O Estado de São Paulo, n. 44593, 20/11/2015. Política, p. A4
BRASÍLIA - Uma série de manobras da tropa de choque do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adiou desta quinta-feira, 19, para a próxima semana a leitura do relatório preliminar pelo prosseguimento do processo de cassação do peemedebista no Conselho de Ética. Cunha é acusado de mentir à CPI da Petrobrás, em março, ao afirmar que não tem contas no exterior.
Adversários do peemedebista acusam o presidente da Câmara de ter utilizado o poder de seu cargo para protelar a sessão. Segundo eles, Cunha coordenou a série de manobras verificadas ontem na Casa.
No ato mais extremo do dia, o deputado Felipe Bornier (PSD-RJ) assumiu a presidência no lugar de Cunha e anulou a sessão do Conselho em resposta a uma questão de ordem de André Moura (PSC-SE). Ambos são aliados do peemedebista. Opositores e até correligionários de Bornier disseram que o presidente interino agiu por orientação de Cunha. Durante a presidência de Bornier, Cunha falava com ele sempre escondendo a boca com a mão.
Depois de bate-boca, críticas e protestos, Cunha, diante de um plenário esvaziado, voltou atrás e suspendeu a decisão de Bornier. Os aliados de Cunha chegaram atrasados à sessão do Conselho. Da lista de parlamentares próximos a Cunha, apenas Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) havia marcado presença para dar quórum. Petistas e peemedebistas só apareceram depois de aberta a sessão.
O Planalto fez um pacto de não agressão com Cunha e quer que os três deputados do PT no Conselho de Ética ajudem a adiar o seu processo de cassação. Em conversas reservadas, auxiliares da presidente Dilma Rousseff afirmam não acreditar que Cunha, fragilizado, dê seguimento ao processo de impeachment e, além disso, querem manter a boa relação para que ele não prejudique votações de interesse do governo, como as do ajuste fiscal.
Quórum. O primeiro aliado de Cunha a atuar no Conselho foi André Moura, que tentou encerrar a sessão alegando espera de mais de meia hora para abri-la. A reunião havia sido marcada para as 9h30, mas só houve quórum às 10h23, quando se atingiu o número mínimo de 11 parlamentares. Mesmo sem marcar presença, o suplente do Conselho Manoel Júnior (PMDB-PB) apresentou duas questões de ordem. Primeiro, pediu a leitura da ata da sessão anterior. O presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA) disse que o documento não estava pronto por “falta de material humano”.
Manoel Júnior reagiu. “Antes mesmo de iniciar qualquer sessão, Vossa Excelência tem que ler a ata ou dispensá-la”, disse o aliado de Cunha. “Vossa Excelência está impedida de continuar a sessão”, afirmou. Araújo retrucou. “Vossa Excelência há de convir que o presidente deste Conselho chama-se José Carlos Araújo e não Vossa Excelência.” Fracassada a tentativa, Manoel Júnior tentou nova intervenção, pedindo o impedimento do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos principais críticos de Cunha.
O peemedebista disse que Delgado “não se encontra em condições de deliberar, pois não detém a isenção e a imparcialidade necessárias” por ser um dos que pedem o afastamento de Cunha da presidência da Câmara.
O deputado Betinho Gomes (PSDB-PE) disse que, se Delgado fosse afastado, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), também teria de ser impedido por declarar apoio a Cunha.
Enquanto isso, aliados de Cunha também atuavam no plenário da Câmara. O presidente da Casa abriu a ordem do dia às 10h44, antes do horário de costume. Aliados de Cunha apresentaram questões de ordem pedindo a suspensão de todas as comissões, inclusive a do Conselho de Ética, o que aconteceu 28 minutos depois.
À tarde, depois de deixarem Cunha no plenário, os deputados retomaram simbolicamente a sessão. A leitura do parecer está marcada para terça-feira.
BRASÍLIA - O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu nesta quinta-feira, 19, o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de presidente da Câmara dos Deputados durante a tramitação do processo contra ele no Conselho de Ética da Casa. O ministro considera que seria preciso "uma grandeza maior" por parte de Cunha caso o parlamentar admitisse "afastamento espontâneo", e que uma decisão nesse sentido que "melhoraria" a crise entre o Executivo e o Judiciário.
Nós precisaríamos aí de uma grandeza maior para, no contexto, haver um afastamento espontâneo, ou, quem sabe até a renúncia ao próprio mandato", ponderou Marco Aurélio. Cunha vem sendo acusado por parlamentares de usar o cargo para atrapalhar o andamento do processo contra ele no Conselho por quebra de decoro parlamentar. Ele é investigado por ter mentido à CPI da Petrobrás quando negou ter contas no exterior.
O ministro Marco Aurélio avaliou que as acusações contra o presidente da Câmara não condizem com o esperado por um parlamentar que ocupa esse cargo. "É lastimável o que nós estamos presenciando, porque se aguarda daqueles que ocupam cargos importantes como são os cargos nas chefias do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, se aguarda uma postura que sirva de norte ao cidadão. E essa postura nós não estamos constatando", afirmou o ministro.
Em conversas reservadas, conforme mostrou o Estado no domingo passado, ao menos cinco dos 11 ministros do STF consideram que Cunha “caiu em desgraça” e que sua presença no comando da Câmara “atrapalha a agenda do País”, provocando uma espécie de “nó político”, sem uma solução à vista.
Medida. A deputada Eliziane Gama (Rede-MA) informou nresta quinta-feira que vai protocolar uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo o afastamento do peemedebista do comando da Câmara dos Deputados. “O presidente Cunha tem feito manobras, no exercício do cargo, para dificultar a tramitação do processo por quebra de decoro. Exemplo claro disso foi a decisão de cancelar a sessão do Conselho de Ética. Além disso, tem usado diversos recursos de que dispõe na Mesa Diretora para sua defesa pessoal. Vamos pedir ao STF, por meio do procurador (geral da República, Rodrigo) Janot, para que se posicione a este respeito”, diz a nota da parlamentar.
A sessão marcada para analisar o parecer preliminar sobre o processo contra o peemedebista no Conselho da Câmara chegou a ser adiada nesta quinta. De acordo com o segundo secretário da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, Felipe Bornier (PSD-RJ), a sessão feria os artigos do Regimento Interno da Casa. Depois de pressão, Cunha voltou atrás e anulou a decisão de Bornier.
Em uma segunda manobra, Cunha determinou que as comissões em funcionamento na Casa fossem suspensas, o que afetou inclusive os trabalhos do Conselho de Ética.