O globo, n. 30053, 18/11/2015. País, p. 3

Perigo de tragédia ainda maior

 
JULIANA CASTRO

Mineradora agora admite risco de rompimento de mais duas barragens em Mariana (MG).

A mineradora Samarco admitiu ontem o risco de rompimento das barragens de Santarém e Germano, próximas à do Fundão, que se rompeu no dia 5 passado, em Minas. A empresa informou que faz “ações emergenciais necessárias” para reduzir o risco. O Ibama estima que o mar de lama, que está destruindo o Rio Doce e deixando milhares de pessoas sem água, chegará ao oceano, na costa do Espírito Santo, na sexta-feira. A presidente Dilma disse ontem que o trabalho de recuperação do Rio Doce o deixará “melhor do que estava antes”. A mineradora Samarco admitiu ontem que há o risco de rompimento das barragens de Santarém e Germano, em Mariana (MG), vizinhas à barragem de Fundão, que se rompeu no último dia 5, afetando cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Até ontem, a empresa negava esse risco. Em entrevista coletiva, representantes da empresa disseram estar trabalhando para diminuir o perigo de acidente.

— Tem o risco (de rompimento) e nós, para aumentar o fator de segurança e reduzirmos o risco, estamos fazendo as ações emergenciais necessárias — declarou o gerente-geral de projetos estruturais da Samarco, Germano Lopes.

A Samarco, cujos donos são a Vale e a angloaustraliana BHP, divulgou inicialmente que a barragem de Santarém também havia se rompido no dia 5, mas a informação foi corrigida. A mineradora afirmou que o que houve, na verdade, foi um “galgamento”. Isso significa que Santarém transbordou com os rejeitos da barragem de Fundão. Apesar disso, a empresa garante que “o maciço remanescente está íntegro, mesmo estando parcialmente erodido”.

ABAIXO DO FATOR DE SEGURANÇA

O diretor de operações e infraestrutura da Samarco, Kléber Terra, explicou na entrevista coletiva que o fator de segurança na barragem de Santarém é de 1,37 numa escala de 0 a 2. Esse valor significa uma estabilidade de 37% acima do equilíbrio mínimo, que é 1. Na de Germano, o diretor afirmou que um dos três diques, o Selinha, tem índice de 1,22, o menor em todo o complexo.

O fator de segurança, estabelecido pela norma técnica NBR 13028, prevê que a estrutura deve ter, no mínimo, o fator de segurança de 1,5 — numa condição normal de operação. Em condições adversas, é admitido 1,3. Germano Lopes disse que, antes do rompimento, a barragem de Fundão tinha fator de segurança de 1,58.

Professor de Recursos Hídricos da Unesp, Jefferson Oliveira concorda que existe o risco de rompimento das barragens. Ele explica que a escala tem o valor de 0 a 2 porque as barragens em Mariana são altas, com mais de 20 metros.

— Quanto mais alta a barragem, menor o fator de segurança e maior é o risco — afirmou o professor, explicando que as chuvas na região podem piorar a situação porque podem trazer mais peso às barragens. — Toda barragem corre o risco de se romper. Elas são um equipamento muito perigoso. Tem que ter um plano de ação emergencial e monitoramento constante.

ATÉ TRÊS MESES DE OBRA

Santarém e Germano passam agora por obras emergenciais. Blocos de rocha estão sendo colocados de cima para baixo, para reforçar a estrutura. Este procedimento deve durar cerca de 45 dias em Germano e 90 dias na de Santarém. A Samarco planeja, na área das barragens, construção de diques à frente de Santarém para conter os rejeitos, que continuam vazando.

A mineradora informou que vai utilizar floculantes, como deve ocorrer no Rio Doce. O uso desse produto — que faz com que os detritos sólidos se aglomerem e precipitem para o fundo do rio — foi uma das medidas sugeridas pelo Ibama para diminuir o impacto do desastre. Os sedimentos serão retirados por dragas e colocados em “ecobags”, que funcionam como filtro, por meio do qual o material sólido é retido.

