O globo, n. 30049, 14/11/2015. Economia, p. 24

Piora na economia empurra crianças para o trabalho

 
LUCIANNE CARNEIRO, CÁSSIA ALMEIDA, DAIANE COSTA E EFRÉM RIBEIRO

Após 8 anos de queda, ocupação avança até na faixa etária de 5 a 13 anos.

210 mil crianças trabalhavam fora da área agrícola em 2014. O número é 16% maior em relação ao ano de 2013
143 mil foi o número de crianças entre 5 e 17 anos que passaram a trabalhar, elevando o total para 3,3 milhões

-RIO E TERESINA- O aumento dos trabalhadores por conta própria e a tentativa de recompor a renda das famílias no ano passado mostraram sua face mais cruel: a expansão do trabalho infantil. Após uma trajetória de oito anos seguidos de recuo, o número de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que trabalham aumentou em 4,5%. São 143 mil a mais que passaram a trabalhar, elevando o total para 3,331 milhões, segundo os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Na faixa etária entre 5 e 13 anos, em que o trabalho é ilegal sob qualquer circunstância, foram 47 mil a mais, chegando a 554 mil, ou 9,5% de aumento.

A consequência mais evidente é o impacto nos estudos. Entre aqueles de 5 a 17 anos que não trabalham, a taxa de escolarização (relação entre os que estudam frente ao total da população naquela faixa etária) é de 95,6%. Entre os que trabalham, esse índice cai para 80,3%.

São crianças e adolescentes como Jefferson da Silva, de 17 anos, que abandonou a escola há cinco anos para trabalhar e ajudar a engordar a renda familiar. Ele trabalha das 8h até o fim da tarde vendendo bandeiras de times de futebol no bairro Redenção, próximo ao estádio Albertão, na Zona Sul de Teresina, e recebe em média R$ 150 por semana.

— Meu pai saiu de casa quando eu tinha 6 anos. Agora somos só eu, minha mãe e um sobrinho pequeno, e tenho que ajudar no sustento da casa. É melhor ficar na escola do que nesse sol quente aqui. Eu queria continuar os estudos, mas não tive oportunidade.

LONGE DA ERRADICAÇÃO

Segundo o gerente da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, esse aumento está ligado à mudança do perfil do mercado de trabalho. De um lado, caiu o ritmo de expansão do emprego com carteira assinada. Do outro, avança a parcela dos trabalhadores por conta própria, que costumam ter condições mais precárias e contam com ajuda da família, como a dos filhos.

— A consequência da mudança da estrutura do mercado, com mais conta própria e menos participação da carteira de trabalho, é essa. O resultado é esse (aumento do trabalho infantil) — diz Azeredo.

Grave, preocupante e alarmante são alguns dos adjetivos usados por especialistas para classificar esse comportamento do trabalho infantil.

— Vínhamos de uma queda lenta na redução do trabalho infantil, e agora a situação se agravou com esse aumento. Não vamos conseguir erradicar o trabalho infantil até 2020, como se buscava — afirma a secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Oliveira, estimando que em 2020 o Brasil terá, ainda, pelo menos 2 milhões de crianças trabalhando.

TRABALHO URBANO

Uma das características desse aumento do trabalho infantil é que o ritmo foi bem maior fora das lavouras que nas demais atividades, embora o maior contingente das crianças que trabalham esteja no campo. Na faixa entre 5 e 13 anos, 344 mil trabalhavam no campo em 2014, o que representa 19 mil a mais que em 2013, uma alta de 5,8%. Já o trabalho infantil não agrícola somava 210 mil pessoas em 2014, 29 mil a mais que em 2013 (16% de aumento).

— O aumento do trabalho infantil é muito preocupante. Esse movimento pode representar um esforço para recompor a renda dos domicílios. Quando há uma situação de fragilidade nas famílias mais pobres, fica caro mandar a criança para a escola, ela precisa ajudar na renda — aponta a coordenadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da UFF, Celia Lessa Kerstenetzky.

Para o diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas e ex-ministro da Secretária de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, o aumento do trabalho infantil é sempre preocupante, mas ele lembra que o número absoluto é pequeno e pode haver dificuldades de amostra:

— É preciso ficar atento aos dados.