O globo, n. 30041, 06/11/2015. País, p. 3

Tsunami de lama

 

DANIELLE NOGUEIRA, MARCELO REMIGIO, MÁRCIO MENASCE, RENAN RODRIGUES* RODRIGO RODRIGUES** 

Rompimento de barragem soterra distrito de Mariana, em Minas, e mortos podem passar de 40.

O rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração provocou enxurrada de lama que destruiu parte do distrito de Bento Rodrigues, na cidade histórica de Mariana, em Minas. Até o fim da noite de ontem, uma morte foi oficialmente confirmada, mas, segundo um sindicato do setor, havia ao menos 45 pessoas desaparecidas, entre trabalhadores da mineradora Samarco e moradores do local. A lama chegou a três metros de altura e se estendeu por oito quilômetros, cobrindo casas e arrastando carros e caminhões. A mineradora, que pertence à Vale e à australiana BHP Billiton, disse priorizar o atendimento às vítimas e evitar danos ao meio ambiente, ainda sem impacto estimado. As causas do acidente estão sendo investigadas. -BELO HORIZONTE E RIO- O rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração da empresa Samarco em Mariana, cidade histórica da Região Central de Minas Gerais, provocou uma enxurrada de lama ontem à tarde, que atingiu parte do distrito de Bento Rodrigues. Um morto e quatro feridos foram confirmados até o início da noite pelo Corpo de Bombeiros. Mas, segundo o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ferro e Metais Básicos de Mariana (Metabase), ao menos 45 pessoas estariam desaparecidas. Equipes de resgate enfrentaram dificuldades para chegar até o local por causa da lama, que se estendeu por oito quilômetros, a partir da barragem, e atingiu quase três metros de altura, cobrindo casas e arrastando carros e caminhões. Em entrevista à rádio CBN, o comandante do Corpo de Bombeiros de Ouro Preto, Adão Severiano Júnior, afirmou que o número de mortos pode passar de 40.

A Samarco é controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton, duas gigantes da mineração mundial. A companhia é uma pelotizadora, ou seja, transforma minério de ferro em pelotas, um produto intermediário usado nos altos-fornos das siderúrgicas para produção de aço. Bento Rodrigues fica a 25 quilômetros do Centro de Mariana, cidade distante 110 quilômetros de Belo Horizonte. O distrito rural está localizado numa região montanhosa e é cercado por barragens. Moram na região atingida cerca de 600 pessoas.

MORADORES E OPERÁRIOS ARRASTADOS PELA LAMA De acordo com a Polícia Militar, 80 pessoas foram arrastadas pela correnteza. Só na barragem trabalhavam na hora do acidente cerca de 50 operários, segundo o sindicato. Moradores precisaram deixar a região e foram aconselhados a se abrigarem no distrito vizinho de Camargos, por ser mais alto. O mesmo foi recomendado aos moradores de vilarejos próximos. O sindicato local informou que algumas famílias permaneciam ilhadas até a noite. Feridos foram encaminhados para o hospital Monsenhor Horta, em Mariana.

O local onde ficava a barragem, chamada de Fundão, se transformou numa grande cratera vazia. A lama se espalhou por toda a região, atingindo também áreas de mata. O secretário de Defesa Social de Mariana, Brás Azevedo, afirmou que a situação é considerada muito grave, já que existem riscos de novos desmoronamentos. Responsável pela 3ª Companhia do Corpo de Bombeiros de Ouro Preto, que atende à região do acidente, o sargento Valadares informou que o quartel está incomunicável com as equipes que foram deslocadas para o local. O distrito permanece isolado.

— O que estamos acompanhado é o que está sendo veiculado na imprensa. Não estamos sabendo nada além disso — disse.

Funcionários da Defesa Civil de Mariana informaram que desabrigados foram encaminhados para o Centro Vocacional Tecnológico e à Arena (ginásio poliesportivo de Mariana). De acordo com o coronel Vinícius Teixeira, do Corpo de Bombeiros de Belo Horizonte, que atuou em operações de resgate, o trabalho de socorro às vítimas em Bento Rodrigues é considerado crítico e precisa de equipamentos específicos.

— A lama não permite que as pessoas caminhem de forma natural porque a lama é perigosa e pode levar os socorristas à morte. À noite não é possível fazer nada em casos como esses. Se não tiver condição de segurança, não é justificável que se coloque em risco a vida das pessoas — afirmou. — O local se transforma em uma areia movediça e o peso da pessoa num solo instável é perigoso. A lama está na altura do telhado. Quem pisar, corre grande risco de afundar e morrer afogado nessa lama. É uma operação a longo prazo — alerta.

O coronel Teixeira disse ainda que a lama precisa escorrer para que as equipes de resgate possam trabalhar com maior segurança:

— E somente aeronaves ou embarcações que possam de deslocar sobre essa lama conseguirão chegar ao local. Há risco de que corpos não sejam encontrados sob a lama.

MINISTRO VAI HOJE AO LOCAL DO ACIDENTE O governo colocou forças federais à disposição de Minas Gerais. Homens dos batalhões do Exército de São João Del Rei e Belo Horizonte foram deslocados para atuar no resgate junto aos soldados do Corpo de Bombeiros de Ouro Preto. Cães farejadores serão usados na localização das vítimas. Na manhã de hoje, o ministro da Integração, Gilberto Occhi, viajará a Mariana para acompanhar os trabalhos de resgate. A presidente Dilma Rousseff, que cumpria agenda em Alagoas, foi comunicada do rompimento da barragem no início da noite de ontem.

O Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), do Ministério da Integração Nacional, também atuará no local para evitar novos acidentes. Segundo a Casa Civil, a Força Nacional do Sistema Único de Saúde foi acionada para auxiliar no resgate. Policiais, guardas municipais e agentes da Defesa Civil de Mariana também participam do trabalho.

Representantes do Núcleo de Combate aos Crimes Ambientais do Ministério Público Estadual de Minas Gerais foram deslocados para a região de Bento Rodrigues. Um inquérito civil será instaurado para apurar as causas do rompimento da barragem, segundo o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto. Coordenador do núcleo, ele disse que o acidente é sem precedentes e lamentável, e que foram tomadas medidas emergenciais para isolar a área. Ferreira Pinto acrescentou que nenhuma barragem se rompe por acaso, mas ressaltou que é prematuro dizer qual é a causa. O MP não recebeu nenhum tipo de denúncia sobre a barragem de Fundão. (Com informações do G1. *Estagiário sob supervisão de Rodrigo Taves. ** Especial para O GLOBO).