O globo, n. 30.065, 30/11/2015. Opinião, p. 15

 

O abraço tóxico

A política é a sociedade da desconfiança. Mesmo sem corrupção, tempo gasto em negociações e se defendendo é impensável em outras sociedades

Aprisão de empresários, políticos e o livro de memórias de Fernando Henrique Cardoso demonstram como o processo político é profundamente imperfeito e como o abraço de empresários com a política é muito tóxico.

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“Abraço e facada nas costas têm que ser de perto” (Otto Lara Resende). É isso o que mais se observa em um chiqueirinho chamado Brasília. É enorme o nível de convivência libidinosa, promessas e acordos secretos, e mesmo ilegais, traições e ameaças. A política é a sociedade da desconfiança. Mesmo na ausência de corrupção, o tempo gasto neste processo, em negociações e se defendendo, é impensável e inviável em outras sociedades, sejam familiares, de amigos, de vizinhança ou empresariais. Tais sociedades precisam de confiança para funcionarem.

O Estado é hoje enorme comprador, e isso é problema mundial, como nos mostra a corrupção em Quebec, envolvendo prefeitura, empreiteiras, políticos, tesoureiros de campanhas, burocratas e gangsteres. Mas o Estado empresário não é necessário, e a empresa estatal, missão impossível na sociedade da desconfiança. E a corrupção histórica das empresas estatais é problema menor que o prejuízo por ineficiência. FH relata o caso “patético” do Banco do Brasil. A empresa estatal, protegida por monopólios e boquinhas políticas e tendo como donos os políticos cujo objetivo é maximizar poder, e para isso precisam de dinheiro, são presas de certos tipos de empresários. No fim, todos perdem com o abraço tóxico. Hoje, nos sonhos mais doces de Dilma, a Petrobras nunca existiu. E a histórica ineficiência de empresas estatais é mundial, geralmente protegida por um crápula discurso invocando nacionalismo e soberania. Mas em grande parte do mundo, todas as empresas estatais foram privatizadas nos anos 90. Inclusive as estatais de petróleo.

O Brasil privatizou muito pouco. A convicção política foi sempre exígua, inclusive a de FH. O processo (da comissão) foi sempre tortuoso. Perdemos o momento político. Agora, somos brindados por essa história de absoluto horror que é a Petrobras. Mas é antiga. Paulo Francis denunciou nos anos 90. A revista “Playboy” fez ampla reportagem em agosto de 1992, época em que FH era senador e se interessou pelo assunto das empreiteiras. A história já era de horror, de corrupção e ineficiência. Mas, como presidente, FH não priorizou essa questão.

FH consola-se que a enorme ineficiência do processo político é do jogo. Ouve-se que a corrupção gerada pela concupiscência entre empresários e governos é também regra do jogo. O editor da “Playboy” em 92, Juca Kfouri, ouviu essa mesma explicação do fundador da Odebrecht. Mas se essa for a regra, além da questão criminal, é geradora de pobreza.

Uma das regras do jogo vitais para prosperidade é a sociedade da confiança. A sociedade da desconfiança é, na melhor hipótese, a da soma zero (Douglass North, Alain Peyrefitte). O Brasil precisa retomar seu programa de desestatização, colocando todas suas estatais sob uma holding e, como na Alemanha, vendê-las todas. A começar pela Petrobras.

E a proposta de “modernizar” a Petrobras e as outras estatais é beócia. “Em um mundo de incertezas, as instituições devem estimular ensaios e eliminar erros. Corolário lógico é a descentralização de decisões” (North). E empresas convivem com três tipos de erros: por incompetência, julgamento e má-fé. A empresa estatal, submersa na sociedade da desconfiança, não consegue identificar o erro de julgamento.