O globo, n. 30080, 15/12/2015. Economia, p. 22

Revolução francesa

 

MÍRIAM LEITÃO COM ALVARO GRIBEL

O petróleo caiu para US$ 37 e chegou a ser vendido por US$ 36, no menor valor desde 2008. Há razões imediatas para a queda da cotação, mas o mundo desenhado em Paris, na COP-21, é aquele em que, dentro de algumas décadas, os países terão que ser neutros em carbono. Essa virada na economia global começa agora e produzirá muita atividade econômica. O Brasil pode ser bem sucedido no tempo pós-petróleo.

Aincapacidade dos governantes brasileiros fez com que, em anos recentes, se apostasse tudo no pré-sal como o passaporte para o futuro. A energia fóssil já carimbou seu passaporte para o passado. Não será de imediato, mas na reunião de Paris o mundo se propôs a ser, o mais cedo possível, neutro em carbono. Isso significa plantar muito mais árvores para sequestrar as emissões, reduzir fortemente o uso dos combustíveis fósseis nos próximos anos e décadas e aumentar a eficiência energética em todos os processos econômicos.

Nesse momento, os especialistas dizem que o preço do petróleo cai por excesso de oferta e altos estoques. Mas, no futuro, as novas energias renováveis crescerão e ficarão mais baratas. Quem critica ou pouco se entusiasma com o acordo argumenta que na verdade as metas que os países se comprometeram a cumprir nos próximos anos não são suficientes para deter o aquecimento global em 1,5 °C. É verdade. Mas os países concordaram, por unanimidade, em buscar esse objetivo, e por isso terão de aceitar nos próximos anos elevação das metas que estabeleceram.

Os objetivos nacionais foram registrados na ONU e de cinco em cinco anos terão que ser revistos em reuniões periódicas que os países farão. A primeira está prevista para 2018. Haverá formas universais de medir e avaliar as emissões. O Comitê de Especialistas que fiscalizará não tem poder de punir, mas será um poderoso instrumento de pressão.

E virão outras COPs, a próxima em Marrakesh, para aperfeiçoar e ampliar o que se conseguiu em Paris. Países desenvolvidos vão registrar o que deram aos países mais pobres, que, por sua vez, terão que explicar como gastaram a ajuda para a adaptação de seus países aos tempos de clima mais rigoroso.

Tornar a economia mundial neutra em carbono em, digamos, 2050 encomenda um enorme volume de tarefas aos países e às empresas. Quem quiser fazer a sério planejamento estratégico terá que ter isso como parâmetro. Parte do pré-sal ficará inviabilizado com o preço atual, e uma parte ficará sem futuro com o acordo do clima.

O Brasil é o país que tem a maior quantidade de energia renovável por km2, o que será valorizado neste mundo que atravessou no último fim de semana um importante marco. O aumento da produção das energias alternativas tornará cada vez mais baratos os insumos. O Brasil tem em quase todo o seu território alto fator de capacidade na geração de energia solar. A fonte se desenvolveu pouco por incapacidade governamental. Há cinco Itaipus de energia eólica só no Nordeste e apenas em terra. Há outras fontes que se tornarão cada vez mais viáveis. Será inevitável criar uma regulação que incentive as novas renováveis e que retire os subsídios ainda existentes ao petróleo e ao carvão.

Ao final da bem sucedida reunião de Paris, o mundo tem pela primeira vez um acordo universal do clima. Ele cria mecanismos, regras, sistema de verificação de metas, fluxos financeiros, e a estrada pela qual o mundo vai buscar esse futuro de maior segurança. Até agora, o que o planeta tinha a seu favor era Kyoto, que é limitado, foi seguido por poucos países, e tem data para acabar. Nada como o acordo de Paris aconteceu antes. Claro que tudo somado não é suficiente. Mas foi um raro momento de sensatez da vida internacional.

O Brasil sugeriu e outros países participaram da elaboração de um novo mecanismo de desenvolvimento limpo, mais amplo que o de Kyoto, e que permitirá às empresas entrarem neste esforço de reduzir as emissões. A economia terá um forte impulso para buscar a redução das emissões através de novas fontes e tecnologias. O mundo começou a mudar de forma tão profunda a partir da reunião do clima de Paris que daqui para diante países, organizações e empresas terão que se preparar para algo que chamaremos de revolução. E, de novo, começou na França.