Título: Por um Banco Central livre
Autor: Cedro, Rafael Rosa
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2011, Opinião, p. 11

Especialista em políticas públicas e gestão governamental, integra o programa internacional de ph. D. em estudos sobre desenvolvimento, do International Institute of Social Studies, em Haia (Holanda). Foi negociador do governo brasileiro na OMC, em Genebra, e organismos econômicos das Nações Unidas.

O Banco Central (BC) brasileiro parece estar se libertando da captura que havia sido feita do mesmo pelo mercado financeiro. Anteriormente baseado em parâmetros que seguiam centralmente as expectativas dos financistas, os principais beneficiados todas as vezes que a taxa de juros subia ou era mantida alta, o BC agora parece reduzir a sua vulnerabilidade em relação a um dito pensamento único: o mesmo do discurso ultraliberal com traços totalitaristas que quase (?) levou o mundo para o buraco com as atuais crises econômicas.

Faço a ressalva do "quase" porque, apesar dos pesares, são as ilhas de dinamismo não alinhadas ao pensamento ortodoxo rígido ¿ por exemplo, países como a China, a Índia e, sim, o Brasil ¿ que ainda seguram as pontas, evitando uma queda maior da economia mundial rumo ao precipício.

O que o "mercado" reclama como sendo intervenção do governo no BC ¿ vide repercussão da recente queda de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic, decidida na última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) ¿, em realidade é uma integração de políticas (fiscal e monetária) que, para fazerem sentido, necessitam estar coordenadas entre si.

À luz dessa reflexão, portanto, é importante se examinar com cuidado aquilo que vem sendo apontado, superficialmente, como "conchavos espúrios" entre governo e autoridade monetária (leia-se: o Ministério da Fazenda, responsável pelas finanças do país; a Presidência da República, autoridade máxima democraticamente eleita para zelar pela definição de prioridades e estratégia de desenvolvimento nacionais; e o Banco Central, peça do mesmo xadrez, e que deve jogar no mesmo time e não em contraposição aos movimentos das demais).

O BC, dessa forma, no contexto corrente, parece agora atuar um pouco mais livre das pressões especialmente rentistas, e se soma a um esforço de governo para promover uma ação integrada voltada à efetivação de uma trajetória de desenvolvimento com estabilidade, que tem como horizonte último a melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

Neste sentido, é bem-vindo o movimento de integração entre as políticas monetária e fiscal, associadas ao lançamento recente de uma política de desenvolvimento econômico-produtivo que traz o elemento de "conteúdo nacional com inovação" como interessante mecanismo para potencializar o avanço produtivo-tecnológico do país a patamares até pouco tempo não muito imaginados.

Sobre a viabilidade prática desse tipo de mecanismo, basta destacar a frase do Sr. Luiz Eduardo Rubião, diretor da alemã Siemens no Brasil, citada na reportagem de capa da edição nº 952 da revista Exame, já em 2009, se referindo a essa política, inicialmente adotada no caso do pré-sal ¿ "[a Petrobras] é a menina mais bonita da festa, todas querem dançar com ela" ¿ e indicando que a sua companhia estava, portanto, projetando investimentos para participar, produzindo no Brasil equipamentos antes só fabricados na Alemanha, no Reino Unido e na Suécia.

Há uma mudança em curso mais ampla que aquela que normalmente aparece aos olhos ¿ ou no discurso ¿ do mercado financeiro. Ela é uma mudança de estratégia de desenvolvimento econômico. Os analistas que se recusarem a tentar entender esse novo contexto correm o risco de ficarem a ver navios, inclusive perdendo dinheiro em suas apostas ocasionais contra os interesses do país (e a favor de mais juros, mesmo sendo o Brasil já o campeão mundial de juros altos e em um contexto de crise econômica mundial).

Portanto, apertem os cintos... e, quem sabe, bem-vindos a uma nova era.