O globo, n. 30079, 14/12/2015. Economia, p. 17

Passo atrás no bem-estar

 

GABRIELA VALENTE, CÁSSIA ALMEIDA EFRÉM RIBEIRO

Renda menor faz Brasil cair uma posição no ranking do IDH, a primeira queda desde 2010.

Brasil é o único a perder posição entre Brics e fica abaixo do Sri Lanka.

A crise econômica afetou a renda do brasileiro e fez o país recuar pela primeira vez desde 2010 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. Em um ano, o Brasil passou da 74ª para a 75ª colocação em 2014, numa lista de 188 países. Os números do relatório ainda não refletem o agravamento da crise este ano, quando se espera que a economia recue 3,5%. O ranking leva em conta indicadores de saúde, educação e renda. Na comparação com os países do Brics, foi o único que perdeu posição. Em cinco anos, avançou mais lentamente que os demais emergentes. -BRASÍLIA, RIO E TERESINA- A crise econômica bateu em cheio na renda dos brasileiros e, pela primeira vez desde 2010, fez o país cair no ranking de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (ONU). O Brasil passou da 74ª posição para 75ª numa lista de 188 nações que são classificadas com base em três indicadores: saúde, educação e renda. Juntos, esses três fatores são combinados para compor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que varia de zero a 1. Quanto mais próximo de 1, maior é a qualidade de vida da população. A renda per capita brasileira anual baixou de US$ 15.288 em 2013 para US$ 15.175 em 2014, recuo de 0,73%.

Em seu último relatório, referente a 2014, o IDH brasileiro foi calculado em 0,755, o que mantém o país no grupo de nações com alto desenvolvimento humano, onde também estão Uruguai, México, Venezuela, Colômbia e Turquia. O número é levemente maior que o registrado em 2013, de 0,752, mas não evitou que o Brasil caísse no ranking. Sri-Lanka, que registrou avanços mais significativos, subiu na lista da ONU.

Entre os países do Brics, o Brasil foi o único que perdeu posição. A Rússia permaneceu na 50ª colocação, a Índia, que está no grupo de médio desenvolvimento humano, subiu de 131º para o 130º. A África do Sul, que está no mesmo grupo da Índia, também avançou uma posição: de 117ª para 116ª. A China teve o melhor desempenho, subiu três posições: de 93ª para 90ª.

‘QUEDA TEM A VER COM RITMO DE CRESCIMENTO’

Os números do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), onde está o novo ranking do IDH, ainda não refletem o agravamento da crise econômica brasileira este ano. A Renda Nacional Bruta (RNB) per capita usada na composição do IDH foi calculada com base em dados de 2014, quando a economia ficou estagnada. Como a retração esperada da atividade este ano é de 3,5%, a tendência é que o índice piore daqui para frente, alertam os técnicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), responsável pelo IDH.

— A queda no ranking tem a ver com o ritmo de crescimento do país — explica a coordenadora do relatório no Brasil, Andréa Bolzon, que avalia que a crise econômica vai afetar os indicadores do Brasil no ano que vem. — É possível que tenhamos impacto já que a gente tem um PIB de menos 3% aí. Isso terá um reflexo na renda e, claro, pode puxar os outros indicadores lá para baixo.

Ela lembra que, em 2014, a situação econômica do país era bem melhor. No ano passado, o PIB avançou 0,1% e a inflação foi de 6,41%. A deterioração foi acelerada de lá para cá. E o Brasil encerrará este ano numa forte recessão entre 3,5% e 4% e com alta média de preços acima de 10%.

Em Teresina, no Piauí, o tratador de animais Fernando José viu seus ganhos minguarem de R$ 1.100 para R$ 724 de um ano para cá. As horas extras foram cortadas juntamente com o salário. Ele conseguiu terminar de pagar o financiamento da moto antes de o salário cair e não tem mais condições de comprar qualquer bem durável por enquanto. O dinheiro agora só dá para alimentação e para ajudar os pais que moram em outra cidade:

— As fazendas estão reduzindo pessoal. Tudo hoje é cortado, não tem mais horas extras ou ajuda para viagens. Com a virada do ano, a situação piorou muito. Triste foi cortar a ajuda para meus pais. Conseguia dar a eles R$ 600 por mês, agora só dou R$ 400. Neste Natal nem pensei em comprar nada de presente para eles.

Mesmo com a queda na renda, dificilmente o Brasil deixará de ser considerado um país de alto desenvolvimento humano. Dos 188 países do ranking, os que ocupam as posições 50 a 105 — com índices entre 0,7 e 0,8 — têm essa classificação. Os melhores do ranking ocupam o grupo de muito alto desenvolvimento, com a Noruega figurando na primeira posição.

