O globo, n. 30078, 13/12/2015. País, p. 6

Os versos do poeta profeta de Tietê

 

THIAGO HERDY

Poemas de Temer parecem soar como premonição dos conflitos com Dilma; cidade natal do vice está em suspense com possibilidade de ele virar presidente.

“Leu/Releu/Não entendeu.” Trecho do poema do vice Michel Temer, publicado em 2012, parece antever a carta que enviou recentemente à presidente Dilma, mostra THIAGO HERDY. Amigo de infância acredita que Temer sai bem da crise: “O Turquinho é lambari ensaboado.” Rabiscados originalmente em folhas soltas e guardanapos de avião, os poemas do vice-presidente Michel Temer (PMDB), reunidos em livro há três anos, soam como premonição dos dias que estavam por vir. Como não relacionar os versos de “A carta” e “Tempo que passa”, por exemplo, com o rompimento da aliança política com a presidente Dilma Rousseff no momento de maior crise do governo? (Leia este e outros poemas acima).

Na pequena Tietê, cidade natal do vice, entrecortada pelo rio de mesmo nome, aliados, amigos de infância e parentes desconfiam do noticiário negativo sobre as articulações de bastidores do vice-presidente e jogam no colo de Dilma a culpa pelo distanciamento dele no momento em que ela corre risco de sofrer impeachment. A cidade de 40 mil habitantes está em suspense com a possibilidade do filho ilustre virar presidente.

— A capacidade dele não era bem aproveitada. Ele colocou-se no lugar que ela (Dilma) deixou para ele — diz a sobrinha Cleusa Maria Tamer Schincariol, de 65 anos, que, no dia da divulgação da carta do tio para Dilma, escreveu a ele uma mensagem desejando-lhe “sabedoria para enfrentar o que vem por aí”.

Cleusa é filha de Tamer, o mais velho entre os oito irmãos de Michel e sua referência paterna, já que o pai era ausente. Tamer trabalhava para cuidar dos irmãos e, por isso, foi o único que não seguiu para estudar na capital paulista. Quando Michel era criança, um dos irmãos, Salim, foi assassinado em uma briga de bar, tragédia que abalou a família para sempre.

Os pais de Temer deixaram Btaaboura, vila no Norte do Líbano, no início do século passado, para fazer a vida no Brasil vendendo arroz beneficiado perto da chácara que ainda guarda lembranças da família. É onde, ainda hoje, o vice se hospeda quando visita a cidade natal.

— Comércio é negócio, negócio é política — sintetiza o presidente do PT em Tietê, Cláudio Demarchi, ao relacionar a origem familiar de Temer com a carreira política.

Aos 16 anos, Temer mudou-se para São Paulo para finalizar o ensino médio e formar-se em direito na USP, em 1963, um ano antes do golpe militar. Conseguiu o primeiro emprego no gabinete do sogro de seu irmão, que era secretário da educação no governo Ademar de Barros. O mesmo Ademar que cinco anos depois teria US$ 2,5 milhões roubados por revolucionários da VARPalmares, organização clandestina que lutava contra o regime, a qual pertencia a então militante Dilma Rousseff.

O presidente do PT em Tietê espera a manutenção da aliança entre seu partido e o PMDB de Temer. Pragmático, Demarchi diz acreditar no empenho do vice para evitar o impeachment, “para não manchar seu passado”. Ainda assim, admite sinais dúbios de Temer, citando a imagem de quem se finge de morto para passar a perna no coveiro.

A rejeição ao PT é grande em Tietê. Não à toa, esconderam o nome de Dilma na campanha e só distribuíram material “Temer é 13”, grafado em azul.

— Não sei para que foi mexer com esses PTs da vida — lamenta o amigo de infância James Milanelo, de 74 anos, mesma idade do vice-presidente, hoje dono de uma loja de carros e vinhos.

Com típico sotaque tieteense, onde “erre” é sempre “ere”, diz sentir saudades das visitas de Temer “para comer pizza e tomar um Logan” (marca de uísque que fez sucesso nas rodas de poder nos anos 90). Lembra a época em que nadavam no rio, lutavam com espada de jornal em cima de monte de arroz e contavam os dias para a chegada das festas na igreja matriz.

Para explicar por que a carta de Temer para Dilma era “necessária”, James conta a história de uma moça grávida, rejeitada pelo pai e pela mãe.

— Eu falaria para ela: manda uma carta para sua mãe contando das coisas direitinho. Sua mãe vai estar no banheiro lendo a carta. Na cozinha, lendo a carta. De noite, de novo a carta. Vai ler 150 vezes. Se você ligar no telefone, ela vai xingar você. Mas uns dez dias depois, vai dizer: “ô filha, vem pra casa”. Carta é carta — diz o amigo de Temer.

— O Turquinho é vivo, é lambari ensaboado. Vai sair dessa — completa, revelando o apelido de infância do vice.

Em uma antiga caixa de pijamas, a exprofessora de matemática de Temer, Ossin José, a dona “Linda”, de 90 anos, guarda fotos do dia em que foi homenageada por ele na praça. Diz torcer para que o ex-aluno assuma o governo, pela capacidade de “aglutinar”em “tempos de discórdia”. Ele conspira contra Dilma?, pergunta O GLOBO à professora.

— Quer saber? Acho que sim. Ele tá ausente, né? Ela não confia nele mesmo, fazer o quê? — diz.

Na cidade de Temer, a crise econômica não bateu. Com orçamento anual em torno de R$ 90 milhões, o município contabiliza R$ 44 milhões em investimentos em dois anos.

— Tudo graças à intercessão do Michel — garante o prefeito da cidade e aliado, Manoel David Korn de Carvalho(PSD).

A lista inclui recursos para shows, estação de esgoto, pontes, um rodoanel e até uma passarela pênsil de madeira, que o prefeito promete ser “a maior do tipo no Hemisfério Sul” (a cidade abriga uma das maiores madeireiras do país).

— Ele é um caipira, no bom sentido. Quando chega no salão, cumprimenta de longe. “Ah, ele é metido!”, as pessoas falam. Ele não virou político pela desenvoltura pessoal, foi capacidade de articulação — defende o prefeito.

O jeito sério de Temer é motivo de risada na família.

— Às vezes ele quer brincar, mas sabe aquela brincadeira sempre meio sem graça? — diverte-se Cleusa.