O globo, n. 30.061, 26/11/2015. País, p. 3

Nunca antes na História

 

Em decisão inédita, STF manda prender senador Delcídio Amaral, além do banqueiro André Esteves

“A esperança tinha vencido o medo. Depois descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo” Cármen Lúcia, ministra do STF “É preciso esmagar e destruir com todo o peso da lei esses agentes criminosos” Celso de Mello, ministro do STF
“Seu silêncio (de Cerveró) compraria o sustento de sua família, em evocação eloquente de práticas tipicamente mafiosas” Rodrigo Janot, procurador-geral da República

Numa decisão inédita, um senador foi preso no exercício do mandato. O líder do governo Dilma, Delcídio Amaral (PTMS), e o presidente do banco BTG Pactual, André Esteves, foram presos por ordem do ministro do STF Teori Zavascki sob a acusação de obstruir as investigações da Lava-Jato ao tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que fez acordo de delação. Delcídio foi gravado por Bernardo Cerveró, filho do delator, planejando a fuga dele para a Espanha. Segundo Bernardo, Delcídio e Esteves também ofereceram pagar R$ 4 milhões a Cerveró para que ambos fossem poupados. Os cinco ministros do STF da turma responsável pela Lava-Jato referendaram a prisão por unanimidade. “O crime não vencerá a Justiça”, declarou a ministra Cármen Lúcia. A decisão foi confirmada pelo Senado por 59 votos a 13. A liderança do PT recomendou voto contra a prisão, enquanto o presidente do partido declarou que “não se julga obrigado a gesto de solidariedade”. -BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) mandou prender ontem o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), e o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, acusados de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato ao tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras e novo delator do caso. A prisão de Delcídio, que caiu como uma bomba no mundo político, é a primeira de um senador no exercício do cargo. Ele foi flagrado em um grampo planejando a fuga de Cerveró e, junto com Esteves, segundo o Ministério Público, propôs o pagamento de mesada de R$ 50 mil à família de Cerveró para que ambos fossem poupados.

REUTERS/NACHO DOCE/22-7-2015Banqueiro. Dono do BTG Pactual, André Esteves também foi preso ontem por decisão do Supremo Tribunal Federal

A prisão histórica levou o Senado a convocar sessão extra em que, pelo voto aberto, manteve a prisão de Delcídio, por 59 a 13, sendo nove votos do PT. A Constituição dá aos parlamentares o direito de não serem presos antes de sentença condenatória definitiva — ou seja, depois de encerradas todas as possibilidades de recurso. A exceção é para o flagrante de crime inafiançável, como interpretou ontem o STF e referendou o Senado.

Delcídio participou de reunião, gravada pelo filho de Cerveró, Bernardo Cerveró, em que foi planejada a fuga do ex-diretor para a Espanha, país onde tem cidadania. O senador chegou a sugerir uma rota pelo Paraguai. E alertou que pela Venezuela seria arriscado. Na mesma reunião, os participantes teriam falado, inclusive, sobre meios de violar a tornozeleira eletrônica, caso o STF determinasse o uso do mecanismo.

Outro motivo que levou o ministro Teori Zavascki a mandar prender o senador foi o fato de que, em reunião com o advogado de Cerveró, Delcídio teria prometido que o STF libertaria o réu. No áudio, o senador disse que já havia conversado com os ministros Teori e Dias Toffoli sobre a concessão de habeas corpus, o que ambos negam. Ele também prometeu pedir ao vice-presidente Michel Temer e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que falassem com o ministro Gilmar Mendes sobre o tema. Ao julgar recurso à prisão, a Segunda Turma do Supremo confirmou a decisão de Teori por unanimidade e reagiu indignada às afirmações do senador na gravação.

No pedido de prisão de Delcídio, o procuradorgeral, Rodrigo Janot, escreveu: “Há, aí, o componente diabólico de embaraço à investigação: ultimado o acordo financeiro, Nestor Cerveró passaria a enfrentar dificuldades praticamente intransponíveis para conciliar-se com a verdade. Seu silêncio compraria o sustento de sua família, em evocação eloquente de práticas tipicamente mafiosas”.

O advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, também teve a prisão decretada, mas está fora do país. Ele acertou com Delcídio e Esteves o recebimento de R$ 4 milhões, segundo o Ministério Público. Em troca, convenceria seu cliente a não mencionar Delcídio e Esteves nos depoimentos. O chefe de gabinete do senador, Diogo Ferreira, participou das reuniões para acertar o pagamento das propinas e também foi preso.

— Essas pessoas não estão medindo esforços para interferir nas investigações da Lava-Jato — declarou o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF.