O maciço — que é o corpo principal — da barragem de Santarém está preservado, segundo a mineradora, embora haja danos no ponto mais alto, chamado de crista, e em parte do vertedouro, estrutura que permite a saída de água.

— A barragem de Santarém está com volume de 5,5 a 6 milhões de metros cúbicos de sedimentos retidos. A barragem de Fundão, para a gente comparar, estava com 55 milhões de metros cúbicos. A gente está falando de uma escala dez vezes menor — disse Terra.

A Samarco informou na semana passada que a barragem de Germano está exaurida, mas não divulgou o volume atual e a capacidade da estrutura. Kléber Terra disse que é feito um monitoramento contínuo, e que não foi percebida nenhuma movimentação das barragens.

A Samarco vai enfrentar investigações em várias frentes. A Polícia Federal informou que abriu ontem inquérito para apurar o crime ambiental no Rio Doce. A Polícia Civil em Minas investiga a destruição de distritos de Mariana. Moradores desses distritos já começaram a ser ouvidos.

A lama chegou anteontem a Baixo Guandu, no Espírito Santo. Moradores foram até a Ponte Mauá para ver a água turva chegar. A cidade passou a fazer a captação do Rio Guandu, suspendendo o uso da água do Rio Doce. A geração de energia da Usina de Mascarenhas foi interrompida. Ontem, o Ministério Público do Espírito Santo informou que as pessoas que sobrevivem das águas do Rio Doce terão “renda mínima de sobrevivência” paga pela Samarco.

SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM MUNICÍPIOS

Enquanto a lama segue para o Espírito Santo, o governo de Minas decretou por 180 dias situação de emergência na região na Bacia do Rio Doce e nos municípios afetados. Com isso, as cidades têm mais agilidade na execução de obras emergenciais.

Os danos causados pela tragédia continuam gerando protestos contra a Vale. Na noite de anteontem, manifestantes picharam a portaria da empresa em Vitória, que teve os vidros quebrados. Em meio aos atos, a Vale divulgou ontem que a água fornecida para Governador Valadares (MG) não tinha querosene, contestando informação divulgada pela prefeitura. (Com informações do G1)

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Dilma: Rio Doce ficará ‘melhor do que estava antes’

CATARINA ALENCASTRO 
WASHINGTON LUIZ 

Presidente anuncia plano de recuperação da bacia, mas não informa metas e prazos.

-BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que vai transformar a tragédia provocada pelo rompimento das barragens num caso exemplar de recuperação ambiental. Sem informar qual plano será executado, nem quanto tempo levará para ser concluído, Dilma disse que quer fazer o Rio Doce voltar a ser o que já foi no passado distante, quando a Mata Atlântica dominava a paisagem de região que hoje é ladeada de campos e barragens de mineração.

— Se houve esse desastre, se houve essa calamidade, se nós perdemos vidas humanas, se populações municipais foram atingidas, o que eu acho que nós temos de fazer é dar um exemplo: é recuperar esse rio, revitalizá-lo, mas revitalizá-lo não só olhando o que aconteceu no curtíssimo prazo, mas revitalizá-lo no sentido de torná-lo novamente o rio que ele foi antes de nós, humanos, através ou de empresas ou de vários processos, termos chegado ali — disse Dilma.

A presidente ainda afirmou que o objetivo é tornar o Rio Doce “melhor do que estava antes”, e recuperá-lo para melhorar as condições de vida na região:

— Quando nós falamos de recuperação, é recuperação, inclusive, tornando-o melhor do que estava antes, revitalizando as nascentes, olhando toda a mata ciliar, que é fundamental para ele recuperar a sua vida, enfim, para melhorar até as condições de vida naquela região.

Após reunir ministros e os governadores Fernando Pimentel (Minas Gerais) e Paulo Hartung (Espírito Santo), a presidente informou que a Samarco arcará com “parte expressiva” desse plano. No entanto, ponderou que ainda não é possível estimar o valor que será de responsabilidade da empresa, pois será preciso “reconstruir a natureza”:

— Uma parte muito expressiva terá de ser feita por ressarcimento de responsabilidade da empresa. É o tipo da coisa (o valor) que a gente não fala. Não é só porque não temos todo o tamanho do desastre, é porque não temos também a noção de quanto tempo vai levar para recuperar.

