Título: Tsunami à vista
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 15/09/2011, Mundo, p. 28

Israel enfrenta crise nas relações com Turquia e Egito, dois dos únicos aliados no mundo islâmico, a uma semana da votação em que a Assembleia Geral da ONU deverá reconhecer a soberania da Palestina

Israel pode enfrentar o pior revés diplomático desde sua fundação, há seis décadas, se a soberania do Estado palestino for reconhecida pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, na semana que vem. Com a estagnação das negociações de paz, a pressão no cenário internacional tende a aumentar com o novo status da Autoridade Palestin (AP). Para complicar ainda mais a situação na frente externa, o país enfrenta crises nas relações com a Turquia e o Egito, dois importantes aliados nas últimas décadas ¿ praticamente os únicos no mundo islâmico. O governo do premiê Benjamin Netanyahu parece cada vez mais isolado na região. O próprio ministro da Defesa, Ehud Barak, admitiu recentemente que Israel tem pela frente a ameaça de "um tsunami" nas relações exteriores.

A Palestina conta com o apoio de mais de 140 países-membros da ONU para o pedido de reconhecimento, que deve ser apresentado no próximo dia 22 pelo presidente da AP, Mahmud Abbas. Um resultado como esse pode não apenas acarretar medidas contra Israel por parte de organizações internacionais, como também servir com divisor de águas para os aliados. No Oriente Médio, a maioria dos países apoia a causa palestina, assim como a Liga Árabe. "Israel está lidando com a combinação entre o que é, talvez, um de seus maiores isolamentos diplomáticos e a deterioração de sua posição estratégica", disse ao Correio James Gelvin, professor de história da Universidade da Califórnia.

Netanyahu joga todas as cartas na frente diplomática, e pressiona os palestinos para que desistam do reconhecimento. Ontem, o chanceler Avigdor Lieberman ameaçou com "implicações duras e graves", falando sobre a declaração de soberania da AP. Para começar, todos os acordos bilaterais seriam cancelados, e Israel poderia declarar a anexação dos blocos de assentamentos israelenses na Cisjordânia. Porém, o governo também sofre pressão na frente interna. Ontem, a líder da oposição, Tzipi Livni, criticou a política externa e afirmou que a diplomacia do país nunca esteve em situação tão adversa.

O embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eladad, reconhece que o país passa por uma "época agitada", mas afirma que o governo está pronto para um processo de paz e pretende manter boas relações com os vizinhos. "O diálogo é importante. Estamos dispostos e fizemos todos os gestos necessários para manter boas relações. Pensamos que temos suficientes problemas e não precisamos agregar outros. Esperamos retomar as excelentes relações com Egito e Turquia. Espero que nesses países se cultive a cultura de paz e da tolerância."

Missão dos EUA Para tentar reverter o quadro, Israel conta com seu principal aliado, os Estados Unidos. O presidente Barack Obama enviou dois emissários ao Oriente Médio com a missão de convencer o presidente palestino a desistir do pedido unilateral às Nações Unidas. O conselheiro presidencial Dennis Ross e o enviado especial David Hale fracassaram em outra tentativa, uma semana atrás. Obama já anunciou que os EUA vetarão, no Conselho de Segurança, qualquer tentativa de aceitar o ingresso formal da Palestina como 194º país-membro da ONU. Para o especialista americano, no entanto, até mesmo o apoio americano pode estar em risco. "A tempestade diplomática também pode vir de outras partes. Os EUA não têm um apoio tão entusiasmado como antes, especialmente quando se vê o secretário de Defesa afirmar que Israel é "um aliado mal-agradecido"", afirmou Gelvin.

A chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, e o ex-premiê britânico Tony Blair, enviado do Quarteto para o Oriente Médio (iniciativa diplomática composta por EUA, Rússia, União Europeia e ONU), também estão na região, na esperança de reativar as negociações diretas entre as duas partes antes da Assembleia Geral, e assim evitar uma votação sobre a Palestina.

Tolerância quase zero É em Hebron, cidade bíblica em plena Cisjordânia, que as relações entre palestinos e israelenses são mais intensas e conflituosas. Como parte da campanha pelo reconhecimento na ONU, os primeiros se manifestaram ontem contra a proibição de circular em uma das ruas centrais, onde os colonos judeus costumam circular fortemente armados para compensar a esmagadora inferioridade numérica: eles são 500 em meio a 165 mil árabes. A antiga cidadela leva o nome do patriarca hebreu Abraão e abriga seu túmulo, santuário venerado também pelos muçulmanos, que a ele se referem como Ibrahim e Al Khalil ("o amigo", em árabe) ¿ uma referência à aliança firmada pelo profeta com o Deus único.