O globo, n. 30054, 19/11/2015. País, p. 3

Um dia D para Cunha

 
CHICO DE GOIS, ISABEL BRAGA E LETÍCIA FERNANDES

Conselho de Ética ouve hoje, dividido, parecer sobre processo de quebra de decoro.

O Conselho de Ética ouve hoje, dividido, o parecer do relator Fausto Pinato sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Aliados pedem que Cunha deixe o cargo. -BRASÍLIA- Um Conselho de Ética dividido começa a analisar hoje o processo de quebra de decoro contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ontem à noite, por meio de seu advogado, Marcelo Nobre, Cunha protocolou sua defesa, na qual pede o afastamento do relator Fausto Pinato (PRB-SP), inclusive solicitando que ele se abstenha de votar qualquer assunto referente ao peemedebista no conselho.

A estratégia de Cunha é protelar ao máximo seu julgamento e, para isso, já tem traçado os próximos passos. Caso não consiga afastar Pinato, ele irá recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde acredita ter maioria. Isso levaria a oposição a Cunha a também recorrer, desta vez ao plenário da Câmara, o que só contribuirá para que o peemedebista ganhe tempo. Nobre argumenta que Pinato prejulgou seu cliente.

— Ele apresentou açodadamente o relatório, sem aguarda a defesa, mesmo sabendo que iríamos entregá-la antes dele apresentar seus argumentos ao conselho — afirmou Nobre.

O advogado também utilizará um precedente do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSDBA), que, em maio de 2009, afastou o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) da relatoria do caso do deputado Edmar Moreira (sem partido-MG, que ficou conhecido por possuir um castelo), depois que o petebista manifestou-se favoravelmente ao colega antes mesmo de apresentar seu relatório. RISCO PARA A SESSÃO A pouco mais de doze horas do início da sessão, o presidente do conselho, José Carlos Araújo, afirmou ontem à noite que há risco de a sessão não se concretizar. A diretoria da Câmara marcou, no mesmo horário e no mesmo local, uma sessão da CPI sobre maus-tratos a animais.

— Ficou uma dúvida no mínimo estranha, porque pedimos o plenário há 15 dias e, até agora, não nos confirmaram se o teremos disponível. Tem que ver se tem alguém que não quer que o Conselho de Ética funcione amanhã — afirmou Araújo.

O advogado de Cunha também afirmou ao GLOBO que irá contestar as duas principais acusações contra seu cliente: de que Cunha teria recebido dinheiro de propina no esquema da Petrobras e de que teria mentido à CPI ao dizer que não tinha contas no exterior.

De acordo com o advogado, denúncia não é proTanto va, e a questão envolvendo a acusação de propina será tratada no Supremo Tribunal Federal (STF). Quanto às contas na Suíça, ele continuará alegando que tratam-se de trusts e que não necessitariam ser declaradas no Brasil. Para justificar seu argumento, Nobre recorrerá a um parecer do ex-ministro do STF Francisco Rezek, contratado por Cunha, que irá na mesma direção.

A defesa não vai utilizar as declarações de Cunha sobre a origem de seu dinheiro. Em entrevistas ao GLOBO, o presidente da Câmara afirmou que os recursos eram fruto de exportação de produtos na década de 1980 e operações no mercado financeiro internacional na década de 1990.

— Isso não está em discussão no Conselho de Ética — declarou Nobre.

Lembrado que as declarações de Cunha acerca dos milhões que tem na Suíça não foram bem recebidas pelos parlamentares — o PSDB inclusive rompeu com ele porque considerou os argumentos frágeis — Nobre afirmou que a tarefa dele é cuidar da parte jurídica. Cunha disse ontem que não irá ao Conselho de Ética para se defender nessa fase de julgamento do parecer preliminar.

— Tenho muita tranquilidade nos nossos argumentos. Não tem por que arrancar um mandato popular se não existem provas de que ele mentiu — disse o advogado.

No dia em que deverá ser lido o relatório de Pinato pela abertura da investigação, o Conselho de Ética estará rachado. Embora aliados de Cunha contabilizem um número maior de votos — 10 contra 8 —, os três votos apontados como indefinidos são de deputados que já disseram a aliados que devem votar pela abertura do processo. A disputa pelo “voto dos indecisos” passa pelo poder de Cunha de decidir sobre os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

o deputado Paulo Azi (DEM-BA) quanto parlamentares do PT disseram que preferem aguardar a leitura do relatório e admitem que podem levar em conta a conjuntura política. Um movimento do presidente da Câmara em relação ao pedido de impeachment pode mudar a correlação de forças na votação do relatório de Pinato. Para que o parecer seja aprovado são necessários pelo menos 11 votos favoráveis, já que o órgão tem 21 conselheiros e, em caso de empate, o presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA) — favorável à abertura da investigação — vota. E mesmo entre votos considerados pró-Cunha, pode haver surpresa, com deputados pesando até que ponto a decisão poderá influenciar sua vida política e de seus aliados. A votação deve acontecer só na próxima semana, porque muitos conselheiros já adiantam disposição de pedir vista. “NOSSO BASHAR AL ASSAD”

O jogo de pressão sobre os conselheiros continua. Segundo deputados, líderes da base próximos de Cunha pressionam o PT para o voto a favor dele. Nas conversas, um dos argumentos é que se Cunha cair, leva junto a presidente Dilma.

