O globo, n. 30078, 13/12/2015. País, p. 4

Da cara pintada em 92 ao debate sobre ‘pedalada fiscal’ em 2015

 

ALESSANDRA DUARTE

Ex-manifestantes contra Collor falam do momento político do país

“Em 92, a solução parecia simples, era só trocar quem estava na Presidência. Hoje as coisas envolvem o setor privado” Bianca Zadrozny Engenheira “O impeachment (de Collor) era em torno de legalidade. Agora é um problema de governabilidade” Fabiano Avelar Historiador “No ‘Fora, Collor’, havia frustração com o primeiro presidente eleito depois da ditadura. Agora há discurso raso sobre democracia” Cristhiane Amâncio Bióloga

Embaixo do ingresso do show do Skid Row no Maracanãzinho, preso com um clipe vermelho, a anotação em caneta preta: “Hoje, todo mundo, em vários lugares do país, se manifestou. (...) Na orla só se via gente vestida de preto. Foi muito legal saber que as pessoas não estão mais passivas!”. A agenda da adolescente de 15 anos Bianca Zadrozny marcava 16 de agosto de 1992.

— Nossa geração estava começando a falar de política — lembra a hoje engenheira Bianca, de 38 anos.

Vinte e três anos depois, ela e a geração que pintaram a cara contra o então presidente Fernando Collor escutam de novo a palavra “impeachment” — com mais diferenças que semelhanças com aquela época, dizem ex-caraspintadas ouvidos pelo GLOBO.

— Em 92, a solução parecia mais simples, era só trocar quem estava na Presidência. Hoje as coisas envolvem o setor privado, que é o que mais me assusta. Em 92 parecia algo isolado; pelo menos o que surgia dava essa impressão — diz Bianca, moradora de Laranjeiras, Zona Sul do Rio.

No começo dos 90, ela estava no antigo 2º grau. Nunca tinha sido de movimento estudantil. Mas denúncias sobre o envolvimento direto de Collor com corrupção começaram a se avolumar, carros de som da União Nacional dos Estudantes (UNE) passavam em frente ao seu colégio, a personagem engajada de Cláudia Abreu em “Anos rebeldes” era sucesso na TV. E ela e os amigos se viram marcando no boca a boca e por telefone — o de casa, porque não havia celular, quiçá Facebook ou WhatsApp — para irem juntos protestar.

Na época, a então estudante chegou a dar entrevista ao GLOBO. Dizia crer na educação para resolver os problemas do país. Tinha vontade de morar fora, “mas só por um tempo. É aqui que quero construir meu lugar”.

— Ainda acredito na educação — diz a engenheira, que de fato foi morar nos Estados Unidos e retornou em 2006; votou em Dilma Rousseff em 2010, mas, em 2014, teve dúvidas e não deu seu voto à petista novamente. — Não fui a nenhum ato agora contra ela, não tenho claro se sou a favor ou contra o impeachment. Mas não gostei do primeiro governo. A Dilma não consegue negociar. Entendo que há crise econômica, mas acho que a coordenação de muitos programas se perdeu.

Ao lado de jovens que faziam política pela primeira vez estavam estudantes como Fabiano Avelar, então com 14 anos, aluno da antiga 8ª série em Belo Horizonte e integrante do grêmio estudantil. Contra Collor, pintou a cara, carregou faixa e ensinou gritos de guerra aos colegas.

Formado em História, deu aula em colégios públicos e privados por quatro anos. E levou sua experiência de mobilização a quem o teve como professor.

— Explicava o funcionamento da Câmara, práticas ilegais como compra de votos... Colocava a turma para ler os estatutos dos partidos e ver se eles cumpriam o que estava escrito. Além disso, em ano eleitoral a gente dividia as turmas. Cada grupo era um candidato, e havia debates entre eles — diz Fabiano, hoje com 37 anos e trabalhando na Justiça Eleitoral.

Eleitor de Dilma em 2014, o excara-pintada afirma que, enquanto os atos pelo impeachment de Collor eram devido a acusações de corrupção feitas diretamente a ele, o movimento contra Dilma é motivado por falta de apoio no Congresso.

— E pelo revanchismo do (presidente da Câmara) Eduardo Cunha, né? Em 92, o impeachment era em torno de um problema de legalidade. Agora é um problema de governabilidade. Muita gente está confundindo as duas coisas — diz Fabiano, para quem a política no país só vai melhorar quando a população passar a valorizar o voto não só para o Executivo, mas também para o Legislativo. — Ele é que ajuda a combater os maus governantes.

Com camiseta da campanha de Collor “toda pichada” — e escondida da família, que não a queria metida com política —, a hoje bióloga Cristhiane Amâncio, de 40 anos, também pintou a cara. Tinha 17, estava no 2º grau e era da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.

— No “Fora, Collor”, muita gente se uniu pela frustração da expectativa com o primeiro presidente eleito depois da ditadura — diz Cristhiane, moradora de Seropédica, Baixada Fluminense.

Dilma recebeu o voto de Cristhiane ano passado. Mas a decepcionou este ano.

— Este segundo governo podia ser bem melhor. A Dilma está colhendo agora os frutos das alianças que ela e o PT escolheram — avalia a ex-cara-pintada, que, porém, não vê nas “pedaladas fiscais” motivo para se pedir impeachment. — Há questão de gênero envolvida, porque o tratamento dado a uma mulher na política é diferente da atitude em relação aos homens, acostumados a fazer política só entre eles. Além disso, a pauta agora é diferente: tem um discurso raso sobre democracia. O movimento em 92 era um discurso de reivindicação política.

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Semana terá protestos pelo país contra e a favor do impeachment

 

-RIO E SÃO PAULO- A semana começa movimentada, com grupos contrários e favoráveis ao afastamento de Dilma Rousseff protestando nas ruas do país. Hoje, grupos que lideram movimentos contra o governo pretendem realizar atos em pelo menos 89 cidades. O maior deles deve ser na Avenida Paulista. Os organizadores chamam o protesto de “esquenta para o impeachment”. Já na quarta-feira, sindicatos e movimentos sociais apoiarão a presidente em atos pelo país. Não há estimativa de quantas cidades deverão participar.

O protesto de hoje foi organizado por grupos como Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre. Segundo Marcello Reis, do movimento Revoltados Online, a Paulista será ocupada por dez trios elétricos, enquanto Copacabana, no Rio, terá quatro carros.

Ontem, a página do Vem Pra Rua no Facebook ficou fora do ar por cerca de quatro horas. Por volta das 16h, já com a página de volta, o Vem pra Rua classificou o ato como “censura”. À noite, o Facebook informou que a página saiu do ar por falha técnica e pediu desculpas pelo ocorrido.

Já os movimentos que estão com Dilma, como CUT e MST, marcaram para ir às ruas quarta-feira. Além de serem contra o impeachment, devem pregar contra o ajuste fiscal e pedir o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara.

No Centro do Rio, um protesto contra Cunha reuniu ontem cerca de 400 pessoas, segundo os organizadores. Os manifestantes picharam a frase “Fora Cunha” em lojas do edifício onde o deputado tem um escritório, no Largo da Carioca.