Título: Socorro a montadoras contra os importados
Autor: Batista, Vera; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2011, Economia, p. 8

Governo aumenta IPI para brecar carros de fora e preservar a produção nacional. A medida atinge modelos completos e mais baratos

O governo anunciou, ontem, medidas que deixam mais caros os carros importados, como antecipou o Correio há pouco mais de um mês. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que incidem sobre carros vindos de fora foram aumentadas em 30%. Na ponta do lápis, os preços vão subir entre 25% e 28%, dependendo do modelo. Todos os veículos que tiverem mais de 35% das suas peças oriundas de outros países serão sobretaxados. A decisão, que começa em 60 dias e vai até dezembro de 2012, foi tomada após pressão de industriais brasileiros e representantes de trabalhadores do setor, que têm reclamado de perda de competitividade e de cortes de empregos diante da enxurrada de importados que vem inundando o mercado nacional.

A gota d"água para a indústria doméstica foi o recorde de vendas de importados. Devido ao dólar baixo, o segmento cresceu 11,3% apenas em agosto. Dados da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva) mostram que foram emplacados 20.420 carros no mês passado. Apenas nos primeiros oito meses de 2011, as vendas deram um salto de 112,2%, quando foram comercializados 528.082 automóveis vindos de fora. Os preços menores dos importados, principalmente dos chineses e coreanos, favoreciam o consumidor, que, além de pagar menos por um veículo, conseguia levar para casa um modelo completo ¿ diferentemente das montadoras instaladas no país, os orientais vendem automóveis com todos os itens de segurança e conforto e a preços mais acessíveis que os modelos nacionais, nos quais se cobra até pelos tapetes.

A medida foi anunciada em seguida a uma reunião com representantes do setor automobilístico e sindicatos dos trabalhadores. No encontro, estavam os ministros da Fazenda, Guido Mantega; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Fernando Pimentel; e da Ciência e Tecnologia, Aloízio Mercadante. A intenção do aumento do IPI, segundo os ministros, é fortalecer a economia brasileira e estimular a indústria automobilística nacional e a do Mercosul. Mas, embora o Brasil tenha optado por mexer na tributação interna e nas exigências tecnológicas, analistas não descartam que países exportadores questionem a decisão na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Preocupação Para as marcas que não se habilitarem às novas exigências, o IPI subirá de 7% para 37% nos automóveis de até mil cilindradas. O imposto para carros com mais de mil e até 2 mil cilindradas irá ainda de 11% (modelos bicombustíveis) a 13% (movidos a gasolina) para 41% a 43%, respectivamente. No topo da tabela, estão os carros com mais de 2 mil cilindradas, para os quais a tributação subirá dos atuais 18% a 25% para 48% a 55%.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou que, a princípio, todas as empresas estão sujeitas à alta do imposto. Elas terão dois meses para provar aos técnicos do governo que se enquadram às normas e, assim, ficarão isentas da alíquota extra. "Caso contrário, se o Mdic não certificar a habilitação, a cobrança do imposto será retroativa", avisou Mantega. Para se habilitar, a montadora terá que preencher pelo menos seis dos 11 requisitos técnicos exigidos pelo governo e desenvolver tecnologia no país.

"Nos últimos tempos, as vendas de automóveis no Brasil têm escasseado. O consumo de veículos está sendo apropriado pela indústria internacional. Ficamos preocupados quando vemos carros no pátio e fábricas dando férias coletivas", ressaltou o ministro da Fazenda. Ele lembrou também que o Brasil é o quinto maior mercado de consumo de automóveis e o sétimo produtor. "A produção pode cair por conta da importação. O que queremos é ser o quarto maior produtor, e não o contrário", destacou.

Mercadante fez questão de ressaltar que não é contra a entrada de carro estrangeiro. "Quem quiser comprar carro importado pode comprar, mas não ao custo do emprego e do sacrifício do mercado interno", ressaltou. Pimentel admitiu que metade dos veículos de montadoras estrangeiras ficam de fora porque elas têm fábrica no Brasil e criam empregos. "Esse será mais um incentivo para que outras empresas se instalem no país", argumentou. Nas estimativas do Ministério da Fazenda, de 12 a 15 empresas do setor estão sujeitas ao aumento de 30 pontos percentuais do IPI.

Metalúrgicos André Rebelo, economista-chefe da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), considerou a medida positiva. "Foi uma atitude acertada, que favorece e protege a produção de riqueza nacional", disse. Na avaliação de Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, a decisão do Ministério da Fazenda impactará principalmente os modelos de carros asiáticos, com destaque para os chineses, que vinham inundando o mercado brasileiro devido aos preços extremamente competitivos. "Mas, em menor escala, afetará também mexicanos e argentinos, que vêm ganhando participação de mercado no Brasil", ponderou.

Braga acredita que o aumento de preços será pontual. "É uma medida semelhante à adotada em 2008, quando o IPI foi reduzido para estimular a indústria em época da crise. O consumidor que pretendia comprar algum dos modelos atingidos acabará por desistir da compra ou mudará a escolha para um veículo nacional", acrescentou. A JAC Motors, chinesa que vem atingindo fortemente o mercado brasileiro com carros completos a preços baixíssimos, preferiu não se manifestar até conseguir avaliar todos os impactos da medida.

Na avaliação de Miguel Eduardo Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, as medidas anunciadas pelo governo atenderam apenas em parte as reivindicações dos trabalhadores. A seu ver, embora o aumento da alíquota do IPI eleve a competitividade da indústria nacional, as montadoras precisam se comprometer em melhorar as condições de trabalho de seus empregados. "Foi uma medida importante, mas faltou um pouco de coragem ao governo. Os trabalhadores precisam de uma contrapartida", criticou. As centrais reivindicam a limitação da jornada a 40 horas semanais, menos rotatividade de trabalhadores e piso salarial nacional.(Colaboraram Cristiane Bonfanti e Gustavo Henrique Braga)

DÓLAR RECUA Depois de 10 altas consecutivas, o dólar voltou a cair frente ao real. Ontem, ele recuou 0,82% e encerrou o pregão cotado a R$ 1,708. Ainda assim, permanece em um nível mais confortável para a indústria nacional, que vinha se queixando de perda de competitividade diante dos produtos importados. A queda foi influenciada pelo anúncio de que o Banco Central Europeu (BCE), num programa conjunto com outras autoridades monetárias, vai injetar dólares no sistema bancário nos próximos meses. A tendência das cotações, entretanto, é de alta devido às medidas do governo que restringiram as apostas contra o dólar na BMF&Bovespa. A piora do cenário internacional também provocou uma fuga para ativos mais seguros, como os títulos do Tesouro norte-americano, o que fortaleceu a divisa no mundo inteiro. Para especialistas, a cotação do dólar pode bater em R$ 1,80.