Injúria e racismo envergonham o DF

Caroline Pompeu, Mariana Laboissière

18/11/2015

A dois dias das comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro, o Distrito Federal mostra que ainda tem muito a aprender sobre tolerância e diferenças. Na capital onde 56,2% da população é negra, segundo dados da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), chama a atenção a quantidade de ocorrências de injúria racial. As delegacias registraram, de março a outubro deste ano, 236 ocorrências — a média é de quase uma por dia. No mesmo período do ano passado, foram 233.

Por trás dos números, aparecem o constrangimento e a humilhação vividos por gente como o contador Kim Fortunato, 25 anos. Segundo ele, o racismo é frequente. A última situação aconteceu em julho, quando teve o carro furtado nas proximidades de onde trabalha, no Setor Bancário Sul. O jovem procurou ajuda de uma equipe de policiais que estava perto do local, mas acabou com uma arma apontada para ele. "Mandou-me colocar as mãos na cabeça e me revistou como se eu fosse um bandido. Quando ele perguntou o porquê de eu ter me aproximado do carro da polícia, o verdadeiro criminoso já tinha ido embora", lamenta.

Kim também recorreu à Justiça ao passar por outra situação constrangedora, desta vez, em um banco. O caso aconteceu em janeiro do ano passado. Ele foi até o local fazer um depósito, pois trabalha como tesoureiro. Ao vê-lo com muito dinheiro, uma funcionária perguntou sobre a procedência e a quantidade de dinheiro. "Desconfiando de mim, ela se recusou a depositar o valor e, como eu estava com um amigo que não era negro, disse que só faria a operação para o meu 'chefe', referindo-se a ele. A polícia registrou como injúria racial. Levei para a Justiça e ganhei a causa por danos morais", contou.

Até 16 de novembro, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) denunciou à Justiça 75 casos de injúria qualificada e racismo — em 2014, foram 47. O promotor Thiago Pierobom, coordenador dos Núcleos de Enfrentamento à Discriminação (NED) do órgão, as recentes condenações judiciais dão confiança para mais pessoas denunciarem esses casos. "O que aconselhamos às vítimas é que, se o caso acontecer em local público, devem chamar a polícia e anotar o nome das testemunhas. Também ver se os locais tem câmeras de segurança para preservação das informações e que, o mais rápido possível, façam o registro da ocorrência policial ou entrem em contato com o nosso Núcleo. A investigação de casos da internet é possível, mas é necessário que a denúncia seja rápida", explica.

"Macaca"

A promotora de eventos Claudenilde Nascimento Chagas, 31 anos, foi vítima de injúria racial há um ano. Ela estava em uma boate, em Águas Claras, com um grupo de amigos. Um desconhecido, seguidor de uma amiga dela numa rede social, passou um tempo ao redor da mesa onde estavam sentados. A amiga, incomodada, pediu a Claudenilde que trocasse de lugar. "Foi quando ele chegou até mim, perguntou se eu já tinha me olhado no espelho, que eu parecia uma macaca. Disse que eu era feia e que não deveria estar ali. Eu comecei a chorar", lembrou.

Desde então, a promotora de eventos mudou de endereço, não consegue sair de casa e faz tratamento psicológico. "Na semana passada, eu tentei sair, cheguei à porta da boate e tremi. Antigamente, eu saía muito, mas, agora, sinto que as pessoas me olham diferente. Estou bem mais sistemática", informou. Apesar de humilhada, Claudenilde denunciou o caso à polícia. Entrou na Justiça e espera ganhar a causa. Mesmo assim, lamenta que o agressor tenha sido solto após pagar fiança de R$ 1 mil.

A antropóloga da Universidade de Brasília (UnB) Rita Laura Segato avalia que o DF tem uma população com a marca forte da afrodescendência, mas o negro permanece oculto e fora da autoconsciência do brasiliense. "É um trabalho a ser feito. Uma pessoa negra que dirige um carro caro, que está em um supermercado ou caminhando nas ruas em que predominam pessoas brancas é molestada, assediada pela polícia. É muito endêmico, esse comportamento está instalado nas pessoas. Essa suspeita desnecessária é algo que tem de ser modificado", concluiu.

Correio braziliense, n. 19168, 18/11/2015. Cidades, p. 21