O globo, n. 30080, 15/12/2015. País, p. 6

Situação de Cunha esvaziou ato contra Dilma, avalia Lula

 

SÉRGIO ROXO

Para petista, legitimidade do presidente da Câmara é questionada.

O ex-presidente Lula atribuiu à impopularidade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o baixo número de manifestantes pelo impeachment. PAULO- O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a queda de público nos protestos contra o governo no último domingo. Na avaliação do petista, o envolvimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), na abertura do processo contra a presidente Dilma Rousseff foi fundamental para a redução da participação em relação aos atos anteriores. Para Lula, a população está em dúvida sobre a legitimidade de Cunha à frente do processo, devido às denúncias contra o peemedebista, investigado por corrupção e por ter contas na Suíça.

Apesar da empolgação, Lula estuda se irá à manifestação de amanhã, convocada por movimentos sociais para defender o governo.

Lula tratou dos protestos a favor e contra o impeachment durante encontro ontem de manhã em seu instituto, em São Paulo, com o presidente do PT, Rui Falcão, e com o líder do partido na Câmara, Sibá Machado (AC).

— Uma das coisas (que Lula falou) é que essa situação mal resolvida do presidente da Casa contamina as expectativas da oposição (de adesão da população aos protestos) — contou Sibá.

Segundo Sibá, Lula e Falcão não consideram que a batalha contra o impeachment está vencida.

— A linha geral da avaliação é que o protesto caiu muito, perdeu fôlego. Mas não estamos cantando vitória — disse.

O objetivo dos petistas é realizar amanhã, em São Paulo, uma manifestação maior do que a ocorrida domingo, quando 30 mil pessoas foram à Avenida Paulista para pedir a saída de Dilma, segundo cálculo da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Entre hoje e amanhã, o PT pretende fazer panfletagens para convocação do ato. Uma adesão maior seria usada pelo partido para propagar que não há clima favorável ao afastamento da presidente.

O ato contra o impeachment, organizado em parceria com entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Sem Teto (MTST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), também será na Avenida Paulista.

— Estamos mobilizando bastante gente. Vai ser a maior manifestação que nós já fizemos até agora — afirmou o presidente do PT de São Paulo, Emídio de Souza.

Se Lula decidir ir ao protesto, será a primeira participação do ex-presidente em evento de rua em defesa do mandato da sua sucessora.

— Estamos discutindo com os movimentos sociais (a participação do Lula). Se (a presença dele) ajuda ou não ajuda — disse Paulo Okamato, presidente do Instituto Lula.

Na reunião de ontem com Falcão e Sibá, Lula fez um apelo para que o PT abra negociação para pôr em votação medidas no Congresso, principalmente relacionadas à pauta orçamentária.

— Tem que separar um pouco essa briga política, que nem mais chamamos de crise, e tentar fazer um mínimo de negociação para as coisas no Brasil andarem — concluiu Sibá.

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Joia e livro em aniversário austero

CATARINA ALENCASTRO E SIMONE IGLESIAS 

Mesmo irritado com Dilma, vice liga para a aniversariante.

Aniversariante de ontem, a presidente Dilma Rousseff não teve bolo, nem “parabéns pra você” com os políticos que a cercam. Na reunião de coordenação, a primeira de uma semana decisiva para o processo de impeachment, ela, que completou 68 anos, foi cumprimentada por ministros e ganhou presentes. O ministro Edinho Silva (Comunicação Social) deu-lhe “A Casa da Vovó — uma biografia do Doi-Codi”, de Fernando Godoy. O ministro Gilberto Occhi a presenteou com uma joia.

Dilma recebeu uma ligação do vice Michel Temer logo no início da reunião, às 9h30m, que telefonou para felicitá-la. Ela deixou a sala dos ministros para atender o vice, com quem falou rapidamente. O ex-presidente Lula já havia lhe telefonado. A filha Paula, grávida do segundo filho, não pôde viajar e, por isso, não a encontrou.