Na delação premiada, Cerveró denunciou que Delcídio teria obtido vantagem nas operações da Petrobras para a contratação de sondas e na compra da refinaria de Pasadena. Esteves foi mencionado quando Cerveró afirmou que o BTG Pactual teria dado dinheiro ao senador Fernando Collor (PTB-AL), em operação para transformar as bandeiras de 120 postos de combustíveis de propriedade do banqueiro em São Paulo.

O PT, em nota, lavou as mãos sobre o aliado: afirmou que não tinha obrigação de ter solidariedade com o senador. No Senado, porém, votou em peso para que Delcídio deixasse a prisão. E, apesar de a presidente Dilma Rousseff ter se aproximado de Delcídio recentemente, o governo avalia que a situação dele é “insustentável”. Preocupa-se ainda com o impacto financeiro da prisão de Esteves.

 

Flagrado em gravação, senador oferecia até rota de fuga pelo Paraguai

 

Em nota, defesa de Delcídio manifesta ‘inconformismo’ com decisão do Supremo

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PTMS), ofereceu numa mesa de negociações a cooptação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); a participação de autoridades máximas da República nessa cooptação; um roteiro de fuga pelo Paraguai; e a simulação de um contrato de advocacia para financiar a família de um delator que detém informações sobre supostos crimes cometidos pelo senador. As ofertas de Delcídio foram gravadas por Bernardo Cerveró, que usou um celular para registrar a ofensiva do senador contra a delação do pai, o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró.

O áudio foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que pediu a prisão de Delcídio e de outros três personagens da trama: o chefe de gabinete do senador, Diogo Ferreira Rodrigues; o advogado Edson Ribeiro, que fazia jogo duplo com Cerveró e Delcídio; e o dono do BTG Pactual, André Esteves, apontado como financiador da ofensiva para invalidar a delação. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou as quatro prisões.

As gravações que registram a ofensiva do líder do governo no Senado viraram um capítulo próprio na delação de Cerveró, o anexo 29. Bernardo fez duas gravações ambientais. A primeira foi no fim de setembro deste ano, numa reunião no Rio entre ele e os advogados Edson Ribeiro e Felipe Caldeira. Os registros mostram que já naquela ocasião o senador prometeu auxílio financeiro à família Cerveró.

O áudio mais decisivo é do último dia 4, numa suíte do Hotel Royal Tulip em Brasília. A gravação tem uma hora e meia e registra o rol de ofertas — interpretadas como crime pela Procuradoria-Geral da República — do líder do governo no Senado. Delcídio, Bernardo, Diogo e Edson participaram do encontro. Uma nova reunião ocorreu no último dia 19, no escritório do advogado Edson Ribeiro, no Rio, com a “provável” presença do dono do BTG. Bernardo não compareceu ao encontro. O acordo de delação premiada de Cerveró já havia sido firmado no dia anterior com a PGR, inclusive com o anexo 29.

Delcídio disse, numa das reuniões, que o vice-presidente Michel Temer conversou com o ministro do STF Gilmar Mendes sobre julgamento de habeas corpus de Cerveró, preso em Curitiba. Ele citou ainda como alvos na máxima Corte os ministros Dias Toffoli, Luiz Fachin e Teori Zavascki, este último o relator dos inquéritos que investigam políticos citados na Lava-Jato.

A assessoria de imprensa de Temer disse que o vice-presidente não teve qualquer conversa com Delcídio a respeito e que ele nunca foi procurado pelo líder do governo no Senado para tratar do assunto. Esse tipo de conversa também não ocorreu com o ministro Gilmar Mendes, segundo a assessoria de Temer. O vice-presidente não tem qualquer preocupação com Zelada, segundo a assessoria. Os ministros do STF disseram não ter tratado do assunto com o senador.

DELCÍDIO: NOTA DA DEFESA

Advogado de Delcídio, Maurício Silva Leite divulgou nota na qual manifesta “inconformismo” com a decisão do STF. Na nota, diz ter “convicção” que a decisão será revista e questiona os fundamentos da prisão, destacando que não há nenhuma “acusação formal” contra o senador. E ainda escreve que “questiona-se o fato de que as imputações tenham partido de um delator já condenado, que há muito tempo vem tentando obter favores legais com o oferecimento de informações”. A nota também cita a Constituição: “A Constituição Federal não autoriza prisão processual de detentor de mandato parlamentar e há de ser respeitada como esteio do Estado Democrático de Direito”.

Procurador-geral da República, Rodrigo Janot citou no pedido de prisão a existência de “componente diabólico” na trama empreendida para barrar a delação de Cerveró. O crime de “embaraço” de investigação criminosa, supostamente cometido por Delcídio, é considerado “gravíssimo” por Janot.