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que estão sendo feitos vários estudos sobre os danos ambientais e um levantamento socioeconômico das famílias atingidas. O processo de recuperação da bacia do Rio Doce, informou, levará no mínimo uma década. Izabella disse que vai avaliar possíveis mudanças na legislação para evitar novas tragédias como a de Mariana.

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Ibama prevê que lama chegará ao Oceano Atlântico na sexta-feira

 

VINICIUS SASSINE

Presidente do órgão diz que novas multas à mineradora Samarco estão sendo estudadas.

O mar de lama da mineradora Samarco chegará ao Oceano Atlântico, na costa do Espírito Santo, na próxima sexta-feira, de acordo com o cálculo informado ontem à noite ao Ibama. Os rejeitos da mineradora Samarco passaram a ser transportados com mais velocidade no leito do Rio Doce. À tarde, a presidente do Ibama, Marilene Ramos, ainda esperava a chegada da lama à foz do rio somente no próximo domingo.

Marilene dá como certa a contaminação do mar pelos rejeitos da mineradora e diz que novas multas, cada uma com valor máximo de R$ 50 milhões, poderão ser aplicadas. A Samarco já tinha sido multada em R$ 250 milhões pelo Ibama, na semana passada.

A presidente do Ibama listou cinco novos impactos: contaminação da foz do rio, ambientalmente sensível e com áreas de reprodução de tartarugas e de formação de ninhos de aves; ameaça às espécies de peixes na zona costeira; falta de água em Colatina (ES); impactos nos reservatórios de usinas hidrelétricas; e contaminação de unidades de conservação. Cada episódio pode render nova multa máxima de R$ 50 milhões, o que totalizaria mais R$ 250 milhões. Os danos ainda serão avaliados.

Marilene disse que, somente num trecho já avaliado pelos técnicos do Ibama, pelo menos 900 hectares de preservação permanente foram destruídos (o equivalente a 900 campos de futebol).

— A lama poderá chegar de forma mais amortecida (ao mar), mas alguma coisa vai chegar, certamente. Estamos nos preparando para o pior, que é chegar um nível de turbidez elevado e isso impactar na ictiofauna, na fauna que vive nessas áreas úmidas, ou até uma impossibilidade de captação e abastecimento de água em Colatina — diz ela.

A interrupção do abastecimento de água em Governador Valadares (MG) foi a razão de uma das cinco multas aplicadas pelo Ibama na semana passada, no valor máximo de R$ 50 milhões cada. As outras quatro se referiram a morte de espécies, destruição de áreas urbanas, risco à saúde humana e lançamento dos rejeitos no Rio Doce.

A presidente do Ibama defende o reajuste do valor máximo das multas, previsto em lei de 1998 e congelado desde então. Segundo Marilene, as tarifas do Ibama estavam sem reajuste desde 2000 e passaram por um aumento recente de 170%. Levando em conta esse parâmetro, o valor da multa máxima saltaria, pelo menos, para R$ 135 milhões. Marilene diz que o Ibama vai elaborar um projeto de lei a respeito.

O fato de ter havido cinco rompimentos de barragens de mineração em pouco mais de dez anos é “um fator de alerta”, segundo a presidente do Ibama:

— Precisamos rever a metodologia de cálculos e de construção de barragens. O próprio governo federal está começando essa discussão e pretendemos nos inserir nesse debate, pois o dano ambiental acaba recaindo sobre o Ibama.

Para Marilene, o que ocorreu foi um desastre ambiental:

— Só uma investigação vai mostrar as causas, até para prevenir eventos futuros. As ações serão no curto, médio e longo prazo. A bacia precisará ser monitorada. Vamos notificar a empresa para que apresente um plano de recuperação.