O Estado de São Paulo, n. 44578, 05/11/2015. Política, p. A8

Base recua ao tentar aprovar repatriação

JOÃO VILLAVERDE IGOR GADELHA / BRASÍLIA - O ESTADO DE S.PAULO

 

A votação na Câmara dos Deputados do projeto de repatriação e regularização de ativos mantidos por brasileiros ilegalmente no exterior foi adiada para a próxima terça-feira, após o governo recuar por temer uma derrota.

O projeto, que tem potencial de atrair até R$ 150 bilhões aos cofres federais nos próximos anos, garante a regularização e extingue a punição penal de crimes como sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, descaminho e falsificação de documentos. Em troca, o contribuinte deve pagar uma alíquota de 30% sobre o total, sendo 15% em Imposto de Renda e outros 15% em multa. O projeto foi suavizado ontem pelo relator Manoel Júnior (PMDB-PB), aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O relator tinha inserido até doleiros, associação criminosa e contabilidade paralela (caixa 2) como crimes que seriam regularizados, mas ele voltou atrás a pedido do governo.

Para ficar livre de investigação e regularizar os bens ou patrimônios, o contribuinte que aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RECT), que será criado com o projeto, precisa pagar, de uma vez, a alíquota total de 30% sobre o valor total.

“Não podemos admitir isso, que bandidos, corruptos e traficantes tragam seu dinheiro para o Brasil. Vamos fazer o Congresso virar cúmplice disso? Vamos enterrar a Lava Jato e todo o trabalho de investigação feito nos últimos anos se aprovarmos esse texto”, disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), da tribuna. Segundo o líder do PSOL, deputado Chico Alencar (RJ), o governo “quer beneficiar quem não pode ser beneficiado”.

Coube ao deputado José Mentor (PT-SP), que presidiu a comissão especial de análise do projeto, rebater a oposição. “Em qual artigo qualquer daquelas pessoas que estão na Lava Jato vão usar para trazer seu dinheiro para o Brasil? Não pode regularizar dinheiro de corrupção, de desvio de dinheiro público, de doleiro, então como que podem dizer que vamos acabar com a Lava Jato? Não tem cabimento isso.”

Ajuste fiscal. Considerado crucial pela área econômica, o projeto foi negociado até o início da noite de ontem entre o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), o relator, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. Dado o potencial de arrecadar R$ 150 bilhões nos próximos anos, o projeto é visto pelo governo como possível substituto da recriação da CPMF, que está parada no Congresso.

Inicialmente, pelo texto orginal encaminhado pelo governo, as alíquotas totalizavam 35%. Segundo Guimarães, essa redução de alíquotas não agradou a Levy, mas o líder do governo destacou que mesmo a 30%, a alíquota é “muito superior” à praticada em projetos semelhantes de países como a Turquia.

O governo originalmente esperava que o dinheiro oriundo do pagamento da multa fosse direcionado para os fundos regionais que permitirão a reforma do ICMS. O relator alterou isso: o dinheiro da multa será destinado a Estados e municípios, por meio dos fundos constitucionais (FPE e FPM, respectivamente). “Queremos os 15% da multa para o fundo da reforma do ICMS. Tenho carta de 24 governadores pedindo isso também. Mas o relator não acatou. Vamos lutar em plenário para alterar isso ainda”, declarou Guimarães.

O governo ainda queria que a multa fosse paga com a cotação do dólar ou do euro no dia de adesão ao projeto, mas o relator fixou a data de 31 de dezembro de 2014, quando o dólar estava a R$ 2,66 contra os R$ 3,90 de hoje.

MPF. Ontem, o Ministério Público Federal divulgou nota técnica em que sugere ao Congresso que rejeite o projeto de lei. Segundo a nota, “a proposta vai na contramão dos anseios da sociedade e das medidas contra a corrupção” adotadas pelo órgão.