O globo, n. 30080, 15/12/2015. País, p. 5

Julgamento no STF pode não acabar amanhã

 

ANDRÉ DE SOUZA

Duas outras sessões estão marcadas para avaliar ação que decidirá rito do processo de impedimento de Dilma.

O julgamento, pelo Supremo, da ação que definirá o rito de impeachment deve demorar dois dias. Os ministros começam amanhã a analisar o caso. -BRASÍLIA- O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação que decidirá o rito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pode se estender por dois dias. A complexidade do tema — inclusive com a possibilidade de o STF elaborar um rito que deverá ser seguido pelo Congresso — contribui para isso. Além da sessão de amanhã, quando o STF começará a julgar o tema, já estão marcadas mais duas para esta semana: uma na quinta e outra na sexta, quando se encerra o ano no Judiciário. Em público, ministros do tribunal dizem acreditar que tudo estará decidido já no primeiro dia.

Na sessão de quarta-feira, somente as sustentações orais das partes envolvidas ou interessadas na questão deverão durar mais de uma hora. Regimentalmente, o PCdoB, partido autor da ação e que é contra o impeachment de Dilma, terá 15 minutos. O mesmo tempo terá a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU). A PGR defende a anulação da votação secreta que escolheu na Câmara os integrantes da Comissão do impeachment. Mas a procuradoria é contra a elaboração de um rito pelo STF, por entender que isso não é atribuição do tribunal. A AGU é favorável.

Além disso, haverá 30 minutos distribuídos entre quatro partidos políticos — PT, PSDB, DEM e PSOL — ea União Nacional dos Estudantes (UNE). Cada um deles foi aceito como “amicus curiae” no processo, ou seja, não é parte diretamente envolvida, mas, na avaliação da Corte, tem representatividade para falar. Para não haver desequilíbrio, é possível que os 30 minutos sejam divididos igualmente. No caso, 15 minutos ficariam com PT, PSOL e UNE, e o restante com PSDB e DEM. Outros interessados ainda podem pedir para entrar como “amicus curiae” no processo.

Depois de todos falarem, será a vez dos 11 ministros do STF, a começar pelo relator, Edson Fachin. A duração do tempo de seus votos é incerta. Em julgamentos importantes, é comum que alguns deles se estendam por mais uma hora na leitura do voto. Há ainda os pedidos de vista que podem ser feitos pelos ministros, adiando indefinidamente a análise do caso. Mas Fachin e o ministro Marco Aurélio Mello estão otimistas e afirmam que é possível terminar o julgamento amanhã mesmo. Marco Aurélio diz, inclusive, não acreditar que algum colega vá pedir vista.

— Estou esperando que o julgamento comece e termine na própria quarta-feira, porque entendo que, neste momento que vivencia o Brasil, é importante que se dê uma resposta rápida a fim de garantir a estabilidade e a segurança jurídica — disse Fachin, em Curitiba.

— É impensável (um pedido de vista). Medida de urgência tem que ser decidida. Por que pedido de vista? — questionou Marco Aurélio. — O Brasil não pode continuar paralisado e afundando como está afundando. Precisamos de um desfecho para essa ladainha.

Na última sexta-feira, o ministro Gilmar Mendes, que levou um ano e cinco meses para devolver ao plenário o julgamento do financiamento empresarial em campanhas eleitorais, disse que ninguém deverá pedir vista desta vez.

— A vista é regimental, mas não acredito que haja essa possibilidade. O tribunal está consciente do momento político pelo qual estamos passando e não acredito que haverá pedido de vista, porque todos percebem que há a necessidade de que esse processo seja encaminhado, em um ou em outro sentido — disse Gilmar.

Semana passada, Fachin concedeu liminar para interromper o processo de impeachment na Câmara. O presidente da Casa, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é adversário do governo. O ministro também determinou que a questão seria resolvida definitivamente amanhã pelo plenário do STF. No dia seguinte à liminar, anunciou que proporia ao STF o rito para a tramitação do processo de impeachment, desde sua abertura, na Câmara, até sua conclusão, no Senado.

____________________________________________________________________________________________________________________________________

Vices sempre tiveram interesses suspeitos

 

JORGE BASTOS MORENO

Primeira e única vez que o país experimentou a eleição em separado do presidente e de seu vice foi em 1960, nas eleições de Jânio Quadros e João Goulart.

Por que o presidente do STF, e não o do Senado, preside o impeachment. Por que é o presidente do Supremo e não o do Senado quem preside o processo e a votação do impeachment?

É que, até 1946, o vicepresidente da República era também presidente do Senado, com direito a voz, não a voto. Mesmo assim, era considerado suspeito para presidir o processo, por ser considerado a parte mais interessada na saída do titular.

Daí a origem, também, da tumultuada relação entre os presidentes e seus vices, que sempre foram eleitos na mesma chapa. Só que a Constituinte de 1988, ao discutir a matéria, decidiu pela permanência dessa regra, alegando que, mesmo o presidente do Senado não sendo mais também o vicepresidente, ele, por ser político, continua tendo interesse direto no processo.

A primeira e única vez que o país experimentou a eleição em separado do presidente e seu vice foi em 1960, nas eleições de Jânio Quadros e João Goulart. Milton Campos era vice na chapa de Jânio e, Jango, na do marechal Henrique Teixeira Lott. Jango teve muito mais votos que o cabeça da sua chapa.

Mesmo com a mudança constitucional, que tirou do vice o poder de também presidir o Senado, o Congresso Nacional manteve, com a transferência da capital para Brasília, um gabinete auxiliar do vice-presidente no Senado.

O único vice-presidente que se recusou a ter gabinete no Senado foi Venceslau Brás, vice de Hermes da Fonseca, por causa de suas divergências políticas com o senador Pinheiro Machado, então chamado de “o condestável da República”, título este dado mais tarde a Ulysses Guimarães, quando exerceu simultaneamente os cargos de presidente da Câmara, da Constituinte, do PMDB e a condição de vice-presidente natural de José Sarney.

Pinheiro Machado e Ulysses Guimarães tiveram, por sinal, mortes trágicas. Machado foi assassinado com uma punhalada pelas costas, ao entrar no saguão de um hotel de luxo do Rio, o Hotel dos Estrangeiros, no Flamengo, vindo do Senado. Ao perceber o que estava acontecendo, Machado exclamou: “Ah, canalha! Apunhalaram-me!”. Ulysses desapareceu no mar, em acidente aéreo, e seu corpo nunca foi encontrado. Os dois episódios provocaram comoção nacional

Como em toda a história da República, Sarney e seu “vice” Ulysses sempre viveram às turras, apesar de estarem umbilicalmente ligados pela aliança que derrotou a ditadura. Ulysses sempre atribuiu o seu fraco desempenho nas eleições presidenciais de 1989 ao governo Sarney, sobre o qual exercia notória influência, contra a vontade, naturalmente, do titular.

— Sarney é a minha tatuagem. Eu tenho que me livrar dessa tatuagem — dizia Ulysses aos marqueteiros da sua campanha.

Depois de Ulysses e Sarney, o caso mais conhecido — antes, naturalmente, do de agora entre Dilma e Michel Temer — foi o de Getulio Vargas e do seu vice, Café Filho. No auge da campanha pela destituição de Vargas, Café Filho o procurou no palácio do Catete sugerindo a renúncia de ambos.

Antes de fazê-lo, a proposta já era discutida na boate “Vogue”, em Copacabana, uma espécie de “Piantella” (restaurante de Brasília frequentado por políticos) da época. O episódio é citado pelo escritor Ruy Castro no seu mais novo livro, “A noite de Meu Bem”.