Correio braziliense, n. 19164, 14/11/2015. Brasil, p. 5

Reação contra alerta para não engravidar

Mãe leva filho com microcefalia para ser atendido em hospital. Em Pernambuco, foram diagnosticados 141 casos (Larissa Rodrigues/Esp. DP/D.A Press)

Mãe leva filho com microcefalia para ser atendido em hospital. Em Pernambuco, foram diagnosticados 141 casos

 
Apesar de o momento ser de preocupação, a recomendação do diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, para que as mulheres de Pernambuco adiem os planos de gravidez por causa do aumento de casos de microcefalia em bebês foi mal recebida por organizações de defesa dos direitos e da saúde das mulheres. "A declaração foi, no mínimo, infeliz", comenta a coordenadora da organização não governamental Grupo Curumim, Paula Viana.
 
Diante dos 141 casos identificados da malformação no estado, a maior parte desde agosto, em 42 cidades - indicador 15 vezes superior à média registrada entre 2010 e 2014, de 9 casos por ano -, Maierovitch alertou na noite da última quinta-feira: "Não engravidem agora. Esse é o conselho mais sóbrio que pode ser dado". Para Paula Viana, se a gravidez estiver nos planos de um casal neste momento, de fato, é prudente esperar até que se identifiquem as causas do surto da doença, mas considera que a orientação em uma realidade em que a maioria das gravidezes não são planejadas é inadequada.
 
"Para se falar isso, tínhamos que ter no país um sistema de controle familiar eficiente. A orientação também é para se fazer um pré-natal benfeito. O que é muito complicado quando não há qualidade no pré-natal oferecido por causa da falta de investimento na atenção básica à saúde. É colocar nas mãos da mulher a responsabilidade por gerar um bebê com a doença. Depois, vão dizer a ela 'tá vendo, não falamos que não era para engravidar'", comenta Paula.
 
Sílvia Camurça, do Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo, o surto de bebês com microcefalia acontece em um momento muito grave na Saúde. De acordo com dados levantados pelo Fórum de Mulheres de Pernambuco, em setembro, todos os pediatras de duas Unidades de Pronto Atendimento foram demitidos e os atendimentos nas demais estão restritos a 30 por dia. "O mercado não forma mais pediatras por causa da lógica de mercado. Outras especialidades são mais rentáveis. Como o estado vai garantir atendimento a essas crianças? É um cenário extremamente desfavorável. A mulher sofre duas vezes, por ter o filho com a doença e por não ter atendimento."
 
A socióloga destaca ainda ataques conservadores que os mecanismos de planejamento familiar sofrem. "O acesso à camisinha e a métodos contraceptivos está cada vez mais complicado, em especial, para os jovens. A frase foi infeliz. O governo deveria dar condições para essa mulher ter o filho ou não. A gente entende que o momento não é adequado, mas a orientação coloca sobre a mulher a responsabilidade de gerar filhos com a doença", comenta Sílvia.
 
Por meio de nota, o Ministério da Saúde afirma que não há uma recomendação para que se evite a gravidez. "Até que se esclareçam as causas do aumento da incidência dos casos de microcefalia na região Nordeste, as mulheres que planejam engravidar devem conversar com a equipe de saúde de sua confiança (...) A decisão de uma gestação é individual de cada mulher e sua família." A Secretaria Estadual de Saúde divulgará na próxima semana um boletim atualizado sobre os registros no estado e o ministério divulgará na próxima terça-feira o levantamento pelo país.
 
Além de Pernambuco, outras unidades da Federação relataram aumento expressivo de casos. Na manhã de ontem, a secretaria de Saúde do Piauí informou o registro, nas últimas três semanas, de 10 casos entre recém-nascidos e dois intrauterinos. Com isso, sobe para 243 o número de notificações no país da má-formação que, até hoje, era considerada um evento raro na pediatria. Crianças com o problema apresentam uma circunferência cefálica menor do que a média e podem ter deficiência mental, motora, problemas de visão e audição. A maior parte dos casos está concentrada em Pernambuco (141), seguido por Sergipe (49), Rio Grande do Norte (22) e Paraíba (9).
 
Um dia após o Ministério da Saúde decretar estado de emergência sanitária nacional diante do aumento de casos de microcefalia em Pernambuco, as redes sociais foram utilizadas como ferramenta de expressão de comentários preconceituosos contra nordestinos. O perímetro encefálico menor que o normal foi ridicularizado em postagens no Twitter: "O pessoal sacaneou tanto cabeça de nordestino que agora os bebês de lá tão nascendo tudo com microcefalia", diz uma das mensagens.
 
"O acesso à camisinha e a métodos contraceptivos está cada vez mais complicado, em especial, para os jovens. A frase foi infeliz. O governo deveria dar condições para essa mulher ter o filho ou não" 
Sílvia Sílvia Camurça, do Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo