No segundo dia de vigência da lei que regula o direito de resposta, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), informou que vai utilizar o instrumento para questionar reportagem do GLOBO que mostrou ontem a existência de uma procuração que o autorizava a operar uma das contas na Suíça. Para Cunha, a matéria trouxe informação “leviana, falsa e injusta”.
O GLOBO revelou que uma procuração da conta Orion SP, uma das trusts ligadas à Cunha, dava ao presidente da Câmara amplos poderes para fazer aplicações financeiras em fundos e no mercado futuro, e ainda fazer investimentos de curto prazo, comprar e vender títulos, moedas e até metais preciosos. A matéria ressalta que ele não tinha autorização para sacar o dinheiro da conta.
A informação contraria a tese de defesa apresentada por ele em entrevistas na semana passada. Cunha sustentara que não tinha acesso à conta porque ela pertencia a uma trust e não a ele. A assessoria do presidente da Câmara foi procurado anteontem às 17h30. A resposta foi de que ele já tinha dado entrevista sobre o tema e não daria explicações adicionais.
Na nota divulgada ontem, Cunha questiona a utilização do termo “amplos poderes”, alegando que o documento informa que ele não poderia realizar saques. “A contradição entre a afirmativa do Jornal “amplos poderes” e a informação de exclusão “do direito de dispor ou retirar quaisquer ativos da conta”, sentencia que a reportagem é tendenciosa e descompromissada com a missão do jornalismo brasileiro”, afirma Cunha.
A nota da presidência da Câmara ainda sustenta que a relação contratual entre Cunha a a trust de nome Orion foi encerrada em abril de 2014, um ano antes de o deputado ter dito à CPI da Petrobras que não tinha contas no exterior. “A ausência proposital de informação relevante, a contradição existente e as ilações incorretas sobre o depoimento prestado à CPI da Petrobras, além de outras tantas informações inverídicas trazidas pela reportagem do Jornal O Globo, sentenciam que o Jornal maculou a verdade e manipulou as informações. Contudo, o Presidente Eduardo Cunha não fará o debate, pelos meios de comunicação, desta leviana, falsa e injusta acusação, e sim exercerá o seu direito constitucional sacramentado pela vigência atual da nova Lei de Direito de Resposta”, registra a nota de Cunha.
O presidente da Câmara não faz qualquer referência ao fato de ter declarado em entrevistas que não operava as contas em nome de trusts, informação que contradiz o disposto na procuração dada a Cunha pelos representantes da Orion.
A assessoria de Cunha informou ao GLOBO que a nota enviada ontem ainda não era o pedido formal do direito de resposta, que será feito nos termos da lei.
Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), “o direito à reparação de um indivíduo que se sinta ofendido ou prejudicado por uma produção jornalística não deve se sobrepor ao direito de acesso a informações. A obrigação de publicar uma resposta que não necessariamente esclarecerá fatos, em detrimento de produções jornalísticas sobre temas de interesse público, prejudica a liberdade de expressão e informação”.
Com seguidas denúncias envolvendo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líderes da oposição reforçam que a situação dele está cada vez mais frágil. Aliados do peemedebista também admitem que a posição de Cunha é delicada, mas acreditam que ainda há margem para negociação no Conselho de Ética.
Ontem, a edição do GLOBO revelou que o peemedebista tinha poder para operar as contas na Suíça, sem fazer saques, o que ele havia negado. A resposta da oposição foi enfática. Líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR) acredita que Cunha perdeu as condições de continuar na presidência da Câmara.
— (As novas informações) reforçam o processo no Conselho de Ética por falta de decoro e mostram que ele (Cunha) perdeu todas as condições de presidir a Câmara, porque tudo que se denuncia, ele vem com uma resposta, e a resposta é desmentida. Eduardo Cunha não tem mais condições de se manter no cargo — disse.
O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), cujo partido apoiou a eleição de Cunha em fevereiro, fez coro à avaliação negativa:
— É uma situação de desgaste extremo para o presidente e reforça uma situação cada vez mais insustentável.
MUDANÇA DE ESTRATÉGIA
Para os aliados do presidente da Câmara, a defesa que ele deverá apresentar na próxima semana ao Conselho de Ética vai balizar o comportamento dos deputados. Nas palavras de um parlamentar próximo a Cunha, se a defesa “trouxer conforto aos deputados para que possam defendê-lo”, ele terá chances reais de arquivar sumariamente o processo. Outro aliado acredita que se o PT ajudá-lo no Conselho poderá evitar a abertura do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. O líder do PSC, André Moura (SE), afirma que é necessário garantir a Cunha o direito de defesa.
— Se é golpe tirar a presidente da República do cargo, da mesma forma o presidente da Câmara. A todos devemos garantir o direito de defesa. A defesa dele sequer foi protocolada no Supremo ou no Conselho de Ética — disse Moura.
Cunha resolveu desautorizar qualquer iniciativa para tentar regularizar de imediato a situação fiscal de sua mulher, Cláudia Cruz. Ela deixou de declarar à Receita recursos depositados em conta na Suíça, e que foram usados para pagar despesas pessoais e da família no exterior.
A estratégia sofreu questionamentos entre os defensores de Cunha. Surgiu a preocupação de que o gesto de pagar a multa resolvendo uma pendência fiscal poderia ser usado contra Cláudia Cruz na esfera penal. Ela é investigada junto com o marido no Supremo Tribunal Federal (STF) pela suspeita da prática de crimes de lavagem de dinheiro.