Crise profunda e longe do fim

Paulo Silva Pinto, Antonio Temóteo

02/11/2015

O Brasil é calejado de crises. Foram pelo menos 17 nos últimos 40 anos, que custaram um longo período de crescimento e resultaram na mais brutal desigualdade de renda do planeta. Ao usufruírem da estabilidade trazida pelo Plano Real, os brasileiros acreditaram que esses tempos de dificuldades haviam ficado no passado. Mas, diante do estrago que se vê hoje na economia, agravado pelas turbulências políticas e as denúncias de corrupção, o risco de colapso do país se agigantou.

Nos anos 1980, a falta de dinheiro para honrar as obrigações internacionais empurrou o país para a lista de caloteiros contumazes. Na tentativa de driblar os problemas, o governo promoveu uma onda de desvalorização da moeda, que deu início a um longo período de hiperinflação. Em 1990, a poupança foi confiscada, o que fez despencarem a produção e o emprego. Nove anos depois, as reservas internacionais estavam quase a zero, e o regime de câmbio mudou, com drástica desvalorização do real. Em 2008, auge da crise internacional, levamos outro susto com a quebra de bancos mundo afora. Economistas que viveram essas agruras, dizem, porém, que nunca, como agora, o país teve um problema tão grave: a falta de esperança.

“A impressão hoje é de que as coisas vão piorar antes de melhorar. E não sabemos ainda quando os sinais de recuperação vão ocorrer”, diz René Garcia, que foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “O governo se mostra incapaz de executar um plano de recuperação do país”, afirma. A peculiaridade da crise atual em relação às anteriores está em seus inéditos contornos políticos. “O governo tem dificuldades de negociação com o Congresso e, pelo calendário eleitoral, não há mudanças à vista para os próximos três anos. As perspectivas são de sofrimento prolongado. A grande dramaticidade do momento atual é que não se enxerga a melhora”, alerta Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Asset Brasil.

Na avaliação de Carlos Thadeu de Freitas Gomes, chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central, o país precisa de uma âncora fiscal para voltar a crescer. “Mas isso, por sua vez, depende de uma moldura política”, explica. Os analistas são unânimes ao destacar que, embora seja importante resolver o orçamento federal de 2016, evitando o deficit previsto de R$ 30,5 bilhões, o fundamental é pavimentar as pontes para os anos seguintes. “Precisamos acabar com o deficit de forma estrutural, e isso exige que se mexa na Previdência, eliminando privilégios e até mesmo alguns direitos”, acrescenta.

Paradoxo

O paradoxo da crise atual é que o país está, sob vários aspectos, melhor do que nas anteriores. “No fim do governo Sarney, tínhamos hiperinflação. Em 1999, não tínhamos reservas cambiais”, diz Gomes. “Nossa economia hoje é muito maior e mais diversificada”, acrescenta René Garcia. Para Alexandre Póvoa, “a fotografia é melhor agora, mas o filme é muito pior, pela rapidez da deterioração da economia ao longo deste ano e pela falta horizonte”.

Os três ressaltam que nunca se viu tanta desconfiança em relação a um governo desde a redemocratização do país. E não é para menos. A presidente Dilma fez tantos estragos, sobretudo nas contas públicas, que não se sabe sequer qual é o tamanho do deficit fiscal. Trata-se de um quadro muito parecido com o da Grécia, que ruiu ao admitir que os números que divulgavas sobre as finanças do país não eram reais.

Garcia diz que muito do que vivemos é ressaca do adiamento das correções dos desajustes que se manifestaram em 2013 e 2014. Ele ressalta que, ainda que já tenhamos enfrentado situações economicamente mais graves, com inflação de quase 2.000% ao ano, do ponto de vista de emprego e de retração do Produto Interno Bruto (PIB), esta crise “só perde para a do Collor”. Naquela época, o confisco da caderneta de poupança fez a economia desabar 4,3% e a inflação atingir níveis exorbitantes. 

Na avaliação do especialista em finanças públicas José Matias-Pereira, o Brasil ostenta uma recessão avassaladora, as taxas de desemprego só aumentam, a inflação está saindo do controle, os juros estão elevados e a trajetória de crescimento da dívida bruta deixou de ser sustentável, podendo chegar a 75% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016. “O que faz dessa crise a mais grave da história é que o imbróglio político e policial, com a descoberta do esquema de corrupção na Petrobras, levou o país à paralisia. O governo só se preocupa em barrar o impeachment, e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em se manterem no poder”, diz.

Para ele, há riscos de o Brasil se manter inerte até o fim do governo Dilma e de a presidente ser lembrada como a que levou o país a mais uma década perdida. “A economia está de joelhos e somente retomaremos aos níveis de atividades de 2011 em 2019. Todos os fundamentos do Plano Real, que deram condições de nos tornamos competitivos, foram jogados no lixo”, alerta. 

Correio braziliense, n. 19152 , 02/11/2015. Economia, p. 7