Golpes com boleto falso se disseminam pelo país

Alessandra Azevedo 

21/11/2015

Quando a fatura do cartão de crédito da empresária Miriam Ferreira, 62 anos, chegou, em 12 de outubro, ela não notou nada de diferente. Mesmo leiaute, informações corretas, envelope lacrado. Os dados estavam todos certos, inclusive os relativos às compras realizadas no período, que somavam R$ 5,8 mil. “Assim que recebi, paguei a conta pelo internet banking do Itaú Unibanco, como faço sempre”, lembra Miriam, que possui o mesmo cartão de crédito há 25 anos.

Um mês depois, veio a surpresa. Recheada de cobranças de encargos e multas por atraso de pagamento, a fatura seguinte, emitida pelo Bradesco, chegou muito mais cara que o esperado. Confusa, a empresária ligou para a operadora do cartão e foi informada de que não havia registro de pagamento anterior. “Concluíram que eu recebi a fatura com modificação apenas no código de barras. Quando comparo uma original com a falsificada, não noto nenhuma diferença. São idênticas”, contou Miriam.

“Situações como essa têm ocorrido bastante em escala nacional”, alertou a coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci. Segundo a Serasa Experian, até setembro, houve 1,56 milhão de tentativas de fraudes no Brasil — uma a cada 15 segundos. O número bateu o recorde desde que as pesquisas tiveram início, em 2010. E os fraudadores têm utilizado métodos cada vez mais criativos, como a troca do código de barras.

Adulteração
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) recomenda que, tão logo perceba o problema, o cliente procure o banco. Segundo Dolci, da Proteste, o banco pelo qual foi feito o pagamento deve arcar com o prejuízo. “Ele tem que prover a segurança do cliente e perceber movimentações estranhas”, pontuou. No entanto, o Itaú Unibanco entende que, como a fraude foi na emissão do boleto, o responsável é o banco emissor da fatura. “Ele deve investigar se houve dano e o que aconteceu, de fato”, afirmou a instituição.

No caso de Miriam, o dinheiro foi parar em uma conta da Caixa Econômica Federal. O banco estatal alegou que a cliente deve procurar o emissor do cartão de crédito. O Bradesco, porém, alegou que “a adulteração não ocorreu no ambiente do banco”, ou seja, houve interceptação externa do boleto. “Cada um joga a responsabilidade para o outro”, lamentou Miriam.

Vírus
Embora jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirme que as instituições financeiras devem responder pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros, Márcio Chaves, especialista em direito digital do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados, explicou que falta discussão a respeito de fortuitos externos — em situações fora do controle das lojas e instituições financeiras. “Se o boleto falso for emitido pelas empresas, devido a ataque de hackers ou problemas de segurança, ambos devem responder pelos prejuízos gerados aos clientes. Mas existem outras situações preocupantes”, lembrou.

Caso a pessoa esteja com o computador infectado ou tenha feito o pagamento sem se atentar aos dados inseridos, é ela a responsável pelos danos. “Como o problema foi negligência do cliente, a culpa é dele. Quem paga mal paga duas vezes”, afirmou o advogado. Segundo Chaves, é importante tomar os cuidados possíveis, como manter um antivírus atualizado e pagar as contas por débito automático, método que não está sujeito a intervenções.

Independentemente de quem deve arcar com o prejuízo, a instituição financeira tem a obrigação de identificar a conta para a qual o dinheiro foi transferido. Algumas delas, como o Bradesco, passaram a pedir confirmação de dados, como banco de destino, quando o cliente insere o código de barras. Como no boleto falso costuma haver troca no código do banco, dessa forma, fica mais fácil identificar o golpe.

Perigo no fim de ano

As fraudes tendem a aumentar no fim de ano, acompanhando a procura por crédito, que costuma crescer 10% na correria que antecede o Natal e o ano-novo. Passado o primeiro semestre, as tentativas de fraude já têm avançado — de acordo com a Serasa Experian, foram mais de 188 mil em outubro, 7,1% a mais que no mês anterior.

Por isso, os cuidados com compras on-line deve ser redobrado. Cupons on-line, vale-presente mandado por e-mail e promoções relâmpago podem ser armadilhas. “O consumidor está muito exposto na internet”, afirmou o diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Diógenes Faria de Carvalho.

No fim de outubro, o vendedor Júnior Cesar de Paula, 27 anos, comprou um smartphone em uma loja on-line reconhecidamente segura. Ele estranhou, porém, quando não obteve confirmação de pagamento. Desconfiado, entrou em contato com a empresa, que confirmou o golpe. Em vez de ir para a conta da loja, os R$ 1,4 mil referentes à compra foram parar no bolso de estelionatários.

O boleto foi modificado na hora em que Júnior fez o download. Segundo Márcio Chaves, especialista em direito digital, isso é feito por um programa malicioso chamado bolware, que altera o código de barras. “Pode acontecer mesmo que a loja seja segura, porque o problema está na máquina da pessoa”, explicou. 

Correio braziliense, n. 19171, 21/11/2015. Economia, p. 6