O globo, n. 30040, 05/11/2015. País, p. 3

‘Postura negligente’

 
EDUARDO BRESCIANI 

TCU investiga responsabilidade de Dilma e do Conselho da Petrobras por prejuízo com refinarias.

O TCU apura a responsabilidade da presidente Dilma e de outros ex-conselheiros da Petrobras pelo prejuízo com refinarias no Maranhão e no Ceará. -BRASÍLIA- O Tribunal de Contas da União (TCU) abrirá processo para avaliar a responsabilidade da presidente Dilma Rousseff e dos demais exconselheiros da Petrobras pelo prejuízo no projeto de implantação das refinarias Premium I, no Maranhão, e Premium II, no Ceará. A Petrobras desistiu este ano de levar os projetos adiante, e reconheceu um prejuízo contábil de R$ 2,8 bilhões nos empreendimentos.

O acórdão, aprovado ontem por unanimidade e proposto pelo ministro José Múcio Monteiro, afirma que é preciso verificar se houve “omissão” do Conselho de Administração no dever de fiscalizar as decisões da diretoria executiva. Múcio, em seu voto, diz que a apuração feita pelo TCU no caso das refinarias Premium aponta uma conduta “negligente” do Conselho, e que isso pode ter impactado outros projetos.

Os ministros do TCU pedem que também seja avaliada a “possível conduta omissiva” dos conselheiros em outros dois projetos: a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

“A postura negligente sinalizada nestes autos pode ter tido implicações para outros projetos da Petrobras (como as refinarias do Comperj e da Rnest). Desse modo, acolho a proposta de instauração de novo processo para cuidar somente do tema”, registrou o ministro José Múcio.

À FRENTE DO CONSELHO ENTRE 2003 E 2010

Dilma esteve à frente do Conselho de Administração da Petrobras de 2003 até abril de 2010, quando deixou a Casa Civil para ser candidata à Presidência da República. Foi no período em que ela estava no comando do Conselho que ocorreu a decisão considerada pela área técnica do TCU como a mais nociva à Petrobras nesse projeto: em agosto de 2009, a diretoria executiva da estatal decidiu, ao mesmo tempo, retornar o projeto para uma fase mais conceitual (a fase 1) e autorizar a contratação de projetos básicos e obras de implementação de infraestrutura, como supressão de vegetação e terraplanagem.

Foi com base nessa decisão que, ainda nos primeiros meses de 2010, foram lançadas as licitações para as primeiras obras na refinaria Premium I, do Maranhão, a primeira a ser iniciada.

“Talvez seja essa a decisão mais significativa, em termos da caracterização da ‘gestão temerária’ do empreendimento. A partir dela, numerário financeiro significativo foi empregado, sem, ainda, haver definição precisa da viabilidade do negócio, segundo metodologia apregoada pelos próprios normativos internos da Petrobras”, aponta o TCU.

Os técnicos observam que, com a autorização recebida pela diretoria, as primeiras obras foram levadas adiante, e não houve preocupação das diretorias de Abastecimento e de Engenharia de levar à diretoria executiva novos projetos para discutir o avanço de fase do projeto. Essas diretorias foram ocupadas até 2012 por Paulo Roberto Costa e Renato Duque. Ambos acabaram presos na Operação Lava-Jato. Costa virou delator do esquema de corrupção.

Somente quatro anos depois das decisões do Conselho, e com as obras de terraplanagem em andamento, em 2013, a diretoria executiva retomou o debate sobre o projeto e o colocou na fase 3, próxima à implementação. Os técnicos do TCU, porém, ressaltam que, nessa ocasião, documentos internos da própria companhia apontavam para o prejuízo de levar o negócio adiante. Os cálculos indicavam 98,4% de chances de prejuízo no caso da refinaria do Maranhão e 97,8% em relação à do Ceará.

Em seu voto, José Múcio observa que os conselheiros, todos os anos, recebiam informações sobre o andamento do projeto no debate sobre o plano de negócios da Petrobras. Ressalta que, por esse motivo, o projeto era estratégico para a companhia e merecia atuação mais “diligente” do Conselho em seu desenvolvimento.

PREJUÍZOS PARA MARANHÃO E CEARÁ

O acórdão aprovado pede à área técnica do TCU que avalie se o “dever de diligência” foi cumprido pelo Conselho; se houve “conduta omissiva” do órgão diante dos projetos da área de Abastecimento; e se os presidentes da companhia entre 2006 e 2014, José Sérgio Gabrielli e Graça Foster, omitiram informações do projeto aos conselheiros. Procurada, a Secretaria de Imprensa da Presidência disse que não comenta sobre investigação em andamento.