MELHORA EM EXPECTATIVA DE VIDA E ANOS DE ESTUDO

Além da renda, o IDH também leva em conta a expectativa de vida — como indicador de saúde — e média de anos de estudo e anos de escolaridade esperada como indicadores de educação. Nesses campos, o Brasil avançou.

A expectativa de vida subiu de 74,2 para 74,5 anos: número de vários países da elite do IDH, o grupo de desenvolvimento humano muito alto. Na Noruega — o primeiro do ranking — a perspectiva é viver 81,6 anos. Realidade bem distante do pequeno país africano Lesoto, de baixo desenvolvimento humano, onde vive-se menos de 50 anos.

A média de anos de estudo cresceu de 7,4 para 7,7 anos. Já a estimativa de escolaridade brasileira permaneceu em 15,2 anos pelo quinta edição seguida do ranking. O número está bem abaixo dos 20,2 anos de estudo da Austrália, o país com a maior previsão, mas igual à do Chile, que se encontra na lista dos países com desenvolvimento humano muito alto. No Níger, último do ranking do IDH, os estudantes têm a perspectiva de ficar apenas 5,4 anos na sala de aula.

O IDH brasileiro está acima da média de 0,744 correspondente aos países do grupo de alto desenvolvimento e acima da média de 0,748 dos países da América Latina e do Caribe.

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Brasil sobe só três posições em cinco anos, o menor avanço entre Brics

MARCELLO CORRÊA

Turquia foi o país que mais progrediu no período, com salto de 16 colocações.

Em cinco anos, o Brasil avançou apenas três posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O país ocupa a 75ª colocação na lista de 188 países acompanhados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), segundo dados de 2014, os últimos disponíveis. O desempenho brasileiro entre 2009 e o ano passado é menor do que o registrado por outras nações emergentes, como a Turquia, que subiu 16 degraus, alcançando a 72ª colocação. A China também se destaca, com um salto de 13 casas, embora tenha IDH menor que o do Brasil. Com índice de 0,727 (considerado alto, como o do Brasil), o país asiático ocupa o 90º lugar da lista.

Os outros integrantes do Brics (grupo de emergentes que, além de Brasil e China, inclui Rússia, Índia e África do Sul) avançaram a um ritmo mais veloz que o brasileiro. A Rússia, melhor colocada do bloco, na 50ª posição, saltou oito casas. Já a Índia avançou seis posições, mas tem IDH considerado apenas médio: 0,609, o que rende ao país a 130ª colocação. A África do Sul subiu quatro degraus no ranking, porém também tem IDH médio, de 0,666, ficando na 116ª posição na lista.

LÍBIA FOI O QUE MAIS REGREDIU

O Brasil também perde para seus pares na velocidade de avanços desde 1990, quando o IDH foi divulgado pela primeira vez. O índice brasileiro avançou 0,91% nesses últimos 25 anos. No mesmo período, as nações em desenvolvimento registraram alta média de 1,06%. O país, no entanto, saiu-se melhor que os vizinhos da América Latina: a média da região foi de alta de 0,75%.

O balanço dos últimos cinco anos registra retrocessos importantes. Entre 2009 e 2014, a Líbia foi a nação que mais regrediu no ranking (27 posições). O país foi um dos principais focos da Primavera Árabe, em 2011, que culminou com a morte do ditador Muamar Kadafi. Em meio a conflitos entre milícias e ações de grupos terroristas, a Líbia ainda não se estabilizou.

Para se ter uma ideia, em 2010 — último ano com ranking completo divulgado pelo Pnud —, a Líbia tinha IDH de 0,756, ocupando a 67ª colocação na lista. O número era melhor que o do Brasil que, naquele ano, estava na 80ª posição, com IDH de 0,737. Em 2014, passou ao 94º lugar, com IDH significativamente menor, de 0,724. O mesmo ocorre com a Síria, que passa por uma guerra civil, que caiu 15 degraus, entre 2009 e 2014. O país tem IDH médio, de 0,594, na 134ª colocação, empatado com a pequena ilha de Vanuatu, na Oceania.

No período que marca os efeitos da crise financeira global, que eclodiu no fim de 2008, países desenvolvidos também registraram perdas. Os EUA, que em 1990 chegaram a ocupar a segunda colocação do ranking, perderam três posições entre 2009 e 2014. A maior economia do mundo, no entanto, ainda figura no grupo de 49 nações com IDH classificado pelo Pnud como muito alto. Em 2014, os EUA tinham IDH de 0,915, número que garante ao país a oitava posição. O Japão também está entre os que perderam seu lugar no ranking, com recuo de três degraus. Hoje, figura na 20ª posição, com IDH de 0,891.

O compilado do Pnud mostra ainda pouca mobilidade nos extremos da lista. Noruega, Austrália e Suíça — as nações "top 3" do IDH — mantiveram suas posições estáticas nos últimos cinco anos. O mesmo ocorreu com o Níger, que ocupa a última posição do ranking no período.