O globo, n. 30053, 18/11/2015. Economia, p. 22

Tragédia de Minas

 
MÍRIAM LEITÃO

Rejeitos de minério da Samarco cresceram 32% em um ano. A Samarco admitiu o que todos temiam. Que há risco alto de rompimento de outras duas barragens. A de Germano é três vezes maior do que a de Fundão. Um monstro de 160 metros de rejeitos de minério. A tragédia é grave demais e pode piorar. Uma possível causa do acidente é o aumento de rejeitos, que foi de 32% no ano passado. A empresa estava aumentando a produção para fazer frente à queda dos preços.

Na semana passada, a empresa tinha impedido o Ministério Público de vistoriar Germano alegando razões de segurança. Agora, a própria Samarco admite que é alto o risco de rompimento. Falta as empresas Samarco, Vale e BHP dizerem o que estão fazendo para proteger pessoas, cidades e o patrimônio natural de Minas e Espírito Santo desse cenário de horror em relação a estas duas barragens e o que pretendem fazer para mitigar os efeitos da barreira que já rompeu.

O que aconteceu na última década foi o aumento enorme do lucro das mineradoras no mundo inteiro e no Brasil. Elas tiveram lucros além do projetado desde a explosão dos preços do minério de ferro a partir de 2005. Naquele ano, o preço quase dobrou sobre 2004, pulando de US$ 16 a tonelada para US$ 28 segundo as estatísticas do FMI. A escalada continuou nos anos seguintes, quando a tonelada chegou a ser vendida por US$ 167 em 2011. Foram sucessivos anos bons. A Vale este ano está com prejuízo de R$ 11 bi até setembro, mas o acumulado desde 2005 foi, em valores nominais, R$ 143 bilhões de lucro, segundo a Economática. De lá para cá, os preços começaram a cair, atualmente estão na casa de US$ 55, e as mineradoras passaram a aumentar a produção e a cortar custos e investimentos para manter a rentabilidade. Durante o período de boom, poderiam ter elevado investimento em proteção e segurança, o que teria evitado a tragédia e a ameaça que paira sobre o Brasil.

Segundo o Relatório de Sustentabilidade da Samarco de 2014, a empresa estava elaborando o “Projeto Máxima Capacidade”, para “dobrar o valor do negócio”, mesmo em um “cenário complexo”. Para isso, visava reduzir custos e aumentar a utilização da capacidade já instalada.

A produção de pelotas e minérios finos da empresa deu um salto de 15,4% em 2014 com a conclusão do Projeto Quarta Pelotização, que construiu um novo concentrador, em Germano, um novo mineroduto para chegar ao Espírito Santo, uma quarta usina de pelotização e adequações no terminal marítimo de Ubu. A expansão só poderia ter acontecido com aumento do investimento em proteção e segurança.

Com mais produção, cresceram também os rejeitos do processo de produção (arenosos e lamas). Entre 2011 e 2013, a geração de rejeitos totais da Samarco ficou estável em torno de 16,5 milhões de toneladas por ano. No ano passado, houve um salto de 32%, para 21,9 milhões. A empresa ainda tinha como meta aumentar a produção em mais 20% este ano. Tudo indica que as barragens ficaram sobrecarregadas.

Enquanto o lucro da companhia chegou a R$ 2,8 bilhões no ano passado, o investimento em projetos ambientais de resíduos, rejeitos, água e emissões de gases de efeito estufa foi de R$ 88 milhões em 2014, apenas 3% do lucro.

A Samarco foi a 10ª maior exportadora do país no ano passado, gerando receitas de US$ 3,1 bilhões. Praticamente toda a produção é exportada, o que dá uma proteção natural para a dívida da companhia, que é 99% em dólar. A grande pergunta que fica é o que vai acontecer diante da paralisia da produção. O endividamento chegou a R$ 11,6 bilhões no ano passado, cerca de 3,1 vezes o seu faturamento do ano. Com a disparada do dólar deste ano, a dívida ficou maior. O destino da companhia é importante para se definir como serão pagos os custos das indenizações e da compensação.

A Vale e a BHP alegaram que a empresa tinha autonomia administrativa, mas a escolha do CEO da Samarco é feita pelo Conselho de Administração, que é composto por dois membros indicados pela Vale e outros dois indicados pela BHP. Segundo próprio relatório da Samarco, a tomada de decisões tem participação dos seus acionistas proprietários. As donas terão também que responder pelos danos sociais e ambientais.

O custo para Minas, Espírito Santo, para o país, já está alto demais.É preciso fazer tudo para evitar novo rompimento de barragem.