O globo, n. 30.062, 27/11/2015. Economia, p. 12

Ibama tentou embargar barragem de Fundão

Burocracia impediu cumprimento da decisão do órgão em Minas quatro meses antes do acidente em Mariana

Quatro meses antes da tragédia em Mariana, o Ibama ordenou o embargo da barragem de Fundão, após comprovar que a Samarco desmatara além do permitido. Mas a burocracia impediu o embargo: faltou notificação à mineradora, informa VINICIUS SASSINE. O prazo para a Samarco depositar R$ 500 milhões para recuperação de danos acabou ontem. A empresa diz que parte do dinheiro foi bloqueada pela Justiça. -BRASÍLIA- Cerca de quatro meses antes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), o Ibama determinou o embargo do empreendimento e tornou inválido um documento que permitiu a construção da barragem, como demonstram novos documentos obtidos pelo GLOBO. A informação foi confirmada ontem pela direção do Ibama, em Brasília, e por fontes do órgão federal em Minas Gerais.

MÁRCIA FOLETTOLicença. Área da barragem de Germano, a maior da mineradora Samarco: Ibama chegou a determinar embargo de Fundão, que anularia licenças ambientais

A invalidação da chamada anuência, a cargo do Ibama, poderia levar à anulação das licenças de instalação e de funcionamento do empreendimento, que foram concedidas por órgãos ambientais do governo mineiro. DESMATAMENTO IRREGULAR O GLOBO revelou no último dia 20 que a mineradora Samarco — que pertence à Vale e à BHP Billiton — desrespeitou duas exigências na construção da barragem em Mariana e acabou multada em 2010 (em R$ 20 mil), e em 2011 (em R$ 120 mil). A empresa deixou de reflorestar uma área de 263 hectares de Mata Atlântica e desmatou além do permitido pelo Ibama. O órgão federal foi responsável por dar anuência para o desmatamento, conjugada às licenças de instalação e operação da barragem.

Um analista ambiental e uma procuradora federal chegaram a pedir, em maio de 2014, a invalidação da anuência e o consequente embargo do empreendimento, como informou O GLOBO. Os novos documentos mostram que o Ibama em Minas Gerais chegou a determinar a “invalidação da anuência nº 060/2006 e embargo do empreendimento”, em decisão administrativa de primeira instância, em 9 de julho deste ano.

A autoridade responsável por avaliar autos de infração seguiu os pareceres da área técnica do Ibama e da Procuradoria Federal Especializada, que atua junto ao Ibama em Minas. “Assegurados o contraditório e a ampla defesa, autoria e materialidade restaram devidamente configuradas, conforme auto de infração e relatório de fiscalização. O enquadramento legal e a dosimetria foram adequadamente tratados nos referidos instrumentos, à luz da conduta praticada”, cita a autoridade julgadora na decisão em relação à multa de R$ 20 mil, que originou o pedido de embargo.

A burocracia impediu que o embargo da barragem e a invalidação da anuência fossem efetivados. Para isso ter ocorrido, a Samarco deveria ter sido notificada antes, com possibilidade de recorrer ao superintendente do Ibama em Minas contra a decisão da autoridade julgadora. A multa foi enviada para cobrança somente em 29 de setembro último. O processo registra uma última movimentação em 28 de outubro. Não há registro de pagamento no processo. O andamento dos autos no site do Ibama diz que o débito está “quitado”.

A barragem rompeu-se no último dia 5. Um mar de lama com rejeitos de exploração do minério de ferro destruiu o distrito de Bento Rodrigues, matou moradores, deixou milhares de pessoas sem água limpa, contaminou o Rio Doce em Minas e Espírito Santo e chegou ao oceano.

A anuência para a Samarco desmatar quase 300 hectares de Mata Atlântica — o equivalente a quase 300 campos de futebol — foi concedida em 2006 e renovada pelo Ibama em 2011. Fontes do órgão federal entendem que a invalidação dessa autorização teria reflexo direto nas licenças concedidas pelos órgãos ambientais de Minas. “Vícios” nessa anuência, com descumprimento de condicionantes ambientais, prejudicariam as licenças.

Quando a decisão de multar e propor o embargo do empreendimento foi tomada, praticamente toda a área já havia sido desmatada. A barragem foi ampliada.

O Ibama em Minas não se pronuncia a respeito. Numa nota enviada ao GLOBO semana passada, o superintendente local, Marco Túlio Simões Coelho, disse que “o embargo apontado em um dos autos de infração emitidos pelo Ibama só teria efeito para a área em que ocorreu a supressão de vegetação”. Todos os documentos referentes à anuência apontam que quase 300 hectares foram desmatados para a construção da barragem. “O eventual embargo das atividades da mineradora só poderia ter ocorrido caso o órgão licenciador tivesse identificado alguma irregularidade no empreendimento”, completa a nota.