O globo, n. 30054, 19/11/2015. País, p. 11

Três poemas de Drummond são descobertos

 

LEONARDO CAZES

Textos, publicados em revista literária de São Carlos (SP) em 1929, foram encontrados por pesquisadora.

“O poema das mãos soluçantes, que se erguem num desejo e numa súplica”

Pesquisadora encontra três poemas do mineiro em São Carlos (SP). Três poemas desconhecidos de Carlos Drummond de Andrade foram encontrados por uma aluna do curso de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo. Mayra Fontebasso, que está no último ano da graduação, encontrou os trabalhos do poeta mineiro ao fazer um levantamento dos textos literários de autores modernistas publicados na revista “Raça”, editada em São Carlos entre 1927 e 1934, parte da sua pesquisa de iniciação científica sob orientação do professor Wilton José Marques.

Os poemas foram publicados originalmente em junho de 1929, no número 13 da revista, e não constam nem na “Bibliografia comentada de Carlos Drummond de Andrade (1918-1934)”, de Fernando Py, nem no inventário das obras do autor da Fundação Casa de Rui Barbosa, que guarda o seu acervo. Mayra e Marques também consultaram Antônio Carlos Secchin, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), um dos maiores especialistas no poeta mineiro. Secchin examinou o material e confirmou que se tratavam de textos inéditos. ESTILO PARTICULAR Os poemas chamam atenção pelo estilo: escritos em prosa poética, com traços simbolistas e penumbristas e marcados por um tom melancólico, características da produção do jovem Drummond. Contudo, o poeta se incorporou ao modernismo a partir de 1924, quando começou uma amizade e uma intensa correspondência com Mário de Andrade. Em 1929, sob forte influência das ideias andradianas, o autor mineiro já era um modernista convicto e no ano seguinte lançaria o livro “Alguma poesia”. Segundo Mayra, o mais provável é que os textos tenham sido escritos entre 1921 e 1924.

— As revistas do interior paulista nem sempre tinham financiamento garantido, então era comum que as publicações atrasassem anos. Eles devem ter recebido os poemas muito tempo antes, mas só conseguiram publicá-los na edição de junho de 1929 — diz a pesquisadora. — Na bibliografia elaborada pelo Fernando Py, ele elenca dois poemas formalmente muito semelhantes publicados em 1921 no “Diário de Minas”. Por isso localizamos os textos entre 1921 e 1924, a data limite. Neste ano, os modernistas paulistas fazem uma viagem a Belo Horizonte e Drummond entra em contato com eles.

A revista “Raça” teve 17 números, mas nem todos foram localizados em arquivos públicos e privados da região, afirma Mayra. A publicação foi dirigida pelo jornalista Orlando Damiano e teve, entre seus colaboradores, nomes como o próprio Mário de Andrade, Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia. A pesquisadora explica que a “Raça” se vinculava a uma corrente conservadora do modernismo, chamada de verde e amarela, e com conexões na oligarquia local, sua principal fonte de financiamento. A revista também publicava ensaios políticos e textos elogiosos a fazendeiros da região e seus filhos. Mayra acredita que os números perdidos podem trazer mais trabalhos desconhecidos de autores do período.

— Muitas das contribuições da revista vinham subscritas com a indicação de que eram inéditas, estavam sendo publicadas pela primeira vez. Por isso, creio que há uma boa chance de haver outros textos inéditos — afirma a pesquisadora. Como são belas as tuas mãos, como são belas as tuas mãos pálidas como uma canção em surdina...

As tuas mãos dançam a dança incerta do desejo, e afagam, e beijam e apertam...

As tuas mãos procuram no alto a lâmpada invisível, a lâmpada que nunca será tocada...

As tuas mãos procuram no alto a flor silenciosa, a flor que nunca será colhida...

Como é bela a volúpia inútil de teus dedos...

O poema das mãos que não terão outras mãos numa tarde fria de Junho

Pobres das mãos viúvas, mãos compridas e desoladas, que procuram em vão, desejam em vão...

Há em torno a elas a tristeza infinita de qualquer coisa que se perdeu para sempre...

E as mãos viúvas se encarquilham, trêmulas, cheias de rugas, vazias de outras mãos...

E as mãos viúvas tateiam, insones, — as friorentas mãos viúvas...

O poema dos olhos que adormeceram vendo a beleza da terra

Tudo eles viram, viram as águas quietas e suaves, as águas inquietas e sombrias...

E viram a alma das paisagens sob o outono, o voo dos pássaros vadios, e os crepúsculos sanguejantes...

E viram toda a beleza da terra, esparsa nas flores e nas nuvens, nos recantos de sombra e no dorso voluptuoso das colinas...

E a beleza da terra se fechou sobre eles e adormeceram vendo a beleza da terra...