A discriminação do negro no trabalho

Sofia Vilela de Moraes e Silva 

20/11/2015

Insistentemente, propaga-se a ideia de que não existe racismo no Brasil. Contudo, rotineiramente, pessoas negras são revistadas, expulsas de ambientes públicos e privados, desabonadas, não contratadas, apelidadas e prejulgadas pela cor da pele. O goleiro de futebol Aranha, em plena Copa do Brasil, foi chamado de macaco por torcedores de time rival, assim como a atriz Taís Araújo e a jornalista Maria Júlia Coutinho, recentemente, foram agredidas nas redes sociais com frases racistas. O único intuito dos agressores é humilhar e desmerecer as vítimas, nutridos por ódio, ignorância e certa carga histórica e cultural de uma falsa ideia que as pessoas afrodescendentes seriam inferiores às pessoas de cor branca e etnia ocidental. 

Na esfera trabalhista, as pessoas negras ainda são excluídas do mercado de trabalho. Na fase pré-contratual, isso é, no momento da admissão ao emprego, é possível encontrar anúncios que fazem referência à cor da pele e à aparência dos candidatos. Durante o contrato de trabalho, ainda se observa que negros ocupam cargos com baixa possibilidade de progressão profissional, sofrem humilhações e assédio moral e recebem remuneração inferior às pessoas de cor branca. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2014, os trabalhadores negros ainda ganhavam, em média, 58% do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca. 

A mulher trabalhadora negra, por sua vez, é duplamente discriminada em razão do gênero e da raça, visto que, além do preconceito em relação à cor, enfrenta as discriminações pela clássica divisão sexual do trabalho. A verdade é que a discriminação, especialmente na esfera laboral, condena a parcela negra a uma vida como cidadãos de segunda categoria e mantém o ciclo de pobreza e exploração ao diminuir a possibilidade de distribuição de renda por meio do trabalho. 

A Convenção nº 111, da Organização Internacional do Trabalho, que trata sobre a matéria de discriminação em emprego e ocupação, define a discriminação nas relações de trabalho como "toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão". A Constituição brasileira de 1988, em art. 3º, IV, aduz que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". No caput do tão invocado art. 5º afirma que todos "são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [..]". No art. 7º, XXX, ainda, proíbe-se a "diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil". 

O Estado brasileiro, portanto, consagrou o princípio da igualdade e da vedação à discriminação. Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho, por meio da sua Coordenaria Nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, reconhece que o preconceito ainda impera, inclusive, nas relações laborais, bem como que é preciso refletir sobre a igualdade racial e propor políticas públicas e formas de inclusão da pessoa negra no mercado de trabalho. 

Não à toa que o 20 de novembro coincide com a morte do guerreiro Zumbi dos Palmares, pois se configura como uma data de resistência e luta contra o preconceito. É um momento para pensarmos nos reflexos do escravismo no processo histórico de constituição da sociedade brasileira e para não fingirmos que somos uma plena democracia racial. 

Correio braziliense, n. 19170, 20/11/2015. Opinião, p. 13