Valor econômico, v. 16, n. 3948, 23/23/2016. Brasil, p. A2

Microcefalia recua em Pernambuco, mas ação epidêmica do 'Aedes' avança

Por Marina Falcão | Valor

RECIFE  -  O surgimento de novos casos de microcefalia diminuiu em Pernambuco, principal foco da epidemia da doença, mas especialistas dizem que não há motivo para comemoração. A redução das ocorrências no Estado, segundo eles, apenas reforça a relação da doença com a infecção pelo vírus zika, que deve atingir um pico epidêmico a partir de março.

Os casos de microcefalia em Pernambuco começaram a chamar atenção dos médicos em setembro. As médicas Ana Van Der Linden (neuropediatra) e Ângela Rocha (infectologista pediátrica) acompanharam o início da epidemia e, juntamente com o médico Carlos Brito (clínico), membro do comitê técnico para arboviroses do Ministério da Saúde, fizeram a relação entre microcefalia e zika vírus.

Na época, a linha temporal reforçava a hipótese de causalidade entre doenças: as mães teriam sido infectadas pelo zika vírus entre março e maio de 2015, quando houve um pico de arboviroses (vírus transmitidos por mosquitos, como o Aedes Aegypti) em Pernambuco, nos três primeiros três meses de gravidez. Nove meses depois, deram luz aos bebês com a má-formação (entre setembro e janeiro).

“O número de casos estaria diminuindo agora porque, depois de maio, o número de ocorrências de zika também diminuiu. Mas é impossível assegurar que não teremos mais um novo surto de microcefalia”, afirma Ângela Rocha, chefe do serviço de infectologia pediátrica do Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, que acompanha de bebês com microcefalia.

Ana Van Der Linden, conta que, em meados de outubro, chegou a ter 15 crianças com microcefalia na enfermaria do Imip, um hospital de referência no tratamento de crianças no Estado . “Hoje são quatro com a má-formação. Houve um recuo significativo", conta.

Um dos casos que mais chama atenção é o do casal de gêmeos, em que um tem microcefalia e o outro não. Ana explica que já está provado que a causa da microcefalia em um dos gêmeos é infecciosa, mas não é possível ainda confirmar que é por zika vírus. Ainda estão no radar outras doenças como rubéola, herpes viral e citomegalovírus.

Para que haja uma confirmação, o líquido da coluna do bebê seguiu para análise, mas o resultado ainda deve demorar. O exame é feito com material originalmente destinado a pesquisas, ou seja, ainda não é feito em grande escala.

Segundo o Ministério da Saúde, Pernambuco tem hoje 182 casos de microcefalia confirmados, enquanto o Brasil soma 508. É o Estado que, desde o início do surto, lidera as ocorrências, à frente da Bahia, com 107 casos, e Rio Grande do Norte, com 70.

O ministério passou a considerar que houve infecção pelo vírus zika na maior parte das mães que tiveram bebês, cujo diagnóstico final foi de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central sugestiva de infecção congênita. “Uma porção muito pequena desses casos, após seguimento e análises específicas, é confirmada para outras causas”, segundo o órgão.

Em Pernambuco, 1.990 casos de zika foram notificados este ano. Nenhum deles foi confirmado, pois ainda não há exame de sorologia para zika. Por enquanto, foram confirmados 34 casos (todos em bebês com microcefalia) e 12 (em adultos) do ano passado, diagnosticados por meio de um exame chamado PCR, com pouca disponibilidade no país.

Se a relação entre zika e microcefalia for de fato procedente, como aponta a maior parte das evidências, poderia haver um novo surto forte de casos no fim deste ano — cerca de nove meses depois do pico das endemias transmitidas pelo Aedes Aegypti (zika, chikungunya e dengue), que ocorre a partir de março.

Atualmente, a espera nas filas de atendimento nos serviços de emergências do Recife pode superar seis horas, demora que não se restringe à rede pública. Na semana passada, cinco horas e meia depois de chegar à emergência do Hospital Geral de Areias, no Recife, a operadora da caixa de supermercado Elizângela Maria da Silva, 41 anos, ainda não tinha conseguido atendimento. A queixa é a mesma da maioria dos pacientes que estavam ali — dores na articulações, vômitos e febre.

Na unidade de pronto atendimento da Imbiribeira, zona sul da capital, por exemplo, os atendimentos estão restritos a pacientes de urgência. A direção da unidade afirma que os postos de saúde não estão dando conta do serviço e estão encaminhando pacientes paras os serviços de emergência estaduais.

Segundo o governo de Pernambuco, algumas unidades registraram o dobro de pacientes no mês passado. A Secretaria de Saúde do Estado está elaborando um plano de ação, que inclui o reforço das escalas e incremento nos insumos.

No Real Hospital Português, da rede particular, a professora Maria José Arruda, 55 anos, esperou mais de seis horas para um atendimento. “Aqui está pior que o SUS”, disse. O médico Petros Silva Costa, coordenador da emergência geral do hospital, diz que a demanda na emergência está, no mínimo, 50% superior a de épocas normais. “Desde janeiro está assim e a tendência é piorar em março e abril”.

O número de poltronas para medicação no Real Hospital Português foi dobrada de 20 para 40 e a quantidade de leitos subiu de 8 para 25. A equipe de cinco clínicos foi reforçada com a entrada de mais um diarista clínico e um residente. “Estamos pedindo para que os especialistas também atendam nos horários de pico”, diz Costa.