O globo, n. 30052, 17/11/2015. Economia, p. 19

Sequelas econômicas

 
LUCIANNE CARNEIRO
VIVIAN OSWALD

Para especialistas, avanço do terrorismo pode minar os esforços de crescimento global.

- RIO E ANTÁLIA ( TURQUIA)- Os ataques que mataram dezenas e feriram centenas em Paris na última sextafeira geram questionamentos sobre os possíveis impactos para as economias de França e União Europeia, especialmente, bem como para o mundo. Especialistas veem prejuízos para o turismo, e há temores sobre o preço do petróleo e a confiança de consumidores e investidores. A cúpula do G- 20 ( grupo das principais economias do mundo), que terminou ontem em Antália, na Turquia, ressaltou em nota que o avanço do terrorismo pode ser um fator adicional de estresse para a economia global e ameaçar os esforços para estimular o crescimento sustentável do Produto Interno Bruto ( PIB) mundial. Alguns economistas, no entanto, alertam que ainda é prematuro para avaliar as consequências na esfera econômica. Mesmo assim, o euro recuou ontem 0,8% frente ao dólar, para US$ 1,0686, o menor patamar em sete meses.“A disseminação das organizações terroristas e o importante aumento dos atos de terrorismo minam a manutenção da paz internacional e a segurança e ameaçam os esforços em andamento para fortalecer a economia global e garantir o crescimento e o desenvolvimento sustentáveis”, diz o documento, publicado separadamente do comunicado final.

Na própria sexta- feira foram divulgados os dados das economias francesa e europeia no terceiro trimestre. Na França, o PIB cresceu 1,2% frente ao mesmo período de 2014, a maior alta desde o quarto trimestre de 2011. O ministro das Finanças francês, Michel Sapin, afirmou na ocasião que o baixo crescimento havia ficado para trás. Já a zona do euro registrou expansão de 1,6%.

— É difícil dizer, mas um ataque terrorista como esse certamente não favorece a economia. Um episódio assim afeta a confiança e pode piorar o sentimento de consumidores e investidores. Não acho que vai reverter o processo de recuperação, mas representa elementos negativos, principalmente para a França e a zona do euro, e menores para o resto do mundo — afirma o economista da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto.

E isso acontece justamente no fim do ano, quando os tradicionais mercados de Natal ajudam a impulsionar as vendas do varejo europeu.

TURISMO É 9% DA ECONOMIA DA FRANÇA Mostrando mais preocupação, o professor de Economia da FEA/ USP Simão Davi Silber alerta para os riscos da escalada do terrorismo para os preços do petróleo, que, segundo ele, “ainda são decisivos para a economia mundial”:

— A questão é o que acontece com a oferta de petróleo. Os interesses dos grandes produtores são conflitantes, e o grande perigo é a redução da oferta, que pressionaria os preços para cima. O ataque joga um pouco mais de água fria, incerteza e turbulência sobre a economia mundial.

O setor de turismo é o mais preocupado. A França é o país que mais recebe turistas em todo o mundo: foram 83,7 milhões no ano passado, segundo dados do governo francês. A atividade corresponde a 8,9% do PIB francês, ou € 191,4 bilhões em 2014, considerando os efeitos diretos e indiretos, de acordo com o Conselho Mundial de Viagens e Turismo ( WTTC, na sigla em inglês). O setor emprega, direta e indiretamente, 2,714 milhões de pessoas na Fraça.

Procurado, o WTTC informou que outros atentados em capitais europeias — como Madri, em 2004, e Londres, em 2005 — tiveram influência limitada no turismo. A questão, ressaltou, é qual será a reação em termos de segurança nas próximas semanas e meses. O grupo espera “aumento significativo dos procedimentos de segurança”.

“Os ataques brutais de Paris ocorreram no contexto de um debate sobre segurança, fronteiras, vistos e liberdade de movimento. Se os últimos incidentes influenciarem na decisão de políticas mais restritivas, isso pode ter impacto significativo nas viagens para destinos na Europa e em torno dela”, afirmou o WTTC.

Restaurantes de Paris já organizaram o movimento “Tous au Bistrot” ( Todos ao bistrô), com o objetivo de atrair os franceses e turistas para apoiar os trabalhadores do setor do entretenimento e manter os estabelecimentos cheios. Hoje, às 21h, haverá um minuto de silêncio pelas vítimas nos restaurantes e cafés do país.

— Acho que o impacto dos atentados na economia da França será sobretudo pelo turismo. Não me parece que haverá impacto significativo em investimentos na França, nem no preço do petróleo ou na economia internacional — diz o professor de Economia Internacional do IbmecRio e da Uerj Fernando Padovani.

Cauteloso, o professor do Instituto de Economia da UFRJ Luiz Carlos Prado afirma que é prematuro estimar qualquer impacto. Os primeiros efeitos, diz, são políticos. E possíveis consequências para a economia só serão estimadas a partir das decisões políticas.

Em um caso mais extremo, por exemplo, em que a França decida mandar tropas para a Síria, haverá aumento de gastos públicos e tendência de alta da inflação e do preço do petróleo. Já se forem tomadas medidas de restrição na circulação de pessoas, os possíveis efeitos serão no mercado de trabalho.

— É muito cedo para imaginar consequências para a economia — afirma Prado, que só vê prejuízos para o turismo se a queda no número de viajantes for prolongada. DILMA: CRESCIMENTO EM DOIS OU TRÊS ANOS Diante do já fraco desempenho das economias do G- 20 no último ano, os líderes do bloco se comprometeram a manter o compromisso firmado no ano passado, de elevar em 2% o PIB global até 2018, ainda que o crescimento continue desigual e mais fraco que o previsto. Embora o documento final não mencione a situação das economias em desenvolvimento, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o G- 20 reconheceu que a crise agora atinge os emergentes. Por outro lado, segundo ela, há a expectativa de que estas economias voltem a crescer nos próximos dois ou três anos.

— Há a certeza de que países em desenvolvimento voltarão a crescer em horizonte mais próximo. Isso porque não temos grandes bolhas financeiras para superar. Eventuais bolhas que existam nos emergentes são superáveis — afirmou Dilma pouco antes de voltar ao Brasil.

Embora os emergentes estejam em uma situação menos favorável neste momento, a avaliação é a de que a sua contribuição para o crescimento mundial ainda é positiva. O documento tampouco menciona as mudanças na política econômica do governo chinês, apesar de esta ser uma das principais preocupações manifestadas pelos japoneses. O crescimento menor da China impõe uma demanda menor para o Japão, que ontem anunciou retração de 0,7% do PIB no terceiro trimestre.

Também não houve menção clara ao apoio dos países para que o yuan passe a ser considerado moeda de reserva pelo Fundo Monetário Internacional ( FMI). Os americanos ofereceram apoio à iniciativa em troca de mais flexibilização do mercado de câmbio.

Brasil, Argentina e Rússia tentaram incluir o compromisso de não conceder novos subsídios à agricultura, nem aumentar os existentes. Mas o documento fala apenas em “resistir a todas as formas de protecionismo”. Para muitos dos presentes, o foco no terrorismo acabou por esvaziar outros temas. Os líderes do G- 20 também reforçaram que irão “comunicar claramente” decisões de política monetária, num aceno aos mercados financeiros, que vêm sofrendo fortes oscilações este ano devido à expectativa de juros maiores nos EUA.