O globo, n. 30.065, 30/11/2015. Economia, p. 17

‘É importante entender a emergência fiscal’

Apesar do bloqueio de R$ 10,7 bilhões, que entra em vigor amanhã, ministro da Fazenda diz que, se algum órgão precisar de recursos para despesa essencial, dinheiro será liberado

“A dificuldade de alcançar a meta este ano não é porque se gastou muito, mas porque a receita caiu muito além de qualquer previsão nossa ou do mercado”

Em entrevista, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, diz que o país vive “emergência fiscal”, mas que, mesmo com o bloqueio de R$ 10,7 bi, gastos essenciais serão pagos. -BRASÍLIA- Em entrevista concedida ao GLOBO por e-mail, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu o corte de gastos para que se entenda “a situação de emergência fiscal pela qual o Brasil passa”. Para o ministro, ter um superávit mínimo ano que vem é essencial. Caso contrário, o Brasil corre o risco de ficar que nem a Grécia, “um país com problemas estruturais, que não consegue poupar nada para pagar a dívida".

ANDRE COELHO/24-11-2015Levy. “É muito melhor para o crescimento e para as condições de vida do trabalhador ter instituições fortes, que um Estado em toda parte”

O governo decidiu seguir a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) de trabalhar com a meta fiscal que já foi aprovada pelo Congresso. Mas ela vai obrigar a equipe econômica a contingenciar R$ 10,7 bilhões do Orçamento de 2015, bloqueando todos os gastos discricionários. Isso não vai trazer prejuízos aos serviços públicos?

A situação é especial e será um teste da adaptabilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) a situações completamente atípicas. A dificuldade de alcançar a meta este ano não é porque se gastou muito, mas porque a receita caiu muito além de qualquer previsão nossa ou do mercado. Uma queda por razões econômicas e não econômicas. Estamos economizando R$ 78 bilhões em relação ao autorizado pelo Congresso e gastando menos, em valor nominal, do que em 2014 ou 2013.

Mas como ficam os serviços para a população? Como o governo vai gerir o Orçamento, se o Congresso não aprovar a meta fiscal reduzida e os gastos ficarem bloqueados até o fim de dezembro?

Estamos implementando as recomendações do TCU, em circunstâncias especiais, mas independentemente da expectativa de votação da alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015. Por isso, o decreto da presidente prevê o congelamento dos limites orçamentários e financeiros, mas ressalva que se algum órgão necessitar de recursos emergenciais, para atender uma despesa essencial, a movimentação financeira necessária poderá ser excepcionalmente excluída desses limites.

Haverá algum critério para essa liberação excepcional? Saúde e Educação estarão na frente de outras áreas?

Esses pagamentos estão cobertos pelos mínimos constitucionais para a Educação ou para a Saúde, que estão resguardados do contingenciamento. O mesmo vale para aposentadorias e para o pagamento dos salários dos servidores. Mas, se uma operadora cortar o telefone de uma unidade crucial para a população porque não houve pagamento nas próximas semanas, pode-se responder rapidamente. Devem-se proteger os serviços essenciais, mas também é importante entender a situação de emergência fiscal que o país passa. Por isso é tão importante revisar gastos, inclusive antes do reforço de impostos que vamos precisar ano que vem.

Como está a relação do governo com o TCU? O tribunal entendeu as razões pelas quais o governo reduziu a meta fiscal de 2015 três vezes?

Tem havido permanente diálogo com o TCU, que entende o esforço que tem sido feito ao longo do ano, e a transparência com que temos tratado a questão fiscal. Transparência inclusive em relação à receita, depois que ficou evidente que as empresas estavam pagando menos impostos por causa do clima de incerteza que temos vivido nos últimos meses.

O governo vai pagar todo o estoque das pedaladas fiscais (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro para bancos públicos) já condenadas pelo TCU ainda em 2015?

Para pagar os atrasados com os bancos públicos será necessário ter orçamento adicional, o que só poderá acontecer depois da votação do pedido de mudança de meta que fizemos ao Congresso e que está para ser votado esta semana. O tema é complexo, porque não pode ser apenas jogar os gastos passados na dívida pública, sem nenhum esforço fiscal.

O senhor defende a importância de manter a meta fiscal de 0,7% do PIB em 2016. No entanto, alguns acham esse número irreal. O governo tem poucas chances de aprovar a CPMF, e a economia continuará em retração. De onde virá esse esforço fiscal?

Ter um superávit mínimo ano que vem é essencial. Senão, a gente fica que nem a Grécia, um país com problemas estruturais, que não consegue poupar nada para pagar a dívida. Nesse cenário, ninguém iria investir, e o emprego despencaria. É claro que o Brasil, com 200 milhões de habitantes, toda a riqueza, a indústria e agricultura que tem, não é para ser a Grécia dos últimos anos. A gente tem que se organizar, ter a disposição de tomar as medidas necessárias, fazer escolhas sólidas.

De onde virão as receitas para garantir essa meta de 0,7% do PIB?

Nessas horas surgem ideias mobilizantes, como privatizar o jogo, esperando arrecadar bilhões imediatamente. Mas quem sabe o que é Atlantic City ou conhece Macau entende os cuidados e o tempo que precisaria para essa privatização ter algum impacto fiscal ou no desenvolvimento. Especialmente porque autorizações precárias afugentariam qualquer investimento duradouro. Não se improvisam essas coisas. O fundamental é que é possível 2016 ser um ano de crescimento. Para isso, precisamos vencer agora os impasses políticos e certa abulia de alguns segmentos empresariais em ratificar um plano mínimo de reforma estrutural, com menos gastos e os impostos indispensáveis.

Como o senhor vê o impacto da prisão do líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), na aprovação das medidas do ajuste fiscal que estão no Congresso?

Acho que são desdobramentos de uma mudança estrutural, que vai além do indivíduo A ou B. No dia em que assumi o cargo de ministro, chamei a atenção para o papel do combate ao patrimonialismo, da promoção da transparência e da impessoalidade nas relações do governo. Essas são alavancas para sermos um país mais justo, com uma economia mais aberta e dinâmica. Esse é o caminho, com todos os desafios de padrões do passado, alguns avoengos. Os fatos recentes levam a repensar as relações do Estado com os agentes econômicos, e os incentivos nem sempre positivos que muitas vezes se criam quando o Estado cresce demais e vira protagonista fora das áreas essenciais de sua atuação. É muito melhor para o crescimento econômico e para a melhora de condições de vida do trabalhador e das famílias o país ter instituições fortes, do que um Estado em toda parte.