O globo, n. 30041, 06/11/2015. País, p. 4

Ambientalistas alertam para riscos de contaminação de rios

 

MÁRCIO MENASCE

Resíduos do acidente em Bento Rodrigues podem conter metais pesados.

“O impacto nas águas só vai poder ser medido após análise química desses resíduos” Márcio Almeida Professor da UFRJ.

-RIO E BRASÍLIA- O acidente na barragem de rejeitos no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, (MG), pode ter impactos nas águas dos rios próximos e até dos que são alimentados por esses leitos. Esse é o maior risco ambiental do acidente, segundo especialistas. Oceanógrafo químico e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Júlio César Wasserman, diz que o impacto ambiental terá que ser monitorado pelos próximos anos.

— É preciso avaliar exatamente quais os compostos químicos presentes nestes rejeitos que vazaram. O mais comum na atividade de mineração é a presença do que chamamos de lixívia ácida e os chamados metais pesados. O maior risco desses materiais é que eles podem afetar a cadeia trófica. Ou seja, eles contaminam as plantas presentes na água, o peixe se alimenta delas e quando o homem come esse peixe, pode também ser contaminado. Mas esse impacto só seria sentido daqui a cerca de dois anos — diz Wasserman.

OUTRAS CIDADES EM RISCO O professor afirma que a contaminação não acarreta riscos de vida para as pessoas. Segundo ele, apenas o contato com a lama proveniente do vazamento e a ingestão de água da região não devem ter impactos significativos aos moradores, em caso de contaminação por metais pesados:

— Esses materiais não são absorvidos pelo organismo no contato com a pele ou na ingestão de água. Não me parece que seja caso para a população parar de consumir peixe ou água.

O professor de Mecânica dos solos e geotecnia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Márcio Almeida alerta que a contaminação pelo acidente pode chegar a outras cidades da região:

— Se o material derramado chegar aos rios, pode ser levado para outras cidades. O impacto nas águas só vai poder ser medido após uma análise química desses resíduos provenientes do vazamento.

Para o professor da UFRJ Paulo Rosman, especialista em engenharia costeira, o tipo de barragem usado em Bento Rodrigues é o comum para a mineração. Segundo ele, há várias razões possíveis para o vazamento.

— Existem vários fatores que podem ter levado à ruptura da barragem. Pode ter chovido além do volume previsto no projeto da construção, ou por exemplo, pode ter acontecido o que chamamos de piping ,queé quando a água vai encontrando um caminho por entre a barragem, que provavelmente é feita de terra, até esse buraco aumentar de diâmetro. O que tem que ser feito é o monitoramento constante pelos órgãos ambientais — alerta.

Em entrevista à Rádio CBN, o comandante do Corpo de Bombeiros de Mariana, Adão Severino Júnior, afirmou que a lama é tóxica:

— Onde passa, não nasce nem capim.

Já o coronel Vinícius Teixeira, do Corpo de Bombeiros de Belo Horizonte, experiente em casos de resgate, ressaltou que resgate na lama é um trabalho perigoso e que requer equipamentos especiais.

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Mineradora diz ainda não saber as causas do acidente

 

Ações da Vale, uma das proprietárias da Samarco, caem nas bolsas de SP e Nova York.

A empresa Samarco Mineração, responsável pela barragem, informou em nota ontem à noite que ainda não era possível saber as causas e extensão do acidente. A empresa, que é controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton, disse que está “mobilizando todos os esforços para priorizar o atendimento às pessoas e a mitigação de danos ao meio ambiente”.

A Samarco tem suas próprias minas, localizadas em Ouro Preto e Mariana. De lá extrai o minério de ferro. Em seguida, esse minério é beneficiado, isto é, ele é enriquecido, de modo a elevar seu teor de ferro e, assim, transformá-lo em produto de maior valor. Nesse processo, o ferro é separado das impurezas do minério. Como no processo de separação são usadas substâncias químicas e água, é formada uma espécie de lama contendo impurezas e químicos, que é armazenada nas barragens em Minas Gerais. A Samarco diz que esses químicos não são tóxicos.

O minério enriquecido segue para o Espírito Santo, onde é transformado em pelotas. A Samarco tem quatro unidades de pelotização no estado, com capacidade para 30,5 milhões de toneladas de pelotas. A produção é voltada para a exportação.

De acordo com a empresa, “as autoridades foram devidamente informadas e as equipes responsáveis já estão no local prestando assistência”.

A empresa Samarco Mineração também aconselha a população a não se deslocar para o local do acidente.

“Não é possível, neste momento, confirmar as causas e extensão do ocorrido, bem como a existência de vítimas. Por questão de segurança, a Samarco reitera a importância de que não haja deslocamentos de pessoas para o local do ocorrido, exceto as equipes envolvidas no atendimento de emergência”.

Ontem, as ações da Vale caíram 1,63% na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Na Bolsa de Nova York, que fecha às 19h (de Brasília) por causa do horário de verão, o recuo foi maior. Os papéis caíram 3,73%. Procurada, a Vale não comentou o acidente. Nenhum representante da BHP foi localizado.

Segundo a versão preliminar do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, foram produzidos 2,179 bilhões de toneladas de rejeitos de mineração no Brasil entre 1996 e 2005, dos quais 35% na atividade de minério de ferro. A previsão para o período 2010-2030 é de 11,409 bilhões de toneladas de rejeitos. De novo, o minério de ferro lidera a produção de resíduos, com 41,38% do total previsto.