O globo, n. 30078, 13/12/2015. País, p. 3

Ao pé do ouvido

 

SIMONE IGLESIAS E JÚNIA GAMA

Aliados de Temer tentam conquistar votos pró-impedimento fazendo promessas para eventual governo.

Planalto tenta reagrupar seus aliados e pressiona ministros e governadores para ampliar os votos favoráveis à presidente.

O grupo político do vice-presidente Michel Temer lançou ofensiva junto a parlamentares da base aliada, como os de PR, PP e PSD, para aprovar o impeachment da presidente Dilma. Na linha de frente dessa equipe estão ex-ministros, como Eliseu Padilha, e ex-deputados do PMDB, como Sandro Mabel e Geddel Vieira Lima, informam

SIMONE IGLESIAS e JÚNIA GAMA. São oferecidos mais espaços no governo e a garantia de que emendas parlamentares serão incluídas nos programas dos ministérios. Já o governo tenta reagrupar sua base, valendo-se da influência de governadores aliados e ministros. -BRASÍLIA- Mais do que cargos, deputados e presidentes de partidos da base aliada têm recebido acenos de que passarão a ter poder político real para influenciar diretamente decisões em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer. Em conversas que se intensificaram nas últimas semanas, parlamentares de partidos que compõem o “centrão” da base aliada, como PR, PP e PSD — aqueles que tradicionalmente apoiam todos os governos, à exceção de PT e PCdoB — se tornaram alvo de investidas do grupo do vice, que busca votos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na linha de frente da execução dessa estratégia estão os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e os ex-deputados peemedebistas Rodrigo Rocha Loures, Geddel Vieira Lima e Sandro Mabel, este último o mais ativo da equipe nas conversas dentro da Câmara.

Os principais argumentos usados são os estilos diferentes de Dilma e Temer na convivência política; a ampliação de espaços no governo, e a garantia de que os compromissos assumidos serão cumpridos. Sempre “muito discreto”, contam os políticos que tiveram encontros recentes com o vice, Temer fala em respeito ao Parlamento e cita que irá incorporar aos programas dos ministérios as emendas dos deputados, garantindo sua execução, e fazendo sair do papel a obrigação de o governo cumprir o orçamento que for aprovado pelo Congresso — levando ao que ele próprio chamou na sexta-feira de “semiparlamentarismo”.

— Não se fala em distribuição fria de cargos, “você vai ser ministro disso ou daquilo”. As conversas giram em torno da ideia do governo de coalizão e que espaço não é problema, haverá para os que chegarem e será ampliado aos que já estão — disse ao GLOBO um dos deputados participantes das reuniões.

Nos últimos 15 dias, o vice conversou com presidentes de partidos da base aliada, como Marcos Pereira, do PRB; dirigentes do PSB e até o presidente do oposicionista Solidariedade, Paulo Pereira da Silva. Além das sinalizações de compartilhamento do poder, integrantes da base relatam que interlocutores de Michel Temer já começaram a fazer acenos com cargos em um eventual governo do peemedebista.

MINISTÉRIOS NO CENTRO DAS ESPECULAÇÕES

Ministérios hoje ocupados por defensores de Dilma Rousseff estão no centro dessas especulações, especialmente aqueles que alojam representantes de parcelas de bancadas que já não são maioria, como Saúde e Ciência e Tecnologia. Os respectivos ministros dessas duas pastas, os peemedebistas Marcelo Castro e Celso Pansera — ambos contrários ao impeachment —, foram indicados ao cargo por Leonardo Picciani (PMDB-RJ), destituído da liderança do partido na semana passada.

Governistas que tentam recompor o apoio no Congresso para barrar o processo de impeachment dizem que enfrentam hoje uma dupla dificuldade na disputa pelos votos dos deputados. Primeiro, a falta de credibilidade do Planalto pelo descumprimento de acordos firmados anteriormente com a base aliada. E, para completar, o ex-ministro Eliseu Padilha carrega consigo uma planilha do tempo em que ocupou a articulação política de Dilma com um amplo mapeamento sobre os pedidos dos parlamentares em diversas esferas, com respostas sobre o que foi ou não contemplado.

— O governo não tem dinheiro para liberar emendas, e muitas nomeações estão travadas. Em vez de jogar com transparência e dizer que alguns casos não podem ser resolvidos e oferecer uma alternativa, o governo quer continuar fazendo reuniões para marcar novas reuniões — resume um líder governista.

O que mais tem atraído a atenção dos parlamentares é a possibilidade de ter um presidente de postura menos hostil do que Dilma. Deputados relembram nas conversas a relação que tinham com Temer nas três vezes em que ele presidiu a Câmara e acreditam que seu estilo “educado”, “gentil” e “agradável” integrará os aliados.

— Ninguém aguenta mais ser escrachado em reunião com a presidente. Temer é um lorde, e este é o maior ponto fraco de Dilma dentro da Câmara — disse um líder aliado pedindo reserva ao GLOBO.

Por trás de tantas conversas e promessas de um governo de real coalizão está a busca por votos para derrubar Dilma. Na semana passada, a votação secreta para a escolha da chapa que iria compor a comissão do impeachment serviu como um termômetro: a oposição teve 272 e o governo, 199. Os líderes dos partidos da base identificaram imediatamente defecções nas bancadas, situação que irá se repetir em todas as votações sobre o tema. Faltam à oposição 70 votos para atingir os 342 necessários (dois terços) para aprovar a admissibilidade da ação contra Dilma. Representantes partidários que estiveram em conversas com Temer nos últimos dias dizem que o mais importante agora é ficar claro que será um governo de “união nacional”, e não apenas do PMDB.

