O globo, n. 30078, 13/12/2015. País, p. 5

Meu segundo impeachment

 

LETICIA FERNANDES

Na Câmara, 27 deputados que participaram de decisão contra Collor nos anos 90 analisam pedido de impedimento de Dilma.

“Quem ia imaginar que minha filha ia vivenciar tudo isso de novo?” Jandira Feghali Deputada federal (PCdoB-RJ), que em 92 estava grávida de 4 meses “Impeachment existe ou não. É Sua Excelência, o fato, como dizia Ulysses” Miro Teixeira Deputado federal (Rede-RJ).

O deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) lembra claramente a cena que presenciou em 1° de setembro de 1992 no Salão Verde da Câmara. Ele estava ao lado de Ibsen Pinheiro, então presidente da Casa, quando o viu receber do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, o pedido de impeachment de Fernando Collor de Mello. Com o documento em mãos, Ibsen disse a célebre frase: “O que o povo quer, esta Casa acaba querendo”.

Vinte e três anos depois que o país destituiu o primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura militar, e com a sombra do impeachment a rondar novamente o Palácio do Planalto, O GLOBO levantou os 27 deputados que participaram da votação do impedimento de Collor, em 29 de setembro, e que enfrentarão o processo pela segunda vez. Só dois deles votaram contra a decisão que cassou Collor: os deputados Nelson Marquezelli (PTB-SP) e Átila Lins (PSD-AM). Os demais foram favoráveis. Dos dez ouvidos pela reportagem, cinco votariam pelo impeachment de Dilma, quatro seriam contra, e um preferiu não responder.

Um dos mais próximos aliados de Collor naquele momento, Marquezelli disse que votou contra depois de fazer uma “análise jurídica” do parecer. Ele também é contra o impeachment de Dilma. — Não vou votar no oba-oba — disse. Jandira Feghali (PCdoB-RJ) estava grávida de quatro meses e em seu primeiro mandato como deputada federal quando anunciou o voto no plenário da Casa. “Voto ‘sim’ pelos que virão”, disse então.

— Quem ia imaginar que agora a minha filha ia vivenciar tudo isso de novo? E num processo onde não há crime ou acusação dirigida a ela (Dilma).

No dia da votação, aliados de Collor tentavam, até o último momento, virar alguns votos. Mas o clima já era “festivo” no plenário, disse o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), um dos integrantes da CPI que acabou esbarrando em falcatruas envolvendo o ex-presidente. Naquele momento, o método escolhido foi o voto por ordem alfabética. Com medo da pressão, alguns deputados com nomes começando com a letra A deixaram o plenário e só votaram na segunda chamada. Um deles foi o atual presidente do TCU, Aroldo Cedraz.

Miro acredita que o parecer elaborado pelo jurista Hélio Bicudo sobre Dilma Rousseff não tem força para tirá-la do cargo:

— Impeachment existe ou não existe. Não é algo que seja articulado. O pedido de impeachment é Sua Excelência, o fato, como dizia Ulysses.

Pauderney Avelino acabara de entrar na política e caiu de paraquedas num Congresso em chamas. Ele participou da coordenação pró-impeachment a convite da então deputada Roseana Sarney. No dia da votação, vestiu uma roupa nova para enfrentar o dia histórico. Ironicamente, Avelino resolvera participar da política por admirar o “vigor” dos discursos de Collor. Ele integrou a campanha do ex-presidente em 1989 e resolveu se candidatar. No único encontro que teve com Collor no Planalto, contou que ficou decepcionado com a postura do ex-presidente, que recebeu a bancada do extinto PDC de pé, como um “gelado bloco monolítico”:

— Ele repudiava o Congresso. A postura dele não é tão diferente da que atribuem à Dilma — disse. — O impeachment é inexorável. Há crime de responsabilidade, não adianta negar.

O deputado Paes Landim (PTB-PI) explicou que votou pelo impeachment “com peso na consciência”. Ele foi professor de Direito do ex-presidente na Universidade de Brasília e gostava de Collor, mas não resistiu à pressão do voto aberto:

— Não me orgulho disso, mas a pressão foi violenta. Falei com ele depois, mas acho que ele nunca me perdoou — disse o petebista.

Ele é contra o impeachment de Dilma e avalia que a presidente, ao contrário de Collor, tem uma estrutura partidária e uma militância fortes, dispostas a apoiá-la:

— Não acho que tenha fundamento, até o do Collor foi um pouco forçado. Mas a Dilma tem um partido e uma militância por trás. O Collor não tinha nada.

Landim contou que, uma semana antes da votação do impeachment, o então deputado Ulysses Guimarães, inquieto, foi procurar Ibsen Pinheiro nos corredores da Câmara para reclamar que o processo parecia andar “a passo de valsa”. Outra pérola de Ulysses lembrada pelos parlamentares foi dita logo depois de aprovado o impeachment na Câmara. Quando a denúncia foi recebida pelo Senado, o peemedebista foi conversar com o vice-presidente Itamar Franco, que receava assumir a cadeira de Collor. Depois da conversa, disparou: “É incrível, o anzol é muito maior do que a boca do peixe”.