O globo, n. 30049, 14/11/2015. País, p. 3

Verba de mineradora bloqueada

 

Justiça destina R$ 300 milhões da Samarco para atendimento às vítimas da tragédia.

-RIO, BELO HORIZONTE E MARIANA (MG)- O juiz Frederico Gonçalves, da Comarca de Mariana (MG), determinou o bloqueio de R$ 300 milhões nas contas bancárias da Samarco Mineração, empresa responsável pelas barragens que romperam no último dia 5, destruindo o distrito de Bento Rodrigues e provocando um dos maiores desastres ambientais do país. A quantia deverá ser usada exclusivamente para reparar os danos causados às famílias de Bento Rodrigues.

O pedido de bloqueio foi feito pelo Ministério Público estadual, que classificou as vítimas como “vulneráveis afetados por desastres ambientais”. Na decisão, o juiz lembra que a lei ambiental estabelece que o “dever de indenizar independe da investigação quanto à existência da culpa”. O MP listou a destruição de 180 imóveis em Bento Rodrigues.

Ontem, terminou o prazo para a Samarco — que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton — apresentar ao Ministério Público um plano de emergência para atender às mais de 500 pessoas desabrigadas na tragédia, que continuam hospedadas em hotéis e casas de parentes. A Samarco disse já ter encontrado 140 casas para alugar em Mariana, mas não explicou quando as famílias poderão ocupá-las.

Em sua decisão, o juiz afirma que o valor bloqueado nas contas da Samarco é compatível “com a extensão do dano e não se divorcia da razoabilidade constitucional, ao se imaginar que mais de 500 pessoas foram atingidas imaterialmente e materialmente”. A Samarco, que faturou R$ 7,5 bilhões em 2014, informou que ainda não foi oficialmente notificada da decisão.

SETE VÍTIMAS IDENTIFICADAS

Ontem, foi identificada a sétima vítima da tragédia. Marcos Aurélio Moura trabalhava na empresa Produquímica, terceirizada da mineradora. Ele é natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte, e tinha 34 anos. O corpo de Moura foi encontrado na divisa entre Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce. Outros dois corpos aguardam identificação no IML. Ao todo 18 pessoas estão desaparecidas, entre moradores e funcionários da Samarco e de empresas terceirizadas.

Durante todo o dia, surgiu nova polêmica, a partir de declarações do coordenador das operações do Corpo de Bombeiros em Mariana, major Rubem Cruz, de que há uma trinca de cerca de três metros de comprimento no dique da barragem de Germano, a maior da Samarco na região de Mariana. Mas a Samarco voltou a negar a informação de que a barragem corra risco de também se romper. Em nota, a empresa informou que inspeções não indicaram qualquer trinca nessa barragem.

O major Rubem Cruz afirmou que imagens feitas por um drone que sobrevoou a área constataram deformações do lado de fora de Germano, causadas pelo desastre da semana passada:

— Não podemos dizer que não há riscos, mas são os mesmos que já conhecíamos. Bombeiros continuam trabalhando perto da área.

Integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) fizeram mais um protesto ontem à tarde em frente ao prédio da Samarco, em Belo Horizonte. A PM acompanhou a manifestação e disse que quase cem pessoas ocuparam a entrada do prédio, de forma pacífica.

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Cidade descarta 240 mil litros de água enviados pela Vale

 
RENAN RODRIGUES* 

Prefeitura diz que carregamento, que chegou de trem, tinha ‘alto teor de querosene’; empresa nega.

-RIO E GOVERNADOR VALADARES (MG)- Mais de uma semana após o rompimento das barragens em Mariana, o primeiro carregamento de água potável feito por trem pela Vale, dona da mineradora Samarco, foi descartado ontem pela prefeitura de Governador Valadares (MG) antes de ser entregue aos moradores que sofrem os efeitos do desastre.

De acordo com a prefeitura, os 240 mil litros de água, que chegaram em quatro vagões, não serviam para o consumo por possuir “alto teor de querosene”. Em nota, a prefeitura chegou a dizer que a empresa “admitiu que os quatro primeiros vagões foram enviados por equívoco”, e que novo carregamento chegaria ainda ontem à noite.

A Vale, porém, contestou a informação. A assessoria da companhia informou que os vagões eram utilizados para combater incêndios florestais e não para transportar combustíveis, motivo pelo qual não poderiam ter resto de querosene.

Enquanto isso, os moradores de Valadares faziam filas na cidade em busca de água. O Exército enviou 55 homens, além de sete caminhões-pipa, para ajudar na logística de distribuição de água. Ao todo, 45 caminhões ajudam na distribuição de água para instituições de saúde, de educação e abrigos no município. Outros 150 caminhões-pipa estavam previstos para começar a chegar à cidade a partir da noite de ontem, segundo a prefeitura.

MANIFESTANTES BLOQUEIAM FERROVIAS

Na tarde de quinta-feira, moradores de Governador Valadares queimaram pneus em uma ferrovia da Vale utilizada para transportar a produção de minério da companhia. O protesto foi encerrado na própria quinta-feira, por volta das 18h30, após a empresa obter uma decisão judicial determinando a desobstrução da linha férrea.

Manifestações contra a empresa, porém, não ficaram restritas a Valadares. Moradores do município de Baixo Guandu, no Espírito Santo, também protestaram bloqueando a Estrada de Ferro Vitória a Minas, no fim da noite de quinta-feira. A via foi liberada já na madrugada de ontem.

O bloqueio foi feito a mando da prefeitura, e seis tratores foram utilizados para fechar a linha férrea. O prefeito Neto Barros (PCdoB) queria que o presidente da Vale fosse à cidade e apresentasse soluções para conter os danos causados pela onda de lama que se aproxima do Espírito Santo. No estado, o abastecimento de água deverá ser afetado nos municípios de Baixo Guandu, Colatina e Linhares.

Pelo Facebook, o prefeito detalhou o plano: “Comunicamos à Vale e à sociedade que a prefeitura colocará suas máquinas sobre os trilhos da estrada de ferro Vitória a Minas e paralisará o transporte de minério de ferro”, escreveu ele.

Ao todo, mais de 500 mil moradores de cidades às margens do Rio Doce deverão ficar sem água por causa do desastre ambiental. Governador Valadares, com 280 mil habitantes, necessita, segundo estimava da prefeitura, de 60 milhões de litros por dia. “Cada vagão carrega 60 mil litros de água. Para se ter uma ideia, só o Hospital Municipal consome 200 mil litros por dia”, informa trecho de nota divulgada.

O Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Valadares está providenciando a perfuração de 15 poços artesianos próximos às estações de tratamento de água. A cidade também está recebendo doações de água. A prefeitura decretou estado de calamidade pública na terça-feira. (*Sob supervisão de Maiá Menezes)