O globo, n. 30040, 05/11/2015. País, p. 6

Picciani já articula para assumir vaga de Cunha

 

JÚNIA GAMA

Deputado do Rio é visto pelo Planalto como melhor nome; relator de processo de cassação será conhecido hoje.

-BRASÍLIA- Um dia após a instauração do processo de cassação do mandato de Eduardo Cunha no Conselho de Ética, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, desembarcou ontem em Brasília, ampliando o debate sobre a sucessão à presidência da Câmara. Ele esteve no Palácio do Planalto reunido com a presidente Dilma Rousseff, o ministro Ricardo Berzoini (Governo) e o assessor especial Giles Azevedo. O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani — filho de Jorge —, é visto pelo Planalto como um fiel aliado e o melhor nome para assumir a vaga de Cunha.

Segundo relatos de deputados da base, a sucessão foi tratada na reunião com Dilma, que já esteve ao menos duas vezes com os Picciani desde meados deste ano para negociações diretas depois que Cunha rompeu com o governo. Depois, Jorge Picciani esteve também com o ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão. Segundo relatos, a conversa também tratou da sucessão na Câmara, mas Valdemar teria dito que “não é momento” de se discutir o assunto e não ofereceu garantias de que o PR irá apoiar Leonardo Picciani para a presidência da Câmara.

ANIVERSÁRIO COM PERFIL DE “FESTA DA SUCESSÃO”

Cunha está irritadíssimo com Leonardo. Além das conversas de seu pai para viabilizar seu nome, Leonardo também fez duas comemorações antecipadas de seu aniversário, que ocorre amanhã, com perfil de “festa da sucessão”, segundo convidados. Na noite de terça-feira, houve jantar para cerca de 50 pessoas na casa do empresário Antônio Venâncio, o mesmo que foi anfitrião de Cunha quando ele disputou a presidência da Câmara. Ontem, um almoço na casa do deputado Fabio Ramalho (PV-MG) teve a presença do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.

Em almoço mais discreto e menos prestigiado em sua residência oficial ontem, Cunha comentou com deputados da base sua revolta.

— Ele está desencadeando a sucessão neste momento turbulento pelo qual estou passando — disse Cunha, segundo relatos.

A movimentação deixou deputados da base e da oposição ressabiados em relação a Picciani. Eles acreditam ser precoce investir desta maneira na disputa e lembram que Cunha terá poder de influenciar sua sucessão.

O presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PSD-BA), adiou para hoje, ao meio-dia, o anúncio do nome do relator no processo de cassação do mandato de Cunha. Araújo quis finalizar algumas conversas antes de decidir. O favorito é o deputado Fausto Pinato (PRB-SP), que tem boa relação com aliados de Cunha.

Araújo disse ter conversado com os três deputados sorteados — além de Pinato, Vinícius Gurgel (PR-AP) e Zé Geraldo (PT-PA) — e com pessoas próximas a eles para obter informações.

— Tenho que tomar todas as precauções, porque não posso errar. Tenho que me cercar de todo tipo de informação antes de decidir — justificou.

O presidente do Conselho de Ética também procurou o líder do PRB, Celso Russomanno (SP), para sondar se o partido pretendia exercer alguma influência sobre Pinato.

— O partido não vai interferir no processo, quer única e exclusivamente que Pinato seja correto e sério nessa demanda — disse Russomanno.

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‘Trouxemos tua encomenda da Suíça’

 
EVANDRO ÉBOLI, ISABEL BRAGA E CHICO DE GOIS 

Manifestante joga notas falsas de US$ 100 sobre o presidente da Câmara, que diz que não vai se intimidar por ‘militante encomendado’ para agredi-lo; outra confusão envolveu petistas e grupo pró-impeachment de Dilma.

Entrevista do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é interrompida por manifestante que atirou nele cédulas falsas de dólar, com a imagem do deputado. O Conselho de Ética adiou a escolha do relator do processo contra ele. Opresidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), passou ontem por mais uma cena de constrangimento. O secretário-geral da União Nacional dos Estudantes (UNE), Thiago Pará, interrompeu uma entrevista coletiva de Cunha com um banho de notas falsas de US$ 100, que caíram na frente do peemedebista. As notas tinham estampado o rosto de Cunha. Thiago tem 26 anos e integra o movimento Levante Popular da Juventude, que, na última segunda-feira, fez um ato em frente à casa de Cunha. Além de jogar as notas, o militante gritou: — Trouxemos tua encomenda da Suíça, Cunha!

O militante foi contido pelos seguranças da Polícia Legislativa e levado à força para depor. Antes de entrar na sala, ainda gritou:

— Cunha é corrupto, ladrão. Tem que sair. É um conservador.

As fotos do protesto foram distribuídas pela Agência PT. Naquele momento, Cunha falava sobre outra confusão ocorrida um pouco antes, que envolveu deputados e funcionários do PT e manifestantes pró-impeachment que estão acorrentados a uma pilastra no Salão Verde. Cunha afirmou que tomará providências para garantir a ordem na Casa, referindo-se tanto ao manifestante que o agrediu, quanto aos outros militantes que se envolveram em confusão com deputados e assessores. Indagado se o constrangimento que sofreu, diante das câmeras, poderia modificar sua posição de manter-se na presidência da Casa, Cunha reagiu:

— Eu não vou, por causa de um militante encomendado aqui para fazer uma agressão, me intimidar e constranger, achar que vai me intimidar, que não vai.... Ele foi contratado por alguém com um objetivo. Vocês não acham que eu vou pautar a minha atuação por causa de um militante.

Antes do episódio dos dólares, os manifestantes pró-impeachment bateram boca com petistas. Os deputados da oposição instalaram próximo a esse grupo um banner para colher assinaturas de parlamentares favoráveis ao afastamento de Dilma. A deputada Moema Gramacho (PT-BA) consultou Cunha sobre a irregularidade do painel no Salão Verde.

O presidente, segundo ela, prometeu tirálo do lugar. A parlamentar se postou próxima ao banner aguardando. Os manifestantes fizeram uma proteção para impedir a retirada, e começou a confusão. Houve empurra-empurra, e os dois lados se acusaram. Após o tumulto, o banner foi retirado e guardado pelos manifestantes pró-impeachment.