O globo, n. 30053, 18/11/2015. País, p. 8

Manifestantes pró-impeachment constrangem congresso do PMDB

 

MARIA LIMA E SIMONE IGLESIAS

Grupos criticam Dilma e levam cartazes com inscrição ‘Temer, veste a faixa já’.

Vaias para Cunha

Em congresso do PMDB, grupos que defendem o impeachment criticaram a presidente Dilma e houve também gritos de “Fora Cunha”. -BRASÍLIA- Ao aceitar no congresso da Fundação Ulysses Guimarães a presença de integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e da Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos, o PMDB, maior aliado do governo, e o vice-presidente Michel Temer passaram ontem por constrangimento diante de manifestações agressivas contra a presidente Dilma Rousseff e de cartazes com a inscrição “Temer, veste a faixa já”.

Apesar de ter se mostrado envaidecido com as manifestações iniciais de apoio de peemedebistas, o vice-presidente ficou visivelmente constrangido com os manifestantes pró-impeachment, que levaram bonecas infláveis da presidente com uma máscara preta e a inscrição “mãe do petrolão”. Os manifestantes e parte da juventude do PMDB também vaiaram e gritaram “Fora, Cunha” para o presidente da Câmara, que esteve o tempo todo ao lado de Temer e de outros líderes do partido na Mesa. SÓ TRÊS MINISTROS FORAM AO CONGRESSO O mote do Congresso foi “O PMDB tem voz e não tem dono”. Apesar do clima belicoso do evento em relação ao Planalto, o vice-presidente afirmou que qualquer ruptura com o governo, como pregaram nos discursos integrantes da ala rebelde do partido, só ocorrerá em 2018, quando o PMDB pretende disputar a eleição para presidente da República. Ainda assim, a cúpula do partido considerou que esse foi o primeiro gesto oficial de descolamento do governo e da aliança com o PT. Temer afirmou considerar “natural” que peemedebistas queiram deixar o governo Dilma, mas disse que isso é assunto para depois.

— Isso vai ser discutido em 2017, 2018. Só em 2018 mesmo. Temos que colaborar com o país, mesmo as pessoas que querem sair do governo querem colaborar com o país — afirmou, retomando mais tarde: — Para não encolhermos diante de demagogias fáceis, não podemos colocar os interesses pessoais na frente dos interesses do país.

Um assessor palaciano, porém, admite que Temer está distanciado de Dilma e que a confiança mútua está abalada desde que ele deixou a articulação política do governo. Mas diz que a petista não vislumbra o agravamento da relação. Para o governo, a hipótese do impeachment há tempos não parece tão remota quanto agora. Um interlocutor da presidente diz que ela refuta, veementemente, a tese de que Temer trama, nos bastidores, um plano para assumir a Presidência.

Dos sete ministros do PMDB, apenas três compareceram ao congresso: Eliseu Padilha (Aviação Civil); Helder Barbalho (Portos) e Henrique Alves (Turismo). Temer disse que o programa feito pelo PMDB está à disposição do governo:

— Esse programa pode ser uma colaboração ao governo. Nos sentiremos extremamente gratificados e recompensados. É um documento democrático, transparente e mira os interesses do Brasil.

Logo que entrou no plenário ao lado de Temer, Cunha foi alvo de discreta vaia. Após a execução do Hino Nacional, foram ouvidos alguns gritos de “Fora, Cunha”. E quando seu nome foi anunciado para discursar, a vaia foi um pouco mais intensa, comandada pelos manifestantes do MBL e da Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos. No discurso, Cunha disse que o PMDB não participa e não tem compromisso com os rumos do governo:

— Ninguém tem mais dúvida que o PMDB terá que buscar seu caminho próprio. Inevitável que tenha candidato em 2018. Essa voz não pode ser calada por quem tem meia dúzia de carguinhos.

À tarde, ao encerrar uma sessão promovida pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) no plenário da Câmara, Cunha voltou a ser vaiado, desta vez pelas participantes de um debate sobre a realidade das mulheres negras no país.

O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), convocou para amanhã a sessão para leitura do parecer preliminar do relator Fausto Pinato (PRB-SP) que pede a continuidade da investigação contra Cunha. (Colaboraram Isabel Braga e Catarina Alencastro)

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Partido mantém um pé em cada canoa

 
FERNANDA KRAKOVICS

PMDB aumenta sua participação no governo, enquanto tenta se descolar para voo solo em 2018.

Essa não é a primeira vez que o PMDB critica a política econômica de um governo do qual faz parte e ameaça desembarcar. O partido divulgou oficialmente ontem o documento “Uma ponte para o futuro”, na contramão do que vem sendo implementado pela presidente Dilma Rousseff.

Os peemedebistas fizeram o mesmo em março de 2004, no início da gestão Lula. O pano de fundo era a pressão por mais ministérios. Agora, o partido tenta o malabarismo de aumentar sua participação no governo, ao mesmo tempo em que deseja se descolar de uma administração impopular e preparar candidatura própria para 2018.

Um dos personagens centrais continua sendo o presidente do PMDB, Michel Temer, dessa vez com atuação pública mais discreta, devido ao cargo de vice-presidente da República. Há 11 anos, quando a Executiva Nacional do partido divulgou uma nota com críticas à política econômica, Temer foi um dos porta-vozes da ameaça de rompimento.

O texto “Uma ponte para o futuro” foi gestado quando um processo de impeachment contra Dilma parecia iminente, e Temer seria o beneficiário imediato. Esse clima político refluiu, e o PMDB amenizou o tom beligerante.

O ensaio de independência feito ontem acontece 46 dias depois de o partido ter conquistado o disputado Ministério da Saúde. É dessa contradição e da divisão interna entre governistas e oposicionistas que o PMDB tira sua força, ficando com um pé em cada canoa.