— É preciso que o PT entenda o momento político do Brasil. Isso significa ajudar a resolver os problemas políticos. O presidente Cunha não teve o direito de defesa e temos que dar a ele o exercício da dúvida. Se nem o Supremo decidiu sobre o processo dele, como abrir processo contra ele na Casa? — argumenta o líder do PTB, Jovair Arantes (GO).

Há pressão também sobre deputados da oposição, especialmente do DEM que não aceitou romper com Cunha, na esperança de que o presidente abra o impeachment como última cartada.

Continua forte, entre aliados e oposição a sensação de que Cunha se segura no cargo pelo menos até março. Os cálculos levam em conta manobras regimentais no próprio Conselho de Ética e recursos à Comissão de Constituição e Justiça e também ao Supremo Tribunal Federal, que esticariam a tramitação do processo. O Congresso entra em recesso em meados de dezembro e só retoma os trabalhos em fevereiro de 2016.

— Cunha é o nosso Bashar Al Assad. Quem imaginava há um ano que Al Assad ainda estaria no cargo? — comentou o líder do Solidariedade, Arthur Maia (BA).

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Pela ‘solução Renan’

JÚNIA GAMA

Aliados de Cunha vão tentar convencê-lo que melhor alternativa para salvar o mandato é renunciar à Presidência da Câmara para ser julgado ‘apenas como mais um deputado’.

Aliados avaliam que se Cunha se afastar da presidência irá para a “vala comum”, junto a outros na mesma situação, o que facilitaria um acordo de preservação

Uma expressão que vem sendo utilizada com frequência por políticos em Brasília diz que os melhores aliados acompanham seus pares alvejados por todo o cortejo fúnebre até chegar à cova, mas jamais pulam juntos dentro do túmulo. É com esse pensamento que pessoas do círculo mais próximo ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vêm conversando nos últimos dias sobre a melhor forma de levar ao peemedebista o alerta de que ele deve, para o bem de todos, construir uma “saída alternativa” para evitar a cassação do seu mandato no Conselho de Ética.

Eles voltaram a defender que Cunha se afaste da presidência da Casa para tentar preservar seu mandato e ser julgado no colegiado “apenas como mais um deputado”, já que existem dezenas de outros também investigados no esquema de corrupção da Petrobras e que sequer foram denunciados. A chamada “solução Renan”, uma referência ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) que, em 2007, renunciou ao cargo para evitar uma cassação, foi levantada há algum tempo como a melhor opção para Cunha, mas sua reação frontal desencorajou os aliados a insistirem na tese naquele momento.

Agora que Cunha perdeu o benefício da dúvida ao apresentar uma defesa por muitos considerada capenga, a alternativa voltou a ganhar força. Ela cresce à medida em que aumenta o incômodo entre aqueles que se sentem desgastados e intimidados a continuar a apoiá-lo. Pontos da defesa que apresentou à imprensa há cerca de duas semanas vêm sendo descontruídos com novas revelações e o “timing” calculado pelos aliados para a abordagem deverá ocorrer quando o peemedebista sofrer o próximo “baque”.

Um interlocutor próximo a Cunha diz que, se ele se afastar da presidência, irá para a “vala comum”, junto a outros na mesma situação, o que facilitaria um acordo de preservação. A prioridade, advogam, deve ser manter o mandato que lhe proporciona foro privilegiado. Se perdê-lo, Cunha, sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, e sua filha Danielle correm o risco de cair nas mãos do juiz Sérgio Moro, que vem se mostrando implacável com os envolvidos em corrupção.

Para outros menos otimistas, a esta altura do desenrolar dos fatos, mesmo com a renúncia à presidência da Câmara não seria possível garantir com segurança a salvação de Cunha no conselho.

— Vamos juntar algumas pessoas da relação mais próxima a ele para dizer que a situação se deteriora cada vez mais e que ele precisa achar uma alternativa. Se ele tivesse segurança que, renunciando à presidência, o conselho o salvaria, seria mais fácil ele acatar nossa sugestão. Mas até isso está difícil, porque todo dia ele perde um pouco mais de apoio e desgasta os aliados — afirma um dos deputados que está à frente do processo de convencimento.

A avaliação generalizada entre os “cunhistas” é que a exposição que os aliados vêm sofrendo tem crescido. Vários dos líderes que assinaram na semana passada nota de apoio, depois que o PSDB decidiu romper a aliança com o peemedebista, dizem que as demonstrações de amizade se encerraram naquele episódio. E destacam que o texto, chancelado por PMDB, PR, PP, PSD, PTB e PSC, não é uma garantia de sustentação a qualquer preço, pois apenas pleiteia o direito de defesa e a não interrupção dos trabalhos na Câmara.

— O apoio está ficando cada vez mais rarefeito, mas ele parece que não quer perceber isso — diz outro político próximo a Cunha.

A certeza cada vez maior de que o processo por quebra de decoro seguirá adiante e as cobranças nas bases eleitorais levaram esses deputados a voltar a defender a “solução Renan”. Mesmo para os entusiastas do impeachment, há a impressão de que o processo perde legitimidade se conduzido por Cunha.