Governo corta R$ 10 bi para aprovar meta fiscal

ROSANA HESSEL

28/11/2015

Diante do risco de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e de abrir espaço para a volta da cobrança do impeachment, a presidente Dilma Rousseff liberará, na segunda-feira, decreto bloqueando R$ 10 bilhões do Orçamento deste ano. Serão suspensos pagamentos de contas de luz, de telefone, de bolsas de estudo no Brasil e no exterior e de diárias de viagens de servidores, incluindo policiais federais e fiscais da Receita Federal.

Com essa medida, o governo acredita que conseguirá sensibilizar o Congresso a aprovar, ainda na próxima semana, o projeto que muda a meta fiscal, de superavit R$ 66,3 bilhões, o equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB), para deficit de até R$ 119,9 bilhões (2,1% do PIB). A expectativa do Palácio do Planalto era de que a alteração fosse ratificada na última quarta-feira, mas a prisão do líder do governo, Delcídio do Amaral (PT-MS), acusado de atrapalhar as investigações da Lava-Jato, paralisou o Legislativo.

Segundo o Planalto, a União só voltará a liberar as verbas de despesas discricionárias (não obrigatórias) quando o objetivo do governo for atingido. A princípio, a votação do Projeto de Lei Número (PLN) 5 está marcada para a terça-feira. Mas há quatro vetos da presidente Dilma que precisam ser apreciados antes. Sendo assim, é possível que a mudança na meta fiscal só seja avaliada no dia seguinte. “O que estiver empenhado será pago, o restante está suspenso”, disse um técnico do Ministério do Planejamento.

Na avaliação do governo, o decreto de reprogramação das despesas segue as orientações do Tribunal de Contas da União (TCU), que rejeitou as contas da União de 2014 devido às pedaladas fiscais (atrasos nos repasses aos bancos públicos). O órgão ainda determinou que o pagamento dos atrasados seja feito de uma vez — cerca de R$ 57 bilhões, pelos cálculos do Ministério da Fazenda —, o que torna mais urgente a mudança da meta fiscal para todo o setor público.

Desconfiança
Antes de viajar à França, onde participará da abertura da Conferência sobre o Clima (COP21), Dilma se reuniu com ministros para montar a estratégia de votação da nova meta. Ela, inclusive, cancelou a ida ao Japão e ao Vietnã, para retornar ao Brasil e negociar diretamente com os parlamentares a aprovação do PLN-5. A presidente não admite uma derrota. Sabe que as consequências serão graves se o governo encerrar o ano sem meta para 2015. Para amenizar o impacto do bloqueio de recursos, o Planalto afirmou que os problemas não são financeiros, mas orçamentários. E podem ser resolvidos rapidamente.

Com o novo corte, o governo fará o terceiro contingenciamento no Orçamento neste ano e, mesmo assim, não conseguirá cumprir a meta fiscal. O primeiro, de R$ 69,9 bilhões, ocorreu em maio. O segundo, de R$ 26 bilhões, em setembro. Pelas contas de Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, tudo indica que o governo encerrará este ano com deficit de 1,1% do PIB, sem contar os R$ 57 bilhões previstos para o pagamento das “pedaladas”. Ele não acredita que o governo será capaz de entregar a meta de superavit de 0,7% do PIB em 2016. “Será impossível para o governo fazer essa economia. Isso exigirá um aumento de carga tributária, o que será muito difícil de ser aprovado na atual conjuntura”, alertou. Ele estima deficit de 0,9% do PIB para o próximo ano.

Memória
O shutdown de Obama

Desentendimentos entre a Câmara dos Representantes e o Senado dos Estados Unidos paralisaram o país por 17 dias, em 2013. Sem acordo sobre o Orçamento, que deveria ser votado até 30 de setembro, os parlamentares tiraram a capacidade de financiamento do governo do presidente Barack Obama, que, em 1º de outubro daquele ano, anunciou o shutdown — suspensão dos serviços públicos federais não essenciais.

Na ocasião, entre 800 mil e 1 milhão de servidores ficaram em casa, sem receber salários, e serviços como parques e museus tiveram as atividades suspensas. Somente em 17 de outubro, prazo final para aprovação do aumento do limite de endividamento do governo, o presidente norte-americano assinou a lei que permitiu a retomada dos serviços interrompidos e a elevação dos gastos. 


Correio braziliense, n. 19178, 28/11/2015. Brasil, p. 8