O globo, n. 30049, 14/11/2015. País, p. 6

Cunha vai usar lei de direito de resposta para questionar reportagem do GLOBO

 

Jornal revelou que presidente da Câmara podia operar conta em nome de trust na Suíça.

No segundo dia de vigência da lei que regula o direito de resposta, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), informou que vai utilizar o instrumento para questionar reportagem do GLOBO que mostrou ontem a existência de uma procuração que o autorizava a operar uma das contas na Suíça. Para Cunha, a matéria trouxe informação “leviana, falsa e injusta”.

O GLOBO revelou que uma procuração da conta Orion SP, uma das trusts ligadas à Cunha, dava ao presidente da Câmara amplos poderes para fazer aplicações financeiras em fundos e no mercado futuro, e ainda fazer investimentos de curto prazo, comprar e vender títulos, moedas e até metais preciosos. A matéria ressalta que ele não tinha autorização para sacar o dinheiro da conta.

A informação contraria a tese de defesa apresentada por ele em entrevistas na semana passada. Cunha sustentara que não tinha acesso à conta porque ela pertencia a uma trust e não a ele. A assessoria do presidente da Câmara foi procurado anteontem às 17h30. A resposta foi de que ele já tinha dado entrevista sobre o tema e não daria explicações adicionais.

Na nota divulgada ontem, Cunha questiona a utilização do termo “amplos poderes”, alegando que o documento informa que ele não poderia realizar saques. “A contradição entre a afirmativa do Jornal “amplos poderes” e a informação de exclusão “do direito de dispor ou retirar quaisquer ativos da conta”, sentencia que a reportagem é tendenciosa e descompromissada com a missão do jornalismo brasileiro”, afirma Cunha.

A nota da presidência da Câmara ainda sustenta que a relação contratual entre Cunha a a trust de nome Orion foi encerrada em abril de 2014, um ano antes de o deputado ter dito à CPI da Petrobras que não tinha contas no exterior. “A ausência proposital de informação relevante, a contradição existente e as ilações incorretas sobre o depoimento prestado à CPI da Petrobras, além de outras tantas informações inverídicas trazidas pela reportagem do Jornal O Globo, sentenciam que o Jornal maculou a verdade e manipulou as informações. Contudo, o Presidente Eduardo Cunha não fará o debate, pelos meios de comunicação, desta leviana, falsa e injusta acusação, e sim exercerá o seu direito constitucional sacramentado pela vigência atual da nova Lei de Direito de Resposta”, registra a nota de Cunha.

O presidente da Câmara não faz qualquer referência ao fato de ter declarado em entrevistas que não operava as contas em nome de trusts, informação que contradiz o disposto na procuração dada a Cunha pelos representantes da Orion.

A assessoria de Cunha informou ao GLOBO que a nota enviada ontem ainda não era o pedido formal do direito de resposta, que será feito nos termos da lei.

Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), “o direito à reparação de um indivíduo que se sinta ofendido ou prejudicado por uma produção jornalística não deve se sobrepor ao direito de acesso a informações. A obrigação de publicar uma resposta que não necessariamente esclarecerá fatos, em detrimento de produções jornalísticas sobre temas de interesse público, prejudica a liberdade de expressão e informação”.

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Para aliados e oposicionistas, deputado está fragilizado

 
ISABEL BRAGA E LETICIA FERNANDES

Seguidas denúncias pioram situação de Cunha no Conselho de Ética.

Com seguidas denúncias envolvendo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líderes da oposição reforçam que a situação dele está cada vez mais frágil. Aliados do peemedebista também admitem que a posição de Cunha é delicada, mas acreditam que ainda há margem para negociação no Conselho de Ética.

Ontem, a edição do GLOBO revelou que o peemedebista tinha poder para operar as contas na Suíça, sem fazer saques, o que ele havia negado. A resposta da oposição foi enfática. Líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR) acredita que Cunha perdeu as condições de continuar na presidência da Câmara.

— (As novas informações) reforçam o processo no Conselho de Ética por falta de decoro e mostram que ele (Cunha) perdeu todas as condições de presidir a Câmara, porque tudo que se denuncia, ele vem com uma resposta, e a resposta é desmentida. Eduardo Cunha não tem mais condições de se manter no cargo — disse.

O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), cujo partido apoiou a eleição de Cunha em fevereiro, fez coro à avaliação negativa:

— É uma situação de desgaste extremo para o presidente e reforça uma situação cada vez mais insustentável.

MUDANÇA DE ESTRATÉGIA

Para os aliados do presidente da Câmara, a defesa que ele deverá apresentar na próxima semana ao Conselho de Ética vai balizar o comportamento dos deputados. Nas palavras de um parlamentar próximo a Cunha, se a defesa “trouxer conforto aos deputados para que possam defendê-lo”, ele terá chances reais de arquivar sumariamente o processo. Outro aliado acredita que se o PT ajudá-lo no Conselho poderá evitar a abertura do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. O líder do PSC, André Moura (SE), afirma que é necessário garantir a Cunha o direito de defesa.

— Se é golpe tirar a presidente da República do cargo, da mesma forma o presidente da Câmara. A todos devemos garantir o direito de defesa. A defesa dele sequer foi protocolada no Supremo ou no Conselho de Ética — disse Moura.

Cunha resolveu desautorizar qualquer iniciativa para tentar regularizar de imediato a situação fiscal de sua mulher, Cláudia Cruz. Ela deixou de declarar à Receita recursos depositados em conta na Suíça, e que foram usados para pagar despesas pessoais e da família no exterior.

A estratégia sofreu questionamentos entre os defensores de Cunha. Surgiu a preocupação de que o gesto de pagar a multa resolvendo uma pendência fiscal poderia ser usado contra Cláudia Cruz na esfera penal. Ela é investigada junto com o marido no Supremo Tribunal Federal (STF) pela suspeita da prática de crimes de lavagem de dinheiro.