Valor econômico, v. 16, n. 3948, 23/23/2016. Política, p. A8

Moro ordena prisão de marqueteiro da reeleição de Dilma

Por Letícia Casado e Carolina Leal* | De Brasília e Curitiba


Santana: marqueteiro, que estava ontem na República Dominicana, afirmou que “há clima de perseguição” no Brasil
A nova fase da Operação Lava-Jato, deflagrada ontem, aproximou a investigação da campanha da presidente Dilma Rousseff e do PT. O marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais petistas de 2006, 2010 e 2014, foi o principal alvo da ação, que mirou em pagamentos feitos a ele pela empreiteira Odebrecht e pelo operador financeiro Zwi Skornicki, representante do estaleiro Keppel Fels. Santana e sua mulher, Monica Moura, que estavam ontem na República Dominicana, tiveram prisão temporária decretada; Skornicki foi preso preventivamente; e policiais fizeram buscas e prenderam funcionários da Odebrecht.
A Lava-Jato movimentou o Congresso. Líderes de partidos de oposição na Câmara marcaram uma reunião para hoje a fim de debater o impeachment da presidente Dilma e a ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pede a cassação de seu mandado. Devem participar da reunião deputados do PSDB, DEM, PPS, Solidariedade e PSB. A consultora de risco político americana Eurasia subiu ontem a sua avaliação de chance de eleição antecipada no Brasil para 20%, em função da decretação da prisão de Santana, de acordo com relatório enviado a clientes.
A investigação identificou pagamentos ocultos em favor de Santana e Monica feitos no exterior por Skornicki e por offshores vinculadas à Odebrecht. Santana é acusado de ter recebido ao menos US$ 7,5 milhões em uma conta não declarada. Desse valor, US$ 3 milhões teriam sido depositados por offshores ligadas à Odebrecht, e o restante por Skornicki. Para os investigadores, “pesam indicativos de que consiste em propina oriunda da Petrobras” para os publicitários “em benefício do PT”. “Não há, com base nas provas e elementos já colhidos ao longo de toda a Operação Lava-Jato, causa lícita e razoável que justificasse a transação bancária acima arquitetada”, escreveram nos autos da operação. A nova fase recebeu o nome de acarajé em razão do apelido usado pelos investigados para se referir a dinheiro em espécie.
Os investigadores afirmam ter encontrado “novas provas do possível envolvimento” do ex-presidente da empreiteira, Marcelo Odebrecht, “em novos crimes graves”; ele teria “controle sobre os pagamentos feitos no exterior por meio de offshores, as quais ele geria por intermédio de pessoas ligadas, direta ou indiretamente, à Odebrecht”.
A Lava-Jato chegou a pedir nova prisão de Marcelo Odebrecht, mas o juiz Sergio Moro, responsável pela operação na primeira instância, negou. Moro decretou prisão temporária do presidente da Construtora Norberto Odebrecht, Benedicto Barbosa da Silva Junior, e da secretária da empresa Maria Lúcia Tavares. Ela teria feito uma planilha documentando supostos repasses ao PT. Também decretou prisão preventiva do ex-funcionário da Odebrecht Fernando Migliaccio, desligado da empresa no ano passado, e suposto operador das offshores. Apenas a secretária foi detida ontem. Barbosa e Migliaccio também estavam no exterior.
No total, os investigadores cumpriram 51 mandados em três Estados – Rio, Bahia e São Paulo -, sendo seis de prisão temporária, dois de preventiva, dois de condução coercitiva, 40 de busca e apreensão. Além disso, foi determinado o bloqueio de ativos dos investigados. O objetivo é apurar suspeitas de corrupção, evasão, lavagem, “bem como o possível pagamento de publicitários do Partido dos Trabalhadores com propinas oriundas da Petrobras”, segundo o Ministério Público Federal.
A nova fase da Lava-Jato começou a partir de material apreendido há um ano. Na ocasião, os investigadores encontraram uma carta assinada por “Monica Santana”, que depois descobriram ser Monica Moura, e endereçada a Zwi Skornicki e seu filho, Bruno. Na correspondência, Monica diz que aceita pagamentos “em euro ou dólar”.
Santana e Monica devem voltar ao Brasil nas próximas horas e se apresentar à Justiça, informou Fabio Tofic, criminalista que defende o casal. Eles estão na República Dominicana, onde prestam serviços de marketing para o candidato à reeleição à Presidência, Danilo Medina. Em carta divulgada ontem ao comitê de reeleição do presidente dominicano, Santana anunciou o desligamento da campanha para se defender das acusações “infundadas” das quais é objeto. Ele disse que acordou “com a notícia de que meu nome está sendo conectado a uma suposta trama relacionada ao financiamento de campanhas políticas no Brasil”. “Conhecendo o clima de perseguição que se vive hoje no país, não posso dizer que estou surpreso, mas, mesmo assim, é difícil acreditar”, diz o texto.
De acordo com o procurador Carlos Fernando Lima, os documentos abrem duas linhas de investigação: uma de Santana e outra de indícios envolvendo funcionários da Odebrecht no exterior. A Odebrecht teria transferido funcionários para o exterior após a deflagração da Lava-Jato a fim de evitar que ficassem ao alcance da Justiça. Segundo a PF, há depósitos desde 2008 em nome de uma filha de Santana nos Estados Unidos. Os investigadores afirmam também que Santana adquiriu apartamento em São Paulo no valor de R$ 3 milhões, supostamente “com recursos espúrios”.
Em nota, a Odebrecht afirmou que “não conhece os termos dos inquéritos que originaram a 23ª fase” e que “o fato das empresas do grupo atuarem em mais de 20 países de forma simultânea justifica a mobilidade de seus funcionários”.