O globo, n. 30.063, 28/11/2015. Economia, p. 30

‘ É uma sequência de fracassos’

Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, a situação atual é uma sequência de erros e problemas que não foram atacados na hora certa e do jeito certo.

— Houve uma meta salvadora quando o ministro Joaquim Levy entrou. Essa meta rapidamente se mostrou inviável. Refizeram a meta, que em pouco tempo se mostrou inviável também. É uma sequência de fracassos que as pessoas acham que podem ocorrer sem maiores problemas. Mas, quando chega no fim do ano, tem a exigência legal de o governo alterar a meta no Congresso — destacou.

O economista observa ainda que se o governo está mal, sem governabilidade, ele não consegue seu objetivo.

— Isso caracteriza crime de responsabilidade fiscal. E, para evitá-lo, tem que adotar medidas radicais, como suspender pagamentos, o que não vai resolver nada, só vai dar um fôlego até o governo conseguir a votação.

Velloso alerta que não há garantia de que o Congresso aprovará a nova meta, nem se sabe quando isso vai acontecer.

— Ninguém consegue apostar quanto tempo vai levar para o Congresso aprovar essa mudança. Nós estamos vendo apenas a manifestação de mais uma face de uma situação muito caótica, que é a que nós temos vivido na área fiscal desde o ano passado. Cada dia se agrava mais, tudo se mistura com essas questões na área jurídica, policial e legal. Cada vez que você tem uma prisão, uma denúncia, isso mina a credibilidade. O capítulo que está lá na frente começa a ficar mais difícil.

Para o economista, é difícil imaginar quais são os próximos episódios e isso já está prejudicando a imagem do país.

— Infelizmente é uma situação crítica. As pessoas estão olhando para o Brasil como um país descontrolado. É como um cavalo que estava seguro nas rédeas e de repente se soltou. Temos que atacar principalmente o problema político, criar condições para que o controle seja retomado, mas pôr isso em prática sem mudar a cúpula do governo é muito difícil. Tem que retomar o controle político da situação, mas isso envolve mudanças que ninguém quer fazer porque quem está no poder não quer sair.

‘Falta uma política de crescimento’

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor da Unicamp, avalia que o bloqueio dos gastos contraria o bom senso.

— Chegamos a essa situação porque deram um cavalo de pau na economia em 2015. De 2003 a 2008, houve um ciclo global muito favorável que ajudou o país a fazer uma política de valorização do salário mínimo e trazer mais gente para o mercado de trabalho. Isso ajudou a reforçar a arrecadação e a melhorar o desempenho fiscal. Em 2008, a crise internacional trouxe um choque externo de confiança. Naquele momento, o governo agiu certo e recuperou rápido a economia por meio do estímulo ao consumo.

O governo errou ao mudar o rumo da política fiscal, diz:

— Em 2014, a economia brasileira capotou e criou-se um clima de que a situação do país era um desastre, de que a inflação era excessivamente alta e de que um ajuste fiscal duro era necessário. Houve então um choque de juros, um realinhamento de tarifas e um corte de gastos de mais de R$ 100 bilhões. Tudo isso reduziu a renda da população, a atividade econômica e a arrecadação. Se Keynes (John Maynard Keynes, economista britânico que defendia o uso de medidas fiscais e monetárias para mitigar efeitos de crises econômicas) estivesse vivo, morreria.

Para Belluzzo, a saída para a crise é o investimento público.

— A visão do ministro Joaquim Levy (da Fazenda) é de que se você fizer um ajuste, você desperta o espírito animal dos empresários, e eles fazem o que o governo não vai fazer mais. Mas nada está ocorrendo. Falta uma política de crescimento que estimule os investimentos em infraestrutura, não apenas privados, mas públicos. Sem investimento público, o país não vai sair do buraco.

Ele critica as decisões da presidente Dilma Rousseff:

— Outro problema é que o Brasil está num desarranjo institucional muito grande. A presidente está fragilizada politicamente e respondendo ao TCU de maneira inadequada. Ela toma uma decisão errada atrás da outra. Não sei como vai ficar a imagem do Brasil no exterior, mas, internamente, vai ser desastroso. Pode ter escola que vai ficar sem luz. Eu só acredito numa saída, num arranjo entre as forças para fazer uma política de crescimento que estimule os investimentos.