Título: Estrago irreversível
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 15/09/2011, Ciência, p. 32

Pesquisa publicada na revista Nature, realizada com participação do instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia,mostra que as florestas tropicais primarias degradas nunca recuperam sua biodiversidade integralmente

Graças ás flores tropicais, as grandes nuvens de chuva se formam, a maioria das nascentes consegue produzir água e a maior parte das espécies animais do mundo encontra abrigo e alimento .E essas são apenas algumas das inúmeras razões para a preservação dessas formações vegetais . No entanto, uma pesquisa divulgada na edição de hoje da revista Nature, feita por pesquisadores do panamá , dos Estados Unidos e do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), trouxe um novo motivo para manter a salvo as florestas.Segundo o estudo, uma vez degradadas, as chamadas florestas primárias ¿ aqueles trechos de mata onde houve pouca ou nenhuma ação humana ¿ nunca mais conseguem recuperar a sua diversidade.Ou seja: a destruição é um caminho sem volta.

O estudo analisou e comparou dados de 138 análises anteriores feitas em todas as florestas tropicais do mundo, na Ásia, na África e nas Américas. Com posse dos dados de biodiversidade dessas regiões, os pesquisadores compraram a quantidade de espécies nos trechos de floresta que sofrem modificação com aquelas "virgens".

Em todas as regiões analisadas , as florestas se mostravam mais fracas depois da ação humana , mesmo nos casos onde essa intervenção foi passageira. " Se uma área degradada de alguma forma pela ação humana é recuperada posteriormente, ela infelizmente não consegue recompor a biodiversidade anterior a essa ação.Pode-se chegar próximo,mas nunca exatamente ao que era antes" explica ao CORREIO um dos autores da pesquisa , Thomas Lovejoy, colaborador do Inpa e do Smithsonian Tropical Research Institution,do Paraná .

Para medir o impacto da intervenção humana, os cientistas criaram um índice que varia de zero a um, sendo que quanto mais próximo de zero, menos perda de espécies o ambiente sofreu. O método o ajudou a concluir também que o tamanho do estrago varia de acordo com a localização geográfica. Enquanto na América Central e no México o impacto da intervenção humana na biodiversidade é baixo , um índice de apenas 0,1, nas regiões florestais da Ásia , esse impacto salta para 0,9. "Isso se deve especialmente ao tipo de formação vegetal das regiões . Na Ásia, toda biodiversidade se baseia em árvores de uma única família , por isso uma alteração consegue ser mais destrutiva do que em regiões como América do Sul, onde a biodiversidade é bem maior" conta Lovejoy

QUEIMADAS

A discrepância entre os impactos nas diversas regiões tropicais também é explicada pelo tipo de ação Humana.Enquanto a taxa de alterações da biodiversidade em função da agrossilvicultura (plantio de árvores de interesse comercial que, muitas vezes,desequilibra as florestas ) foi de 0,65, em média , a retirada da cobertura para a criação de pastagem para o gado gerou um impacto de grandeza 0,48.

No entanto, um dos campeões de impacto são velhas conhecidas dos brasileiros: as queimadas. O índice de alteração causado pelo fogo foi de 0,87. Proteger as florestas nacionais das chamas vem sendo um dos principais desafios para o Brasil.No inicio do mês , por exemplo , o fogo atingiu áreas florestais em Santa Bárbara , Catas Altas e Serra do Curral, próximas a Belo Horizonte , uma das regiões de Mata Atlântica de Minas Gerais. Efeito semelhante acontece com áreas de borda da Amazônia situada na divisa com o cerrado, especialmente no Pará e em Mato Grosso.Lovejoy alerta que, além da perda de biodiversidade , os efeitos das queimadas podem ser sentidos durante anos. " Quando uma região de floresta é atingida pelo fogo, não é apenas a parcela queimada que sofre," conta. "As matas próximas ficam muito mais vulneráveis e, nos anos seguintes , elas tem uma chance maior se serem destruídas pelo fogo. Daí a importância de se proteger essas regiões." Completa o especialista.

CIDADES

Para a diretora de gestão do Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, com relação às florestas, não basta simplesmente criar reservas que as protejam . "A Mata Atlântica, por exemplo, está localizada em uma região densamente povoada, em que o fogo ou problema provenientes das cidades podem se alastrar por áreas que são protegidas , com reservas e parques," avalia a ambientalista , que aponta o desmatamento como um dos principais desafios á gestão das florestas nacionais. "Em algumas regiões, como Minas Gerais, por exemplo, o desmatamento para a fabricação de carvão ainda é grave. Quando essas áreas são reflorestadas, muitas vezes é com eucalipto, o que não devolve a biodiversidade," Completa .

O professor de engenharia florestal da Universidade de Brasília (UNB) Eleazar Volpato explica que mesmo que, mesmo nas áreas que já foram tocadas, é importante implantar iniciativas de conservação. "Hoje a recuperação de florestas no Brasil é trágica. Em estados como o Paraná por exemplo , apenas 17% do território é de cobertura florestas.Na Europa, por exemplo,a cobertura florestal esta mais presente em cerca de 44%do território." Conta o pesquisador. "Por lá, são matas reflorestadas, plantadas depois que a sociedade tomou consciência da importância da preservação ambiental. Aqui no Brasil, não se vê ações como essa. Um vez desmatada, a região é dada como "perdida", o que não é verdade,"completa .