A inflação, a incerteza e o vilão

 

O Estado de São Paulo, n. 44580, 07/11/2015. Opinião, p. A3

 

Já está garantida a inflação mais alta em 12 anos, mesmo na hipótese quase cômica de taxa zero em novembro e dezembro. Esse recorde é mais uma façanha no currículo da presidente Dilma Rousseff. A alta de preços de 8,52% de janeiro a outubro supera a de qualquer ano fechado a partir de 2004, quando o número final ficou em 7,60%. Mas será muito difícil terminar 2015 com um resultado inferior a 10%. A meta de 4,5% para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), já foi transferida do próximo ano para 2017 pelo Banco Central (BC). A mudança foi confirmada na quinta-feira passada pelo diretor de Política Econômica da instituição, Altamir Lopes, ao apresentar um relatório regional. Serão tomadas, prometeu Lopes, todas as medidas para atingir o alvo dentro do novo prazo. Isso inclui a manutenção dos juros básicos, hoje de 14,25%, pelo tempo necessário para derrubar as pressões inflacionárias.

Ao mencionar esse item, Lopes repetiu a mensagem contida em mais de uma Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) e já convertida em mantra. A novidade é a mudança do ano previsto para o alcance da meta oficial.

A inflação estimada para o próximo ano vem subindo há meses. Por 13 semanas consecutivas, até o fim do mês passado, os economistas do mercado financeiro elevaram suas estimativas, coletadas pelo BC na pesquisa Focus. A mediana das projeções atingiu 6,29% na sondagem de 30 de outubro. No mesmo relatório, os juros básicos previstos para o fim de 2016 ficaram em 13%.

Cada nova notícia sobre a inflação torna mais arriscado, no entanto, apostar num corte de juros no próximo ano. De toda forma, o número indicado na Focus do fim de outubro ainda é muito alto, em termos nominais, e muito longe das conveniências de um Tesouro perigosamente endividado e de um país muito carente de investimento empresarial. Representantes da indústria e de alguns sindicatos continuarão, ainda por muitos meses, protestando contra o custo do crédito e pressionando o BC e a presidente da República para facilitar o financiamento.

É inútil buscar nos componentes do IPCA, ou de qualquer outro indicador, os famigerados vilões da inflação, exceto para a discussão de detalhes pouco relevantes para a política econômica. Os principais fatores de pressão podem variar de um mês para outro, refletindo a evolução do dólar, as condições do tempo, o ajuste de preços e tarifas contidos politicamente ou a variação sazonal do consumo.

Os fatos importantes, quando se trata de inflação, isto é, de um aumento generalizado e persistente de preços, são outros. Mais de dois terços – 67% – dos itens cobertos na pesquisa do IPCA, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ficaram mais caros em outubro. Foram 66,5% em setembro. Há muitos anos o chamado índice de difusão tem oscilado entre 65% e 70% dos preços coletados. Além disso, a inflação, considerada em sentido próprio, depende de condições especiais da economia, como o nível de atividade, a expansão do crédito ou o desajuste das contas públicas.

O diretor Altamir Lopes voltou a um desses pontos ao explicar por que o prazo da meta foi alterado. Não foi, segundo ele, uma reação à piora das expectativas do mercado. Dois outros fatores levaram à revisão – a demora maior que a prevista do realinhamento de preços e a incerteza fiscal. O realinhamento inclui tanto os preços contidos politicamente e depois liberados quanto o ajuste em relação aos níveis internacionais. Do lado fiscal, há evidente indefinição quanto ao balanço deste ano e as perspectivas do orçamento para o próximo ano – um enorme fator de insegurança e de perturbação dos preços de ativos.

Com maior clareza que a habitual, um diretor do BC apontou, nessa declaração, o verdadeiro vilão da inflação: o governo incapaz de cuidar de suas contas, de conter a gastança e de apontar um rumo para as finanças públicas. Os outros fatores são coadjuvantes no drama dos preços desajustados.