Tragédia Mar adentro 

Valquiria Lopes 

23/02/2015

Depois de varrer fauna e flora e esterilizar os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Rio Doce, em território mineiro e no Espírito Santo, a enxurrada de lama que vazou da mineradora Samarco, em Mariana (MG) já matou pelo menos três toneladas de peixe no estado vizinho e avança pelo oceano, ameaçando a vida marinha. No Atlântico, a mancha avermelhada de rejeitos da mineração já havia atingido ontem pelo menos 22 quilômetros na costa do município praiano de Linhares – 15 ao Norte e sete ao Sul – e seguiu 10 quilômetros mar adentro. Especialistas em meio ambiente e autoridades capixabas definem o cenário como apocalíptico no rio e no entorno da foz, cercada por reservas e áreas ambientalmente sensíveis. Na mesma proporção que a mancha avança, cresce o sentimento de indignação com a tragédia, que ganha proporções nacionais.

Ontem, a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira sobrevoou a região para ter a dimensão do problema e anunciou que, a partir de hoje, um navio oceanográfico da Marinha passará a monitorar a diluição do material na água. Segundo ela, os rejeitos ainda não chegaram a Vitória e nem a costa da Bahia, o que exclui o santuário de Abrolhos da área atingida. Mas o clima é de preocupação, de acordo com o secretário capixaba do Meio Ambiente, Rodrigo Júdice. “O sentimento é de dor profunda. A cor da água nos sensibiliza muito, porque são ondas de lama em um estuário sensível, cheio de espécies nativas e exóticas, além de ser uma área de desova de tartarugas marinhas”, desabafa.

O secretário critica a postura da Samarco que, nas palavras dele, “demorou muito para atuar”. De acordo com o Rodrigo, a empresa recebeu pelo menos cinco intimações, exigindo melhor plano de comunicação sobre medidas a serem adotadas, a exemplo do fornecimento de água. “Só começaram a agir quando a decisão foi da Justiça. E ainda assim começaram muito timidamente. Hoje estão fazendo mais, mas, com certeza, demoraram muito”, afirma. Para Júdice, o acidente mostrou que a empresa não estava preparada para o dano, considerado o maior do Brasil.

Segundo o secretário, pelo menos três toneladas de peixes mortos foram retirados ontem do Rio Doce e aves que ficam na região apresentam mudanças de comportamento. “Estão sobrevoando o rio e procurando lugares para se proteger”, disse. Ainda não foram registradas mortes de animais marinhos, mas, de acordo com o vice-presidente da Bacia Hidrográfica da Foz do Rio Doce, Carlos Sangália, o plâncton já começa a ser afetado, o que afeta toda a cadeia alimentar e, a longo prazo, os prejuízos podem ser enormes. “As tartarugas marinhas estão em pleno período de reprodução, que vai até março. Mesmo com a retirada dos ovos dos ninhos, feita pelo Projeto Tamar, o processo pode ser prejudicado”, disse.

Retirada preventiva

No Rio Doce, uma força-tarefa também foi montada para retirada de espécies que no futuro podem repovoar o curso d’água agora tomado pela lama da barragem. “Muitas espécies foram levadas para tanques e lagoas da região, para se reproduzir e depois repovoar o Rio Doce”, afirmou o secretário Rodrigo Júdice. Já sobre os peixes retirados da água barrenta pela população, a notícia foi negativa. Nota divulgada no site da Secretaria de Estado de Meio Ambiente informava que os animais já não têm mais condições de contribuir para o repovoamento do Doce, de seus afluentes e lagoas próximas. “Esses organismos estão debilitados pela condição severa da água misturada a lama de rejeitos e provavelmente não sobreviverão ao transporte e também à diferença de condições que encontrarão nas lagoas”, disse o informe, que também agradecia a ação das pessoas.

Na tarde de ontem, ele sobrevoou a região na companhia da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a presidente do Ibama, Marilene Ramos e o coordenador do Projeto Tamar, João Carlos Thomé. Em reunião de trabalho após sobrevôo, ficou definido ainda que técnicos vão identificar os pescadores ribeirinhos para que seja solicitado à mineradora Samarco pagamento de auxílio financeiro enquanto eles estiverem impossibilitados de trabalhar. Para hoje, está marcada uma reunião em Brasília, com representantes das procuradorias de Minas e do Espírito Santo, além da Advocacia-Geral da União. O encontro tem o objetivo de definir diretrizes de uma ação civil pública conjunta para cobrar da Samarco reparações pelo dano ambiental e humano causado pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana. Na quarta-feira e quinta-feira, outro encontro na capital brasileira deve reunir órgãos ambientais dos dois estados com a ministra do Meio Ambiente.

 

Correio braziliense, n. 19174 , 24/11/2015. Brasil, p. 24