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Por apoio, Planalto pressiona ministros

 

CATARINA ALENCASTRO, WASHINGTON LUIZ, SIMONE IGLESIAS E JÚNIA GAMA

Estratégia inclui ainda conversas com governadores e líderes das bancadas.

-BRASÍLIA- O esgarçamento da relação do governo com o PMDB, seu principal aliado, tomou contornos imprevistos: a presidente Dilma perdeu o ministro da Aviação Civil e teve que lidar com uma carta do vice Michel Temer, que foi interpretada como rompimento. Esses movimentos levaram a balança do PMDB, partido dividido, a pender pela 1ª vez contra o governo, aumentando a instabilidade no Planalto. Dilma, então, busca ampliar o leque de aproximação com os aliados, tentando convencê-los de que embarcar no impeachment é uma aventura perigosa, que abre precedentes que podem levar vários outros governos a serem afetados.

Com a união das oposições, agora publicamente favoráveis ao impeachment, a estratégia no Planalto é seguir fazendo defesa jurídica de que não há argumentos legais; lutar para não perder mais apoios dentro da base aliada; e se preparar para o embate com a opinião pública.

Desde que o pedido de impeachment foi aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Dilma passou a se expor quase diariamente em eventos públicos. O objetivo é ganhar espaço para o discurso contra o impeachment e tentar passar a imagem de que o governo continua ativo, com atos e projetos.

E a partir da união da oposição, o governo pretende agora associar os rivais a Cunha, que teria agido de forma vingativa.

— O PSDB volta a ficar de braços dados com Cunha. Essa união macula a imagem do PSDB, que se alia com uma pessoa notoriamente revanchista e chantagista — diz uma fonte palaciana.

Uma peça importante nesse xadrez é aferir o tamanho real da base de apoio no Legislativo. Com o aumento das traições e a queda do aliado Leonardo Picciani da liderança do PMDB, o governo mudou o formato das reuniões de líderes e agora opta por encontros reservados. E tem investido ainda em dois instrumentos para tentar reagrupar a base. Os governadores, que dependem da saúde financeira e da boa vontade do governo federal, e os ministros indicados pelas bancadas para a Esplanada.

No caso dos governadores, os resultados têm sido restritos. Em boa parte dos casos, os que prometem apoiar Dilma o fazem mais por uma questão institucional. No PSB, que tem três governadores, apenas um tem representação de seu estado na Câmara: Paulo Câmara, de Pernambuco. Apesar de ter assinado nota contrária ao impeachment, aliados dizem que ele não pretende trabalhar os deputados para que se realinhem ao governo.

No PMDB, Dilma tem cobrado dos ministros Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) engajamento para ampliar os votos pró-governo. Até o momento, os esforços não trouxeram resultado. Prova disso foi a destituição de Picciani, fiador das nomeações.

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‘Manterei a minha posição contra o impeachment’

 
JORGE BASTOS MORENO 

Deputado diz que Leonardo Quintão (MG), que o substituiu na liderança do PMDB, já está perdendo apoio e afirma que voltará ao cargo para defender Dilma.

Primeiro líder do PMDB deposto em plena democracia (Martins Rodrigues, Mário Covas e Alencar Furtado foram cassados no exercício do cargo pela ditadura militar ), o deputado Leonardo Picciani (RJ) promete retomar o lugar hoje ocupado pelo mineiro Leonardo Quintão. Contrariando a presidente Dilma, que nega intromissão nessa disputa, Picciani assume ter o apoio do governo e diz que reassumirá para combater o impeachment.

O senhor acha que vai conseguir recuperar seu cargo de líder da bancada?

Estou trabalhando para isso. Acredito que conseguirei. Ganhei uma vez por um voto, fui destituído por um voto. Estou trabalhando para reverter esse resultado, desta vez por uma diferença talvez um pouco maior, não muita, porque a bancada está dividida.

De onde vem essa crença? Do apoio que o senhor está recebendo do governo?

Acredito que retomarei o cargo, não só por causa do apoio do governo, como também pelos votos da maioria da bancada e de vários outros deputados que já pensavam em migrar para o PMDB, por motivos políticos e eleitorais, independentemente da disputa que ora se trava. São desejos antigos que estão se concretizando. Além do mais, deputados que subscreveram a minha destituição estão arrependidos, muitos pela postura do novo líder de ir para o Conselho de Ética, o que não fiz para não constranger os representantes do partido lá.

Mas Temer determinou a suspensão de novas filiações.

O deputado se filia no município. O veto, a suspensão, não é determinada por uma pessoa, por mais importante que seja, e sim pela maioria dos membros da Executiva

O senhor e o Quintão não estão sendo usados para uma briga muito maior, entre a presidente e seu vice?

Não. A situação é muito clara. Temos, de um lado, o governo trabalhando para a preservação do mandato da presidente e, de outro, o presidente da Câmara, aliado ao ex-ministro Eliseu Padilha, trabalhando pelo impeachment.

Se o senhor recuperar seu cargo, o senhor será líder da facção governista, não?

Manterei a minha posição contra o impeachment, mas buscarei a unidade do partido, respeitando as divergências. A primeira coisa que farei será procurar o vice-presidente Michel Temer para dizer que quero trabalhar em harmonia com o comando do PMDB. E direi a ele que, ao contrário do Quintão, manterei a eleição de líder para fevereiro. E disputarei com outro candidato.

O senhor vai procurar Eduardo Cunha?

Ele fez a opção de se afastar de mim, alegando que não fui defendê-lo no Conselho de Ética. Ora, eu não poderia fazer isso na condição de líder. O Quintão já está perdendo apoio da bancada justamente por não ter seguido essa liturgia.