À tarde, o presidente norte-americano Barack Obama também telefonou para falar sobre o encontro do clima COP-21 e a parabenizou pelo aniversário.

A reunião de ontem foi curta, e os temas, tratados superficialmente, já que, segundo um dos participantes, em momentos de desconfiança generalizada não é possível discutir temas relevantes em encontros ampliados. Estavam presentes os ministros petistas Edinho, José Eduardo Cardozo (Justiça) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo); os peemedebistas Eduardo Braga (Minas e Energia) e Marcelo Castro (Saúde), além de Antonio Carlos Rodrigues (Transportes), do PR; Gilberto Kassab (Cidades), do PSD; e Occhi, do PP — além dos líderes José Guimarães e José Pimentel e o assessor especial Giles Azevedo.

Apesar do telefonema, o vice está irritado com Dilma. Para ele, a presidente tentou interferir na disputa do PMDB pela liderança da Câmara. Semana passada, Dilma ligou para o ministro Antônio Carlos Rodrigues (Transportes), pedindo que o PR, seu partido, cedesse um deputado para o PMDB, o que ajudaria o ex-líder da bancada Leonardo Picciani a ser reconduzido ao cargo. A conversa vazou e desgastou ainda mais a relação da presidente com os peemedebistas.

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Governo suspendeu decretos de gastos após decisão do TCU

VINICIUS SASSINE E MARTHA BECK 

Rejeição das contas de 2014 pelo tribunal levou ao corte de despesas sem autorização do Congresso.

-BRASÍLIA- O governo decidiu suspender decretos com autorizações de gastos sem aval do Congresso depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou parecer pela rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. No julgamento em 7 de outubro deste ano, o TCU concluiu que a edição desses decretos de créditos suplementares, num momento de queda da arrecadação, infringiu a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma das razões para rejeitar as contas.

A mesma prática este ano foi usada para embasar o pedido de impeachment de Dilma. O entendimento do TCU surpreendeu os quase cem técnicos que analisam pedidos de créditos adicionais na Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento. Em entrevista ao GLOBO, a secretária da área, Esther Dweck, disse que a equipe tem convicção de ter agido “dentro da legalidade” e que os decretos alvos do pedido de impeachment não diferem dos editados em anos anteriores.

— A gente tem convicção que agiu dentro da legalidade. Temos uma área técnica bastante robusta, que trabalhou dentro da legalidade, super experiente, da maneira que sempre fez. Não houve nenhum ato diferente do feito em outros anos — disse Esther.

Ela afirmou que a equipe ainda “tenta entender essa interpretação nova”:

— Até 7 de outubro, não havia nenhuma decisão do TCU sobre o assunto. A partir do momento que houve uma decisão, suspendemos esse tipo de ato para poder avaliar e fazer uma análise melhor. Os decretos que se baseiam nessas duas fontes (excesso de arrecadação e superávit financeiro) ficaram suspensos. Os pleitos (de novos créditos) chegam diariamente na SOF.

O pedido de impeachment questiona seis decretos de Dilma este ano que autorizaram gastos de R$ 2,5 bilhões antes da aprovação da nova meta fiscal pelo Congresso. O GLOBO revelou ontem que quase 30% dos gastos autorizados (R$ 703,4 milhões) se destinaram ao pagamento de serviços da dívida pública. Outros 22,4% (R$ 561,4 milhões) dizem respeito a custeio de bolsas de estudo no ensino superior.

O Ministério do Planejamento, em nota, afirmou que os decretos estão de acordo com a legislação em vigor. Segundo a nota, os decretos não elevaram as despesas da União e, portanto, não tiveram impacto sobre a meta fiscal de 2015. Isso porque o limite que cada órgão público pode gastar no ano é fixado por um decreto de contingenciamento, editado numa fase anterior. E quando há uma suplementação orçamentária, ela não impacta no limite de gastos.