoas no prédio. Antes de divulgar a liminar, avisou que o faria ao presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, por telefone. Pediu a Lewandowski que o processo fosse julgado em plenário no dia 16 e foi atendido, diante da gravidade do caso.

No tribunal, Fachin é mais próximo de Rosa Weber e Teori Zavascki, que já conhecia antes de ser ministro. Também tem afinidade com Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Lewandowski.

— Conversamos sobre futebol. Como juiz, não troco figurinhas. Ele é um acadêmico, um homem experiente, não precisa da opinião de ninguém para decidir — diz Marco Aurélio.

Cinco anos atrás, Fachin liderou um grupo de juristas em apoio à candidatura de Dilma. Chegou a fazer discurso pedindo votos para a petista. Naquele momento, não sabia que em 2015 seria nomeado pela presidente, já reeleita, para uma das 11 cadeiras do STF. E que, meses depois, caberia a ele conduzir a votação que definirá as regras do processo de impeachment. Quando questionado sobre o discurso, na sabatina no Senado, disse que não tinha qualquer filiação partidária.

Antes de ser ministro, Fachin foi diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família — entidade que tem se destacado na defesa de causas polêmicas como o reconhecimento da união estável homoafetiva e a alteração do nome de transexuais. O ministro acredita que o Judiciário tem papel fundamental na defesa dos direitos das minorias. Em poucos meses de atuação no STF, já demonstrou que manterá este perfil. Em decisão recente, declarou que escolas particulares devem promover a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e instituir as medidas de adaptação necessárias, sem cobrar a mais por isso.