Valor econômico, v. 16, n. 3943, 16/02/2016. Política, p. A5

Para procurador-geral do BC, Cunha mantém país 'cativo'

Juliano Basile | De Washington

O procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, afirmou que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atuou com "abuso de autoridade" e desvio de finalidade na condução do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. "O país sofreu uma espécie de sequestro. Está num cativeiro político e isso é inconcebível", afirmou Isaac, questionado sobre a suposta atuação de Cunha de barrar medidas de ajuste fiscal que o Congresso poderia aprovar.

Cunha acatou o pedido de análise da abertura de impeachment contra Dilma em dezembro, às vésperas do avanço da tramitação do seu próprio processo de cassação. O procurador-geral do BC, que exerce uma função eminentemente técnica, participou na semana passada, em Washington, de um evento sobre agronegócios onde proferiu uma palestra sobre a importância do setor para a economia e a política monetária no Brasil. No início do mês, Isaac chegou a ser citado como um dos possíveis substitutos do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams.

"Como advogado, concordo plenamente com a opinião do ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] de que há uma deformidade original na deflagração do processo de impeachment, o que macula o instituto constitucional do impedimento de um presidente da República", continuou, referindo-se ao fato de o impeachment ter avançado após Cunha perceber que não conseguiria evitar a abertura de processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara. "Todos assistimos às claras que o início da abertura do processo de impeachment se deu com abuso de autoridade, desvio de poder e sem lastro legal, horas depois de um intento político não ser alcançado."

Perguntado se mencionava Cunha, o procurador-geral respondeu que se referia a "quem age com abuso de autoridade, desvio de finalidade e atua de forma nociva e deletéria para a democracia". "A abertura do impeachment foi motivada por isso, a nação está refém e o preço do resgate não deve ser pago pelos brasileiros."

A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o BC atua no processo que investiga contas mantidas por Cunha no exterior. O objetivo é o de verificar se o presidente da Câmara tem recursos fora do país, sem declarar à Receita Federal e ao BC. Questionado sobre o andamento dessa investigação, o procurador do BC se negou a comentá-la. "Eu não me pronuncio em público sobre casos concretos investigados pelo BC, em especial por se tratar de procedimentos sob sigilo", disse Isaac.

Mas em parecer encaminhado a Janot, em dezembro passado, o procurador-geral do BC apurou que já haveria indícios de crime de evasão de divisas pelo presidente da Câmara. "Minha resposta está dada", afirmou, ao ser questionado sobre o parecer. "Não vou tecer qualquer comentário sobre a investigação e os processos em andamento no BC", reiterou.

O parecer não foi a primeira vez em que o BC emitiu opiniões técnicas que desagradaram a Cunha. Desde 2010, a Procuradoria-Geral do BC acompanha com lupa as investidas para liberar o uso de moedas consideradas podres para pagar a dívida do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), caso do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Algumas emendas em medidas provisórias, apoiadas por Cunha, tentaram garantir o reconhecimento de créditos de FCVS para quitar dívidas de bilhões de reais. Mas essas emendas foram vetadas após pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria do BC. "Apesar de algumas fortes investidas, inclusive de emendas-jabuti, vencemos a guerra contra bancos que fraudaram o sistema financeiro e já recuperamos cerca de R$ 33 bilhões do Proer, além dos R$ 23 bilhões que foram parcelados", afirmou Isaac.

Na área jurídica, o procurador-geral do BC tem outros desafios. Neste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar dois julgamentos importantes: os planos econômicos e o uso de depósitos judiciais pelos estados para pagamentos de despesas fiscais.

Caso os planos sejam considerados inconstitucionais, o potencial de perda dos bancos públicos e privados seria de mais de R$ 150 bilhões. "Esse julgamento, mais cedo ou mais tarde, será retomado e o BC já deu a sua contribuição técnica. Confio que o Supremo saberá sopesar todos os aspectos jurídicos e econômicos, pois esse julgamento definirá não só uma disputa entre banqueiros e consumidores, mas será um marco sobre o raio de ação do Estado na adoção de planos monetários", disse.

Já a ação envolvendo os estados poderá ser retomada em breve. Para o procurador-geral do BC, as leis estaduais que deram autorização para o uso dos depósitos judiciais de terceiros no pagamento de despesas fiscais "são um verdadeiro campo minado jurídico". "Essas leis, na realidade, tropeçam, dia após dia, à beira do precipício da inconstitucionalidade, ao usar o dinheiro de quem sequer está litigando com o Estado para custear despesas fiscais", alegou Isaac. O BC está atuando nas 13 ações contra as leis aprovadas pelos estados. "São um atentado gritante contra o direito de propriedade e uma burla à Constituição", concluiu.