Os ministros ainda pedem informações à Polícia Federal e ao Ministério Público para saber se a Lava-Jato tem registro de irregularidades nas refinarias. O TCU pediu também que a Petrobras se manifeste sobre os indícios de irregularidades, e as providências adotadas pela empresa para reduzir prejuízos dos estados de Maranhão e Ceará no projeto.

Podem ser chamados a responder pelos prejuízos os ex-presidentes Gabrielli e Graça Foster, os ex-diretores da companha no período de 2006 a 2014, além de outros funcionários. Entre os citados estão Costa, Duque, o ex-diretor Jorge Zelada, da área internacional, e o ex-gerente Pedro Barusco, todos alvo da Lava-Jato.

Em outros dois processos analisados ontem, o TCU apontou prejuízos da Petrobras em contratos específicos. Gabrielli e Graça Foster vão responder por prejuízo de US$ 3,7 milhões com a contratação da Odebrecht para obras em refinarias no exterior. No caso do Comperj, os ministros convocaram funcionários de escalões inferiores da companhia para responder por um prejuízo de R$ 2,6 milhões relativos à contratação de uma linha de transmissão.

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Governo entrega a Renan defesa sobre ‘pedaladas fiscais’

 
André de Souza, Catarina Alencastro e Washington Luiz

Advogado-geral da União diz que acórdão do TCU admite atrasos nos repasses aos bancos.

-BRASÍLIA- O governo entregou ontem ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a defesa sobre as contas presidenciais de 2014. Elas foram rejeitadas pelo TCU em 7 de outubro, mas a palavra final sobre o assunto é do Congresso. No documento, o governo repete os argumentos já apresentados ao TCU e ainda aponta o que entende ser uma contradição na decisão do tribunal relativa às chamadas “pedaladas fiscais”. A eventual reprovação das contas dará força aos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Para o TCU, as pedaladas fiscais tiveram o objetivo de melhorar artificialmente as contas públicas, configurando uma operação de crédito proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo atrasou repasses aos bancos públicos responsáveis pelo pagamento de Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e seguro-desemprego, forçando-os a usar recursos próprios para cobrir as despesas.

Segundo o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, o acórdão do TCU admite atrasos nos repasses aos bancos em operações pequenas. Mas Adams argumenta que, se isso é uma infração, não poderia ocorrer em hipótese nenhuma, não importando o tamanho da operação. O TCU concluiu a existência de distorções envolvendo R$ 106 bilhões na execução orçamentária de 2014, dos quais R$ 40 bi se referem às “pedaladas”.

Embora defenda que não houve infração, Adams diz também que o governo vem atendendo às recomendações do TCU. Ele lembrou que o governo publicou em outubro decreto impondo limites às “pedaladas”. 

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Visita a obra que TCU considera irregular

 

Dilma vai hoje ao Canal do Sertão, em Alagoas, para o qual tribunal recomenda suspender repasses.

Apresidente Dilma Rousseff vai hoje a Inhapi, no sertão alagoano, inaugurar o trecho de uma obra na qual o Tribunal de Contas da União vê irregularidades graves e recomenda ao Congresso Nacional a suspensão parcial de repasses. O terceiro trecho do Canal do Sertão tem mais de 30 km de extensão e atende a quatro municípios. O TCU ressalta que aditivos contratuais foram feitos de forma irregular.

No caso específico do trecho 3, os técnicos do TCU contestam mudanças feitas no projeto que geraram, por um lado, acréscimo de 75,7% nos gastos e, por outro, registravam omissão de despesas. Para o tribunal, as alterações evidenciam falhas no projeto e indicam que possa ter havido sobrepreço. O Tribunal de Contas questiona também os trechos 4 e 5, ainda em andamento.

A recomendação de suspensão foi feita no âmbito do Fiscobras. Ao todo, o TCU encontrou irregularidades graves em 61 obras. Além da obra em Alagoas, foi recomendada a suspensão parcial de repasses às obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, da Ferrovia NorteSul, em Goiás, e do terminal fluvial Barcelos, no Amazonas. Em outras cinco obras as irregularidades são ainda mais graves e o TCU recomenda a paralisação: construção da Vila Olímpica de Paranaíba (PI), pavimentação da BR-448, no Rio Grande do Sul, e três obras de mobilidade urbana em São Paulo.