Valor econômico, v. 16, n. 3943, 16/02/2015. Empresas, p. B3

Plano de recuperação está perto da definição

Na iminência do fim do prazo útil para elaboração de um acordo para a recuperação do rio Doce, o governo espera concluir nos próximos dias os termos do acordo para que uma fundação instituída por Vale, BHP Billiton e Samarco comece a executar as ações socioambientais e socioeconômicas para recuperação da região atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana (MG), em novembro de 2015.

Esta semana é considerada decisiva para o "ajuste fino" das propostas elaboradas por governo federal, Minas Gerais, Espírito Santo, Ministério Público, Ibama e as três empresas. A avaliação é de que por se tratar de uma situação excepcional - "o maior desastre ambiental registrado no país" - deve-se buscar uma alternativa a soluções tradicionais voltadas para disputas contenciosas. A expectativa é que um acordo seja firmado ainda este mês.

A fundação a ser instituída, sob fiscalização do poder público em todas as esferas e com participação de representantes da sociedade civil, será responsável pela execução das medidas de reparação, diretamente relacionadas à tragédia, e de compensação, que podem contribuir para uma maior e mais rápida restauração ambiental. Essas ações foram estimadas em R$ 20 bilhões na ação civil pública. Pela extensão da ação civil pública ajuizada pela AGU, todas as demais, em diferentes instâncias, devem ser englobadas.

O montante de recursos pode ser revisto, a depender da qualidade e velocidade desenvolvidas pelas empresas. Igualmente flexível é o prazo de dez anos para a execução do programa de recuperação. Uma auditoria independente também seria contratada pela fundação, pelos termos atuais do acordo. Enquanto a fundação não for formalmente criada, as medidas emergenciais já estabelecidas devem ser executadas diretamente pelas empresas.

"Depende muito de como a empresa vai gerenciar, mas muito também da capacidade de resiliência do meio ambiente. O meio ambiente não é uma ciência exata. A gente tem que dar meios para essa capacidade de resiliência. O processo é dinâmico, e a extensão integral dos danos a gente ainda vai levar anos para saber", disse ao Valor o procurador-geral federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Renato Vieira, quem assinou a ação de R$ 20 bilhões ajuizada contra as três empresas. "Dentro de uma lógica dinâmica, um acordo também será dinâmico, terá flexibilidade para definir novas medidas compensatórias, novas ações compensatórias. É um processo bastante complexo e inédito."

De acordo com a AGU, há um alinhamento na proposta entre governo federal e Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a integral reparação do dano é inegociável pelo governo federal e as pretensões relacionadas à recomposição socioeconômicas da região estão contempladas no acordo.

O conteúdo e a extensão de alguns dos programas - 19 socioambientais e 19 socioeconômicos - são questões que ainda emperram o acordo, embora o governo federal procure manifestar otimismo em relação às tratativas. Um exemplo consensual é o programa de restauração de nascentes soterradas, mas ainda se discute se apenas os olhos dágua soterrados serão restaurados. Nesse caso, o entendimento é que diversos outros olhos dágua da bacia do rio Doce que venham a ser restaurados contribuiriam para a capacidade de resiliência do rio como um todo.

Uma outra frente nesse processo de discussão é o plano de recuperação ambiental que a Samarco tem que entregar ao Ibama. A primeira versão foi rejeitada pela equipe técnica do órgão ambiental em fins de janeiro, que teria considerado o plano genérico e sem metas.

A nova versão será protocolada no Ibama amanhã. O plano foi desenvolvido pela consultoria Golder Associates e está dividido em três eixos. O primeiro concentra esforços entre a barragem de Fundão e o reservatório da usina de Candonga e abrange obras de engenharia já em curso, como diques, reconstituição das margens e calhas dos rios, além da dragagem do reservatório da usina de Candonga.

O segundo trecho vai da usina de Candonga até a foz do rio Doce e o terceiro considera a zona costeira. O plano prevê, por exemplo, monitoramento da qualidade da água e a avaliação dos impactos do acidente nas áreas de reprodução de tartarugas e nos manguezais.

Da parte das empresas, os principais questionamentos se referem a medidas de compensação que, na avaliação delas, fogem do alcance de responsabilidade do setor privado, como prestação de serviços associados a saneamento básico. Já o governo entende que não cabem na proposta de acordo em curso interesses essencialmente privados, como ressarcimento de prejuízos decorrentes de perdas do setor hoteleiro na região no período de festas de fim de ano.