Quem tem medo de Delcídio e Cerveró?
Julia Chaib, Eduardo Militão 
27/11/2015
 
Apesar da tentativa de afastar do Palácio do Planalto a sombra do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso na quarta-feira, e do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, o governo tem motivos para se preocupar com uma fala tanto do parlamentar quanto de uma delação premiada do ex-diretor da Petrobras, além de ter de se esforçar para votar medidas importantes no Congresso. Munidos de informação, ambos podem disparar ataques contra o governo. 
 
Em situação delicada, o Planalto emitiu ordem de não atacar, nem defender o parlamentar. É uma estratégia diferente da do partido ao qual pertence o líder, que adotou uma postura mais agressiva e de críticas frente o parlamentar. Delcídio foi preso em flagrante, acusado de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato e oferecer privilégios a Cerveró, em troca de silêncio.
 
No dia da ressaca da prisão do senador, a ordem da presidente Dilma Rousseff foi mostrar que o governo segue em frente e busca fazer o Congresso trabalhar e aprovar medidas caras, como a mudança na meta fiscal, considerada prioritária, apesar da perplexidade. O objetivo é também mostrar que a presidente apoia a Operação Lava-Jato. A prisão caiu como uma bomba no Planalto. O primeiro prejuízo foi sentido na análise do ajuste fiscal. Em almoço com a petista ontem, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, apresentou um cenário de que, se não fosse o caso, o governo teria conseguido aprovar a mudança na meta. O governo tentará aprovar na próxima semana. Mesmo olhando para frente, há motivos para temer uma delação de Cerveró e depoimento de Delcídio.
 
Gravação
Na gravação que embasou a prisão de Delcídio, Cerveró acusou Dilma de "saber de tudo" sobre a compra da refinaria de Pasadena, gerando prejuízos à estatal. A reunião em que Delcídio oferece pagar mesada e rota de fuga em troca do silêncio do ex-diretor da Petrobras foi gravada por Bernardo, filho de Cerveró. No encontro, o parlamentar diz ter visto uma proposta do acordo de delação de Cerveró e o dono da BTG Pactual, André Esteves, também preso, tinha uma minuta com anotações em que Cerveró acusava Dilma. "Aí,  por exemplo, no caso da Dilma, ele disse: a Dilma sabia de tudo de Passadena. Ela me cobrava diretamente. 'Pa Pa Pa' Fiz várias reuniões", diz Delcídio.
 
Além disso, Cerveró era próximo de políticos importantes, aliados de peso do governo que já foram citados na investigação. E ele tem acesso à compra de Pasadena (veja quadro). Na Lava-Jato, Delcídio foi citado pela primeira vez na delação do lobista Fernando Baiano, segundo o qual o parlamentar recebeu US$ 1,5 milhão pela compra da refinaria de Pasadena. O senador também foi citado no contrato da estatal que trata do aluguel de navios-sonda. Isso teria ocorrido em um acordo entre Jader Barbalho, Renan Calheiros e o ex-ministro Silas Rondeau, para dividir o valor de US$ 6 milhões.
 
Nas últimas semanas, Delcídio vinha conversando com pessoas próximas ao governo para dizer que o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, se sentia abandonado pelo governo e pelo partido. O governo não comentou a nota divulgada pelo presidente do PT, Rui Falcão, em que ele afirma que o PT não deve ser solidário a Delcídio e que o partido estuda expulsá-lo. Antes da publicação da nota, Wagner e o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, foram avisados, mas ambos analisaram que se tratou de uma posição partidária. 
 
Por que a delação de Cerveró e a prisão de Delcídio incomodam o governo
 
1)       Proximidade: assim, como o ex-diretor Paulo Roberto Costa, o ex-diretor Cerveró conversava pessoalmente com políticos e autoridades que lhe indicaram para o posto, tornando-se testemunha presencial desses encontros.
 
2)      Abandono: Delcídio foi abandonado pelo PT com uma nota que não o defendeu, apesar de ele ter sido um dos poucos a aceitarem a liderança do governo em tempos de crise. Há um receio de que ele incrimine governistas em represália. Apesar disso, a maioria dos colegas do partido no Senado tentou livrá-lo da cadeia.
 
3)      Gestão de bilhões: pelas mãos de Cerveró, passaram decisões de bilhões de reais e dólares na Diretoria Internacional da Petrobras, em contratos dentro e fora do país, e na direção financeira da BR Distribuidora.
 
4)      Contatos: Cerveró negociou com empresários e governantes estrangeiros, com potencial para, no mínimo, revelar acordos estratégicos feitos por Lula e Dilma.
 
5)      Dilma: no mau negócio da compra de Pasadena, Cerveró tratou com a presidente da República. Para se livrar da responsabilidade, a presidente pôs culpa em parecer da equipe de Cerveró, que, em tese, poderia revidar contra a petista agora.
 
6)      Renan e Jáder: os dois peemedebistas que lutaram pelo voto secreto sobre a prisão de Delcídio foram citados por Cerveró. Não é bom para o governo ter aliados de peso fragilizados em 
uma situação dessas.
 
7)      André Esteves: o banqueiro tem bons contatos políticos e está na mira dos investigadores. Colocar um homem de negócios na cadeia é sempre uma ameaça de delação, como a do dono do banco Schahin, que confirmou depoimento de Marcos Valério, que estava adormecido.
 
Correio braziliense, n. 19177, 27/11/2015. Política, p. 2