Prisões e flagrantes de cartel nos postos do DF

Caroline Pompeu 

25/11/2015

Uma investigação conjunta da Polícia Federal,  do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) aponta um esquema de cartel dos combustíveis que saqueava quase R$ 1 bilhão por ano do bolso dos consumidores do DF. A gasolina era sobretaxada em 20% para o cliente, e o preço do álcool, sempre superior a 70% do custo da gasolina mesmo durante a safra, tornava a compra impraticável. Dos cerca de 320 postos da capital, 150 estavam envolvidos, ou seja, quase 50% do mercado. Segundo o inquérito conduzido pela PF, as principais redes de postos da cidade e do Entorno combinavam preços entre si, determinando os valores que eram praticados ao consumidor final. As redes menores eram comunicadas pelos coordenadores regionais do suposto cartel. 
A investigação começou em 2009, mas, de acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), há indícios de cartel no DF desde 1994, ou seja, há mais de 20 anos. A organização criminosa que envolvia os funcionários, os donos de postos, os representantes do setor e o sindicato da categoria foi desarticulada pela força-tarefa  na manhã de ontem. Nessa primeira fase da Operação Dubai, foram efetuadas sete prisões temporárias, 44 mandados de busca e apreensão e 22 conduções coercitivas. 
Apesar de a suspeita existir há muito tempo, o suposto esquema de cartel não caiu antes porque faltavam provas mais robustas. Este ano, com interceptações telefônicas e de e-mails, e gravações de áudio e vídeo, autorizadas pela 1ª Vara Criminal de Brasília, apareceram indícios consistentes de combinação entre revendedores, revenda e distribuição e entre as distribuidoras. 
O Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do DF (Sindicombustíveis-DF) também se tornou instrumento do esquema, segundo a PF. De acordo com os investigadores, a associação de classe exercia importante papel ao servir como porta-voz do grupo e perseguir os proprietários de postos dissidentes. As duas maiores distribuidoras de combustível no Brasil - BR Distribuidora e Ipiranga - sabiam do cartel e estimulavam a fixação artificial de preços dos combustíveis no DF e no Entorno, por meio de executivos. As duas também se tornaram alvos dos mandados de busca e apreensão. 
"A partir de agora, os trabalhos se intensificam. Cabe a nós saber, por exemplo, se a decisão de estabelecer um cartel em nível de distribuição da BR veio da gerência ou da diretoria, o que pode repercutir, inclusive, na presidência da Petrobras", disse o promotor de Justiça do Gaeco/MPDFT, Clayton Germano. 

Organização 

Uma das principais estratégias das redes de postos participantes do cartel era tornar o álcool um combustível não atrativo economicamente para o consumidor, mantendo o valor dele sempre superior a 70% do preço da gasolina. Com isso, o cartel forçava os consumidores a adquirir apenas gasolina, o que facilitava o controle de preços e evitava a entrada de etanol a preços competitivos no mercado. Foi também a elevação excessiva do preço do etanol que permitiu aos empresários cobrarem os valores mais altos do país. 
O superintendente-geral do Cade, Eduardo Frade, disse que, do ponto de vista de lucro para essas distribuidoras, uma guerra de preço entre postos que compram o combustível delas não era interessante. Elas lucravam mais quando o mercado estava mais estável e com uma margem maior. "Essas distribuidoras são bastante focadas em gasolina. O mercado de distribuição de álcool tem mais agentes, mais atores, mais concorrência. Então, para essas distribuidoras, era mais interessante manter o preço do álcool alto", explicou. Ainda segundo Frade, a intenção agora é que, com a desarticulação do cartel, ocorra um impacto positivo para o consumidor. 

Desculpas 

De acordo com o delegado da PF João Tiago Oliveira Pinho, os integrantes do suposto cartel construíram um discurso para justificar a manipulação de preços. "Eles alegavam, por exemplo, que os custos de transportes de Brasília seriam muito mais elevados do que o resto. Então, com o passar dos anos, o cartel foi criando essas desculpas que foram, continuamente, sendo repetidas", explicou. 
Segundo investigadores, as distribuidoras BR Distribuidora e Ipiranga - que ao lado da Shell controlam 90% do mercado brasiliense - e as redes de postos do DF Cascol, Gasoline, Auto Shopping, Serv Car, Rede JB e Rede Original, além do Sindicombustíveis-DF, estavam envolvidas no esquema. A participação de outras redes - inclusive a Jarjour, que cobra um preço pouco menor - não está descartada. Os policiais indicaram ainda que a Cascol tem uma situação privilegiada perante a BR Distribuidora, em uma relação de mão dupla. O Correio não conseguiu contato com Auto Shopping, Serv Car, Rede JB, Rede Original e Jarjour.

Correio braziliense, n. 19175 , 25/11/2015. Cidades, p. 21